sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Desaposentadoria incentiva revisão no sistema


A maior dúvida diz respeito à devolução ou não do benefício já recebido pelo segurado. STF ainda tem de se manifestar 

Sem previsão legal, alguns temas ficam sujeitos a diferentes interpretações no meio jurídico. A prática conhecida como desaposentadoria ou desaposentação, com julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) postergado para 2013, enfrenta essa situação. Atualmente, os casos estão aguardando a decisão do Supremo, que já no ano passado reconheceu a repercussão geral do assunto.
Na ação, o trabalhador solicita recálculo do benefício, considerando as contribuições feitas durante os anos de trabalho após a aposentadoria. A contribuição para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é exigida mesmo dos que já estão aposentados, mas continuam trabalhando com carteira assinada, conforme o parágrafo 4.º do artigo 12 da Lei n.º 8212/91. “O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social [RGPS] que estiver exercendo ou que voltar a exercer atividade abrangida por este regime é segurado obrigatório em relação a essa atividade”, diz o texto.
A desaposentação ganhou força a partir da aplicação do fator previdenciário no Brasil, em 1999, que funcionou como redutor no valor do benefício. A professora de Direito Previdenciário da PUC-PR, Melissa Follmann, acredita que o recálculo é viável. “Não há lei que obrigue a ficar com a aposentadoria pelo resto da vida. É ilegítimo o Estado cobrar uma contribuição e não dar retorno algum. Isso fere o princípio de lealdade do sistema”, diz. O maior foco da desaposentação são aqueles que se aposentaram pelo sistema proporcional e continuaram trabalhando. Assim, com a idade avançada, buscam a aposentadoria integral. Segundo Melissa, 60% dos aposentados continuam na ativa, para complementar a renda.
Jurisprudência 
Ainda sem regulamentação, a prática enfrenta as discordâncias na jurisprudência. De maneira geral, a decisão tem sido favorável ao aposentado nos tribunais superiores. Mas nos tribunais regionais federais, há decisões contrárias. O principal ponto de divergência diz respeito à devolução ou não dos valores recebidos até a data do pedido de desaposentação. Ou seja, o aposentado tem seu benefício recalculado e passa a receber um valor mais vantajoso, porém, precisaria devolver aos cofres públicos o que já havia recebido, seguindo a prescrição quinquenal.
A advogada supervisora do Núcleo de Práticas Jurídicas da UniBrasil na Justiça Federal, Daiana Allessi, discorda dessa exigência. “Seria absurdo devolver os valores, pois a pessoa continuou contribuindo, e recebe o que tem direito. No recálculo, com as contribuições novas, não há ilegalidade. É um patrimônio disponível”, diz.
A vice-presidente do Instituto Nacional de Direito Previdenciário (INDP), Adriane Bramante, defende a possibilidade de desaposentadoria sem a devolução dos valores. Ela acredita que a decisão do STF pode ser favorável à prática, mas, por ser um órgão político, pedirá a devolução do dinheiro. “Mas o benefício tem caráter alimentar, é um direito. Não é justo que o segurado faça as contribuições e não tenha benefício”, defende.
O direito à desaposentadoria passa por análise por meio do Recurso Extraordinário (RE) 661256 e do RE 381367. Este último trata de aposentadas do Rio Grande do Sul que retornaram à atividade e buscam a reavaliação dos cálculos dos benefícios pagos pelo INSS. No recurso 661256, responsável pelo reconhecimento da repercussão geral da matéria pelo Supremo, o INSS questionou a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reconheceu a um aposentado o direito de renunciar à aposentadoria, para conseguir benefício de maior valor, sem devolver a quantia já recebida.
Livro ajudou a desenvolver discussão
Publicado em 2005, o livro “Desaposentação: o caminho para uma melhor aposentadoria”, do advogado Fábio Zambitte, desenvolveu pela primeira vez a tese. Zambitte explica que, na época da publicação, o termo não era propriamente inédito, mas ficava restrito a algumas discussões. “Não havia tese concreta desenvolvida, nem pesquisa aprofundada. Senti que era algo importante sem desenvolvimento no meio acadêmico. Hoje, há mais livros sobre o tema”, conta.
Anos após a primeira edição da obra, o professor diz que ainda não há consenso nos âmbitos acadêmico e jurídico. “Há uma posição dominante de que é possível se desaposentar sem devolver os valores. Mas também há posicionamentos contrários”, diz. Para ele, a decisão não se restringe apenas à possibilidade de permitir o recálculo, mas envolve uma discussão ampla sobre o sistema previdenciário no país. “Se o Supremo delibera de forma favorável, vai incentivar que o Brasil faça uma reforma previdenciária mais abrangente. Desaposentação, em certa media, é uma forma de superar ausência de lei que discipline isso. Em outros países, já está previsto um recálculo automático do benefício para o aposentado”, conclui.
Direito comparado 
Legislação de outros países prevê prática:
Portugal
Apontado como o mais adequado, porque dá ao aposentado a chance de acompanhar o aumento recebido. Todos os anos, em 1º de janeiro, há acréscimo na aposentadoria, considerando a contribuição do ano anterior. Não há necessidade de renunciar à aposentadoria para obter outra, apenas há aumento do benefício.
Canadá
É permitido trabalhar após a aposentadoria, mas é necessário continuar contribuindo. Esse dinheiro é usado para recalcular o benefício.
EUA
Também permite o retorno ao trabalho, mas com o benefício reduzido. As contribuições realizadas durante esse período são somadas automaticamente ao novo cálculo do benefício final, quando o segurado deixar a atividade. Isso funciona independentemente de solicitação do aposentado.
Chile
No Chile, o sistema público é substituído por um sistema privado. O benefício é recalculado a partir do acúmulo de recursos na conta de capitalização individual do aposentado, que pode contribuir ao fundo de capitalização pelo tempo que desejar.
Espanha
Em regra, é vedado aos aposentados voltar ao trabalho. Mas é possível optar, neste caso, a um benefício parcial, que permite o retorno à atividade remunerada. O segurado fica com benefício reduzido, contribui com o sistema e, ao final do trabalho, obtém o benefício pleno, considerando a contribuição no período. As regras de flexibilização da aposentadoria foram criadas pela Lei nº 35 de 12 de julho de 2002.
Fonte: “Desaposentação: o caminho para uma melhor aposentadoria”, de Fábio Zambitte.
Debate 
Posições contrárias não têm fundamento técnico, dizem juristas
Em 2010, em um artigo publicado na Revista de Direito Previdenciário, o advogado Fábio Zambitte trouxe novas discussões. Uma das justificativas dadas pelos contrários à revisão do benefício trata de um possível desequilíbrio financeiro que a prática, tornando-se corriqueira, poderia causar ao sistema a longo prazo. Zambitte considera o argumento inválido. “O modelo ainda está no azul. Mas ele está mudado, a expectativa de vida aumentou. É preciso adequar o sistema às mudanças demográficas.”
Outro argumento é o decreto 3.048/99, que impossibilitaria a renúncia do benefício: “As aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial concedidas pela previdência social, na forma deste Regulamento, são irreversíveis e irrenunciáveis”, diz o texto.
Nesse caso, há duas interpretações. A advogada Daiana Allessi entende que uma das teses que derruba o decreto diz respeito à natureza da prática. “Não se trata de renúncia, e sim de uma revisão previdenciária.” Já a vice-presidente do Instituto Nacional de Direito Previdenciário (INDP), Adriane Bramante, destaca a falta de amparo em lei. “A lei em nenhum momento proíbe a pessoa de se desaposentar. O decreto tem que executar o que a lei determina, não pode inovar.”
Zambitte aponta ainda a possibilidade de que a aprovação da prática dê início a uma onda de pedidos seguidos de desaposentadoria, para revisão frequente dos valores. Para ele, seria recomendável que a decisão do STF venha acompanhada de alguns critérios que regulamentem a prática. “Minha sugestão é que, quando o STF reconhecer a validade, estabeleça um tempo mínimo de contribuição”, diz.

Fonte: Gazeta do Povo Online (08/12/2012)

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