terça-feira, 5 de novembro de 2013

Fundos de Pensão: Responsabilidade objetiva e presumida dos Dirigentes de EFPC's

A Lei Complementar nº 109, de 2001, tratou da responsabilidade dos dirigentes de Fundos de Pensão em artigos distintos. No artigo 63 cuidou da responsabilidade civil “pelos danos ou prejuízos” causados pelos administradores à EFPC. No artigo 64 tratou da necessidade de comunicação ao Ministério Público em caso de verificação de indícios de crime. Por fim, em seu artigo 65, estabeleceu a responsabilidade administrativa por infração a “qualquer disposição desta Lei Complementar ou de seu regulamento”. 

A regra geral para a configuração de responsabilidade civil encontra-se no artigo 186 do Código Civil, segundo o qual “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar o direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” Da prática do ato ilícito exsurge o dever de reparar (art. 927, CC). 

Ao exigir voluntariedade (dolo), negligência ou imprudência (culpa), estabeleceu o Código Civil que a regra é a responsabilidade subjetiva. A responsabilidade independente de culpa, também chamada de responsabilidade objetiva, restringe-se a situações excepcionais, normalmente especificadas em lei (art. 927, parágrafo único, CC), o que não se verifica no caso da legislação de previdência complementar fechada. 

Depende igualmente de previsão legal a presunção de responsabilidade (art. 334, inciso IV, CPC). A presunção relativa tem como finalidade inverter o ônus da prova, transferindo para o responsável o ônus de comprovar a ausência de culpa ou dolo ou a não ocorrência dos fatos afirmados pelo autor da ação. A presunção absoluta não admite prova em contrário, aproximando-se do conceito de responsabilidade objetiva. Não há previsão de presunção absoluta ou relativana LC nº 109/2001. 

Para o Direito Penal, por sua vez, a responsabilidade dependerá sempre da comprovação de dolo ou culpa (art. 18, Código Penal). Está totalmente afastada também a possibilidade de presunção de culpa, à luz do artigo 5º, inciso LVII, do Código Penal, que consagrou em nosso sistema o princípio da “presunção de inocência”. 

No âmbito do processo sancionador da previdência complementar fechada, a Câmara de Recursos de Previdência Complementar - CRPC firmou o entendimento de que não é possível a responsabilização administrativa sem a constatação de dolo ou culpa dos sujeitos.1 Afastou-se, assim, a possibilidade de responsabilidade objetiva por infração à legislação de previdência complementar fechada, em consonância com a jurisprudência dominante.2 

Não obstante, a PREVIC e a Câmara de Recursos da Previdência Complementar - CRPC já mantiveram autos de infração que tiveram por fundamento exclusivamente a competência de determinados cargos ou órgãos prevista em estatuto ou norma interna da entidade, mesmo sem qualquer prova de participação ou de conhecimento do dirigente sobre o ato praticado. 

Esse entendimento tem origem na Nota nº 100/2007, do extinto Departamento de Legislação e Normas da Secretaria de Previdência Complementar. Referida manifestação, apesar de afastar a possibilidade de responsabilidade objetiva no processo sancionador, sustenta que o artigo 35, §§ 5º e 6º, ao prever a figura do “responsável pelas aplicações”, acabou por estabelecer “inversão do ônus da prova em matéria de ilícitos na área de investimentos”. A isso atribuiu o nome de “responsabilidade subjetiva com culpa presumida”. 

Olvidou-se o parecerista, no entanto, que o artigo 35, § 6º, da LC nº 109/2001, que faz remissão ao § 5º, claramente trata apenas de responsabilidade civil (“pelos danos e prejuízos”). E, ainda que fiquemos adstritos a essa espécie de responsabilidade, parece-nos demasiado sustentar que uma norma que estipula o dever de informar a competência para o desempenho de certa atividade seja interpretada como uma presunção de dolo ou culpa. 

A partir dessa interpretação a PREVIC passou a aplicar penalidades administrativas não só contra o “responsável pela aplicação”, mas contra membros da Diretoria, do Conselho Deliberativo e contra qualquer um que tenha competência expressa em normas internas da EFPC para participar de determinado tipo de decisão. Desse modo, transformou-se em regra o que a Nota nº 100/2007 tratou como exceção. 

Em outros casos o simples registro em ata de participação em reunião tem justificado a lavratura de auto de infração. É o caso de alguns autos de infração por falta de observância dos limites para investimentos estabelecidos pela Resolução CMN nº 3.792/2009. Para a PREVIC pouco importa se existe área específica da EFPC responsável pelo controle dos limites, ou se determinada prestadora de serviço deixou de verificar o enquadramento legal, embora prevista a obrigação em contrato. Se o Conselho Deliberativo, por exemplo,participou em algum momento da decisão de investimento, é ele integralmente responsável por qualquer desvio que possa ocorrer naexecução. 

Com isso, transfere-se para os dirigentes o ônus de comprovar que foram adotadas todas as cautelas necessárias para que a infração não ocorresse. Para o órgão fiscalizador, bastaria simplesmente verificar as competências estabelecidas no estatuto ou em regimento interno, o registro de presença em ata de reunião, e estaria estabelecida a presunção de culpa ou dolo. 

Isso certamente facilita bastante o trabalho da PREVIC, que pode se esquivar de analisar todo o processo de decisão e estrutura de governança da EFPC, bem como o papel desempenhado por cada indivíduo naquela decisão específica. 
Vale registrar, entretanto, os dizeres de Alexandre Pinheiro, Fábio Medina e Julya Sotto3: 

“É a presunção de inocência o princípio basilar que garante a efetividade dos demais princípios constitucionais aqui referidos, eis que, sem a sua incidência plena, tais princípios transformar-se-iam em garantias meramente teóricas. 

Um dos efeitos mais importantes da presunção da inocência, também conhecido como estado jurídico de inocência, é o status dos acusados ou investigados em geral relativamente ao Estado e os seus reflexos no ônus probatório: a dúvida deve favorecer aos acusados e, portanto, cabe ao Estado provar os fatos constitutivos do jus puniendi, ainda que mediante legítima utilização de prova indiciária. 

A questão da dúvida é um problema que se resolve à luz das provas já produzidas, o que envolve, em última análise, uma questão de ônus probatório.”

Dessa forma, urge que se deixe de falar em “responsabilidade subjetiva com culpa presumida”. Os elementos usualmente utilizados pelo órgão fiscalizador não passam de indícios, a serem analisados de acordo com o conjunto probatório constante dos autos. Na dúvida, deve prevalecer sempre a presunção de inocência, única presunção realmente admitida no nosso processo sancionador pela Constituição Federal. 

1. Vide, por exemplo, as decisões proferidas pela CRPC nos processos nº 44190.000005/2009-64 (DOU de 06.06.12), nº 44000.000690/2009-19 (DOU de 16.03.12), nº 44000.001953/2008-26 (DOU de 08.02.12); nsº 44000.003471/2007-20 e 44000.003472/2007-74 (DOU de 04.11.11), bem como no processo nº 44000.000762/2007-66 e apensos (DOU de 08.09.11). 

2. Nesse sentido vale a leitura dos Acórdãos proferidos no REsp 1251697 e no REsp 981545. 

3. SANTOS, Alexandre Pinheiro dos; OSÓRIO, Fábio Medina; WELLISCH, Julya Sotto Mayor. Mercado de Capitais - Regime sancionador. São Paulo: Saraiva, 2012, PP. 76-77  
Fonte: AssPreviSite (05/11/2013) 

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