segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Aposentadoria: É necessário planejar antes de decidir-se. Empresas e governo não cumprem suas obrigações de preparar empregados e servidores com PPA

Sem planejamento, parar é mais difícil 

Quais são os seus planos para a aposentadoria? Abrir o próprio negócio, continuar trabalhando como empregado ou simplesmente usar o tempo livre para descansar e se divertir? Independentemente da resposta, tenha uma certeza: dificilmente se está preparado para a hora de parar. 
A preocupação com isso não deveria ser só sua. Poucas pessoas conhecem os Programas de Preparação para Aposentadoria (PPA), previstos pelo Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03) e pela lei que trata dos servidores públicos (8.112/90). O setor público e empresas devem oferecer esses programas, o que não ocorre de forma ampla e satisfatória. 
Com a falta de auxílio, mesmo quem desfruta de uma vida satisfatória na aposentadoria lamenta não ter feito escolhas adequadas no passado por falta de informações. Ilarino Rocha Macedo, 68 anos, por exemplo, tem uma rotina de fazer inveja em muita gente mais jovem. Casado, com dois filhos, ele caminha 6km em 50 minutos, faz uma hora diária de academia, joga futebol três vezes por semana. Ainda tem tempo para buscar seus direitos e auxiliar outras pessoas. Cada vez que um prestador de serviço descumpre o Código de Defesa do Consumidor (CDC), ele entra com um processo. 

Pressão dos gastos 
Com tantas atividades, quem conhece Ilarino imagina que ele tem a vida que esperava ao se aposentar. Mas ele ressalva que gostaria de manter uma atividade produtiva. O benefício mensal que recebe, de R$ 2 mil, é insuficiente para todas as necessidades de gastos. "Nas empresas privadas onde trabalhei, nunca tive orientação para abrir um negócio depois de sair do mercado de trabalho. Hoje sinto falta disso", lamenta. 
Tão ativa quanto Ilarino, aos 89 anos, Maria Silva dedica-se a cozinhar, fazer compras e se divertir com os cinco filhos, oito netos e dois bisnetos. Com renda mensal de R$ 7 mil, ela chegou a Brasília em 1961 para assumir o cargo de chefe de secretaria do Ministério de Minas e Energia. "Parei de trabalhar e mergulhei no que gosto. Vivo a vida. Tenho pavor desse negócio de depressão e desânimo", conta, orgulhosa. 
Mas nem sempre é assim. Muitas vezes, profissionais que se aposentam, sem nada para fazer, perdem as expectativas e a motivação. Aí vêm a depressão, a tristeza, o pessimismo e a perda geral de interesse pela vida. Alguns viram um peso para a família. São jogados de uma casa para outra. Se não têm plano de aposentadoria complementar, o salário cai, e a qualidade de vida despenca. 
Maria Santana, 63, foi servente de limpeza e cabeleireira. Aos 55 anos, aposentou-se por invalidez, após ser diagnosticada com fibromialgia - doença que se caracteriza por dor crônica em vários pontos do corpo, especialmente nos tendões e nas articulações. A renda mensal de um salário mínimo acaba por ser toda destinada à compra de remédios. "Eu vivia nos forrós. Fui uma pessoa muito ativa. Hoje, não tenho ânimo nem para ir à igreja. O governo não ajuda. Não me deu sequer o passe livre. Uma médica chegou a me dizer que eu só conseguiria o benefício nessa idade se eu perdesse um braço", queixa-se Maria. 
Essas frustrações acontecem, segundo Eline Rasera, psicóloga e professora da pós-graduação em administração de empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV), porque o governo e os empresários não dão a devida atenção aos PPAs. 
Poucas companhias têm programas desse tipo. E, quando eles existem, são dedicados apenas aos executivos que estão a cerca de cinco anos de se aposentar. A indicação de Chris Farrel, autor do livro Unretirement (Editora Bloomsbury), é que cada um invista em si e descubra habilidades escondidas. Esse dinheiro, por menor que seja, fará com que a renda seja superior ao que receberia se dependesse só da Previdência. Farrel defende a tese de que, se as escolhas forem realistas, vão contribuir até para equilibrar o rombo da Previdência. E os empregadores só terão a ganhar com a permanência de trabalhadores experientes. 
Os PPAs, segundo Bastos Junior, da Consultoria Razão Humana, ensinam os mais velhos a conviver com o tempo vago, perda do cargo de mando e afastamento dos bastidores do poder. "Eles são conscientizados a usar com sabedoria e sucesso sua produção intelectual. Filhos e esposas participam dos cursos", explica. "As estatísticas apontam que 35% a 40% dos executivos que não têm o PPA correm o risco de enveredar por problemas familiares decorrentes de depressão e alcoolismo. Quando eles incorporam um planejamento de vida saudável, muitos são até convidados para os conselhos das empresas onde trabalhavam", reforçou Bastos Junior.

Públicos distintos 
Esse público de executivos em fim de carreira ganha acima de 15 salários mínimos e, em geral, construiu um bom plano de aposentadoria. Com renda abaixo disso, a preparação para o PPA é diferente. Começa com um levantamento dos bens e corte de custos. "Não existe milagre", detalhou a consultora Helena Ribeiro, fundadora da Razão Humana. A primeira providência é cortar o cordão umbilical com os filhos e estabelecer metas pessoais. "Um cliente comprava, todos os dias, um ou dois pães de queijo para o filho, a R$ 4,50. Gastava cerca de R$ 200 por mês. Foi a primeira coisa a ser repensada. Tem gente que não acredita, mas é preciso contar moedinhas", afirma. Após se adaptar à renda mensal, o segundo passo é, se possível, abrir o próprio negócio ou participar de projetos de entretenimento e lazer. 
Livrar-se da culpa e entender a importância do controle financeiro faz parte do treinamento. "A mulher de um cliente tinha câncer. Ela era extremamente consumista e ninguém ousava contestá-la. Partia-se do princípio de que viveria pouco e por isso todas as vontades tinham que ser satisfeitas. Mostramos que as dívida sobreviveriam à morte", diz Helena, ao destacar que as empresas onde há PPA acabam retendo os bons funcionários, independentemente da idade. "No desespero, alguns mais maduros abandonavam empregos para pegar o Fundo de Garantia (FGTS) e pagar dívidas. Isso deixou de acontecer após os cursos do PPA", garantiu Helena.

Baixa renda exige apoio 
Para a população de baixa renda, os projetos públicos de apoio são ainda mais importantes na idade madura. No entender da psicóloga Lucia França, professora de pós-graduação da Universidade Salgado de Oliveira (Universo), os futuros aposentados têm que discutir seus projetos de vida com a família. "Deve ser conversado que o papai e a mamãe não são super-homem ou mulher-maravilha e que seus filhinhos, muitos de mais de 30 anos e com dependentes, que não pagam sequer uma conta de luz, precisam contribuir com as despesas e as tarefas da casa", ironizou Lucia. Esse tipo de conversa vale para qualquer pessoa, mas é essencial para quem ganha pouco. 
O esquema de vida dessa parcela da população pode incluir uma nova ocupação remunerada, preferencialmente em horário reduzido, além de atividades culturais, comunitárias, relacionamentos sociais, familiares, afetivos e talvez o voluntariado, aconselhou a psicóloga. 
Tudo isso seria muito mais fácil se os PPAs estivessem em vigor. Embora já sejam obrigatórios, eles fazem parte da pauta de reivindicação de várias categorias. Mas, quando consultados sobre a existência desse sistema nos locais onde trabalham, vários servidores apenas riram da pergunta. De acordo com o Ministério do Planejamento, a ações para os idosos ocorrem de forma pulverizada. Há cursos a distância, em parcerias com universidades federais, para gestores de Recursos Humanos. Apenas 350 pessoas participam. 

Tramita na Câmara o Projeto de Lei 5850/13, do deputado Policarpo (PT-DF), que reforça a obrigatoriedade dos PPAs em órgãos públicos e empresas privadas. Além disso, obriga construtoras a destinarem 3% das unidades em conjuntos habitacionais à população idosa. A proposta está na Comissão de Desenvolvimento Econômico. Se aprovada na Camará, será submetida ao Senado. 

Benefício 
Famílias com renda mensal per capita igual ou inferior a um salário mínimo podem receber auxílio financeiro para ajudar nos cuidados dos idosos e pessoas com deficiência. O Benefício de Prestação Continuada (BPC) assegura um salário mínimo mensal. 
Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) até 1º de setembro de 2014, 1,8 milhão de idosos e 2,2 milhões de pessoas com deficiência receberam o BPC. Em 2013, o governo federal investiu R$ 31,4 bilhões no benefício. Para receber o BPC, é necessária a comprovação da idade, da renda e do impedimento (quando pessoa com deficiência). O BPC deve ser solicitado em uma agência do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). 
Fonte: Correio Braziliense (21/09/2014)

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