quinta-feira, 16 de julho de 2015

Fundos de Pensão: A desconstitucionalização da previdência complementar está vindo em conta gotas e é necessário reagir



ANAPAR | Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão
15 de julho de 2015Boletim Anapar Nº 534
A desconstitucionalização da previdência complementar
Por Ricardo Só de Castro, Escritório de Direito Social

A previdência complementar privada passou a integrar o texto constitucional a partir da nova redação do artigo 202 conferida pela Emenda Constitucional nº 20, de dezembro de 1998. Não por acaso esse regime previdenciário foi alocado na Seção III, DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, do Capítulo II, DA SEGURIDADE SOCIAL, que por sua vez integra o Título VIII, DA ORDEM SOCIAL. Inserido na Constituição desta forma passou a partilhar com o Regime Geral e Regimes Próprios da previdência pública, espaço no sistema de proteção social constitucional.

Este fato evidencia e determina o tratamento jurídico que há de ser dado aos direitos dessa natureza. Tratam-se de direitos fundamentais indisponíveis à vontade particular de seus protagonistas. Embora de caráter facultativo, o contrato de previdência complementar privada uma vez aperfeiçoado, recebe a proteção de normas de ordem pública que proíbem o abuso de direito por seus contratantes, ainda que de natureza privada sejam.

A Constituição Federal afirma que a previdência complementar é baseada na constituição de reservas que garantam o benefício contratado. O patrimônio deste segmento, portanto, possui destinação carimbada pela norma constitucional. A Lei Complementar nº 109, de maio de 2001, ao regulamentar o art. 202, da Constituição Federal, estabeleceu que é dever do Estado proteger os interesses dos participantes da previdência complementar privada. O órgão regulador, Conselho Nacional de Previdência Complementar - CNPC, entretanto, vem editando sucessivas resoluções administrativas que estão fragilizando as garantias constitucionais dos participantes e assistidos das entidades fechadas de previdência complementar privada.

Primeiro veio a regulamentação da distribuição do superávit (Resolução CGPC nº 26/2008), criando a figura da 'reversão de valores', não prevista em lei, e que autoriza a empresa patrocinadora a expropriar do patrimônio garantidor da previdência complementar de seus empregados, parte do excedente atuarial momentaneamente existente no plano, desconsiderando a destinação específica das reservas definida na Constituição Federal. No mesmo sentido, desta vez sob o fundamento da facultatividade que caracteriza a previdência complementar privada, editou outra resolução autorizando a denominada 'retirada de patrocínio' unilateral e imotivada pela empresa patrocinadora. Significa que a empresa patrocinadora está autorizada a romper, unilateral e imotivadamente, a relação previdenciária contratada e abandonar os participantes ativos e os assistidos à própria sorte, sem qualquer direito à indenização pelos danos e prejuízos causados pela rescisão do contrato. Um terceiro exemplo, nesta mesma linha, é a interpretação do órgão fiscalizador - Superintendência Nacional de Previdência Complementar - PREVIC - quanto à Resolução do CMN nº 3.792/09 que, segundo aquele órgão, impõe a certificação de capacitação técnica para os dirigentes dos fundos de pensão, por meio de cursos não impostos nem pela Constituição Federal tampouco pela Lei complementar 109/01.

Impende mencionar, todavia, que a competência do CMN restringe-se a regulamentar a aplicação dos investimentos do fundo e assim auxiliar na fiscalização quanto à integridade dos recursos garantidores das reservas técnicas. Não é de sua competência estipular requisitos formais para inserção dos membros nos órgãos estatutários dos fundos de pensão. A interpretação dispensada pelos órgãos da administração pública vem a privilegiar justamente os membros representantes do patrocinador e dificultar o acesso dos participantes aos colegiados, que muitas vezes não possuem condição financeira para suportar o custo dos cursos exigidos como requisito prévio à inserção na administração dos fundos de pensão.

O contexto do sistema indica que estamos diante da desconstrução das entidades fechadas de previdência complementar privada pela efetivação de uma estratégia político-jurídica implementada pela Secretaria de Política da Previdência Social - SPPC, juntamente com o órgão regulador - CNPC, e com o órgão fiscalizador, a PREVIC, de desconstitucionalizar os direitos previdenciários do regime da previdência complementar privado, como se esses não se caracterizassem como direitos fundamentais.

Por essas razões, entendemos essencial chamar-se a atenção para esta conduta do Poder Executivo que, por meio de resoluções e decisões administrativas, tende a abolir o sistema fechado de previdência complementar, sem fins lucrativos, em favor do sistema aberto de previdência complementar que propicia um lucro maior às seguradoras, aos bancos e ao sistema financeiro em geral. Frente as afrontas a Constituição Federal, já se posicionou o STF, pela ADI 4644/DF, no sentido de que não cabe ação direta de inconstitucionalidade frente as normas infralegais emanadas do Poder Executivo, que acaba por "legislar" sobre a previdência complementar além do seu limite.

No entanto, entende a suprema corte que o controle de constitucionalidade deve ser manifestado de forma incidental, no caso concreto. Assim, concluímos por reforçar a ideia de que a melhor forma de proteger os direitos dos participantes do sistema de previdência complementar executado pelas entidades fechadas de previdência complementar é a efetiva aplicação direta do texto constitucional no caso concreto, seja no âmbito administrativo, seja no âmbito do Poder Judiciário, de modo a exigir dos agentes públicos que observem à Constituição Federal e todos os princípios de proteção social nela inseridos.
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