quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

TIC: A privatização do Sistema Telebrás e as demandas por complementação de ações na nova Súmula 551 do STJ


Não é possível incluir os juros sobre capital próprio ou dividendos no cumprimento da sentença condenatória à complementação de ações sem que tenha havido previsão no título executivo.


Resumo: Nosso artigo tem por objetivo esclarecer o comando da Súmula 551 do STJ, publicada em outubro de 2015 com a seguinte redação: “Nas demandas por complementação de ações de empresas de telefonia, admite-se a condenação ao pagamento de dividendos e juros sobre capital próprio independentemente de pedido expresso. No entanto, somente quando previstos no título executivo, poderão ser objeto de cumprimento de sentença”.  

1. A PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA TELEBRÁS

A Telebrás (Telecomunicações Brasileiras S.A.) foi criada em 1972, por meio da Lei 5.792, como uma iniciativa do Governo Federal brasileiro em gerir o setor de telecomunicações do país. O Sistema Telebrás era um monopólio telefônico estatal composto por uma empresa holding (a Telebrás), constituída por 27 (vinte e sete) operadoras estaduais.

Entretanto, o serviço de telecomunicações no Brasil sob o monopólio estatal era caro e ineficiente. Para a instalação de um telefone fixo na década de 1980, por exemplo, era preciso entrar numa lista de espera de dois a cinco anos.  Com o agravamento da crise na década de 1990, aumentavam os debates a respeito da reforma do aparelho estatal e do sistema de exploração das telecomunicações.

Em 1995 o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, elaborado pelo Ministério de Reforma do Estado, buscava redefinição do papel do Estado na economia, por meio da redução de seu escopo de ação, tendo em vista que já não se conseguia “atender com eficiência a sobrecarga de demandas a ele dirigidas, sobretudo na área social”. Segundo o documento, “o Estado, deixaria de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse desenvolvimento”.[1] Em outras palavras, pretendia-se que o Estado deixasse de atuar diretamente no desenvolvimento econômico-social a fim de fortalecer sua atuação indireta, como agente normativo e regulador da atividade econômica. De acordo com o documento, “reformar o Estado significa transferir para o setor privado as atividades que podem ser controladas pelo mercado. Daí a generalização dos processos de privatização de empresas estatais”.[2]

Com efeito, em 15 de agosto de 1995 foi editada a Emenda Constitucional nº 8, que alterou os incisos XI e XII do artigo 21 da CF/88, passando a permitir a exploração dos serviços de telecomunicações por empresas privadas, prevendo também a criação de um órgão regulador para organizar o setor. Confira:

CF/88. Art. 21. Compete à União: (...) XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 8, de 15/08/95)

Com fundamento nas alterações promovidas pela Emenda Constitucional nº 8, foi então realizada a privatização Sistema Telebrás por meio de leilão no dia 29 de julho de 1988 na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Foi a maior privatização já ocorrida no Brasil, arrecadando R$ 22,058 bilhões pelos 20% das ações em poder do governo na época.  Após o processo de privatização da Telebrás, foram feitos investimentos da ordem de 100 bilhões de reais pelo setor privado, que modernizou e universalizou a posse de uma linha telefônica fixa ou celular. 

2. O CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA 

Quando o sistema de telefonia Telebrás estava em vigor, não havia recursos públicos suficientes para a implementação e expansão das redes de telefonia fixa.  Então, as empresas de telefonia captavam recursos dos próprios usuários do serviço para financiar a ampliação da rede de telefonia. Essa captação se dava por meio dos contratos firmados com as empresas de telefonia (contratos de adesão), onde usuários se comprometiam a pagar um valor a título de participação financeira. Este instrumento contratual firmado entre as partes denominava-se Contrato de Participação Financeira.


Por meio da adesão, o usuário adquiria o direito ao uso de uma linha telefônico e também o direito de receber um determinado número de ações da companhia telefônica. Assim, ao adquirir o direito ao uso de uma linha, o consumidor se tornava também acionista da companhia.

As integralizações das participações financeiras eram feitas à vista ou por financiamento bancário. Dessa forma, as empresas de telefonia sempre recebiam na data do contrato a participação financeira dos usuários. Entretanto, o aderente não recebia suas ações no momento da integralização da sua participação e sim numa data escolhida unilateralmente pela empresa telefônica.

Além disso, o cálculo do número de ações a que cada usuário teria direito era feito pelas companhias de forma indevida, com base em um valor patrimonial da ação (VPA) futuro, isto é, calculado após a integralização financeira, em afronta ao art. 170 da Lei n. 6.404/76. Em suma: as companhias telefônicas entregavam as ações aos usuários com anos de atraso e, muitas vezes, em quantidade inferior à devida. 

3. AS DEMANDAS POR COMPLEMENTAÇÃO DE AÇÕES DE EMPRESAS DE TELEFONIA

Muitos usuários que pagaram pela aquisição do direito ao uso de linha telefônica e receberam menos ações do seria devido, buscaram seu direito à indenização por meio de “demandas por complementação de ações de empresas de telefonia”.

Ocorre que, ao receber menor quantidade de ações do que o devido, significa também auferir menos dividendos e juros sobre o capital próprio (JCP) do que era devido. Na definição do ilustre Ministro Antônio Carlos Ferreira: [3]

“Os dividendos decorrem do lucro apurado pela sociedade empresária no período de um ano, cuja parcela é, conforme o caso, distribuída a seus sócios e os juros sobre capital próprio consistem no pagamento de uma remuneração aos acionistas a título de retribuição pelo investimento, calculados sobre as contas do patrimônio líquido da pessoa jurídica”.

Surgiu então a seguinte indagação: juros sobre o capital próprio (JCP) podem ser cumulados com os dividendos?

O STJ fixou o entendimento de que é possível o pagamento cumulado dos juros sobre capital próprio com dividendos, pois ambos decorrem do direito à subscrição de ações, devendo ser pagos nas mesmas condições e exercícios a que têm direito os acionistas. Veja-se que os juros sobre capital próprio JCP constituem parcela do lucro distribuído aos acionistas (a par dos dividendos). Apenas por ficção jurídica, a lei tributária passou a considerar que os JCP tem natureza de juros.

Conforme explicou o ilustre Ministro Paulo de Tarso Sanseverino:

“Efetivamente, a cumulação de dividendos e JCP não configura bis in idem, pois os dois institutos embora tenham a natureza jurídica semelhante do ponto de vista societário, não são idênticos, incidindo cada uma sobre parcelas distintas dos lucros a serem distribuídos aos acionistas”.

A segunda indagação a respeito da matéria foi a seguinte: seria possível incluir os JCP e os dividendos na condenação nas hipóteses em que não houve pedido expresso na inicial? A resposta é positiva. De acordo com a jurisprudência do STJ, essas verbas podem incidir inclusive nas hipóteses em que não houve pedido expresso do autor, pois são decorrentes do direito de subscrição complementar das ações. Vale dizer: na demanda de complementação de ações, mesmo sem pedido expresso, o juiz pode condenar a companhia a pagar a diferença de dividendos e de juros sobre capital (JCP).[4]

Imagine agora a seguinte situação: o autor ajuizou uma demanda por complementação de ações em face da empresa de telefonia sem pedir expressamente o pagamento de juros sobre capital próprio e dividendos. O juiz então julga procedente o pedido para a complementação das ações, sem condenar a companhia telefônica a pagar juros sobre capital próprio e dividendos. Esta decisão judicial transita em julgado e o autor ingressa então com pedido de cumprimento de sentença. Na fase de cumprimento, pode o exequente pedir que seja incluída na condenação o pagamento de juros sobre capital próprio com dividendos sob o argumento de seriam pedidos implícitos? Numa palavra: seria possível a inclusão dos juros sobre capital próprio no cumprimento de sentença sem previsão expressa no título executivo?

Em respeito ao Princípio da imutabilidade da coisa julgada, que tem sede constitucional, o STJ nega a possibilidade de execução dos juros sobre capital próprio ou os dividendos sem expressa previsão no título executivo. Vale dizer: não é possível incluir os juros sobre capital próprio ou dividendos no cumprimento da sentença condenatória à complementação de ações sem que tenha havido previsão no título executivo. Tais verbas somente podem ser cobradas no cumprimento de sentença se tiverem sido previstas na sentença condenatória.

CONCLUSÃO

 Em relação às demandas por complementação de ações, o STJ fixou os seguintes entendimentos:

É possível a cumulação JPC e dividendos. Não há bis in idem, pois os dois institutos embora tenham a natureza jurídica semelhante do ponto de vista societário, não são idênticos, incidindo cada uma sobre parcelas distintas dos lucros a serem distribuídos aos acionistas.
É possível incluir os JPC e os dividendos na condenação nas hipóteses em que não houve pedido expresso na inicial. Vale dizer: o juiz pode condenar a companhia a pagar tais verbas, pois decorrem do direito à subscrição de ações.
Não é possível incluir JPC ou dividendos no cumprimento da sentença condenatória à complementação de ações sem que tenha havido previsão no título executivo. Em respeito ao Princípio da imutabilidade da coisa julgada, tais verbas somente podem ser cobradas no cumprimento de sentença se tiverem sido previstas na sentença condenatória. 

NOTAS

[1] Cf. BRASIL, Presidência da República (F.H. Cardoso). Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília: Presidência da República, Câmara da Reforma do Estado. Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1995, p. 10.

[2] Ibidem, p. 12.

[3] Cf. STJ - AgRg no AREsp 104647 RS, Rel. Min. ANTONIO CARLOS FERREIRA, 4ª Turma,  DJe 02/05/2012.

[4] Cf., sobre o tema: STJ - REsp 1373438 RS, Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, 2ª Seção, DJe 17/06/2014

Leia mais: neste link.

Fonte: Alice Saldanha Villar e site Jus Navegandi (dez/2015)

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