quarta-feira, 29 de junho de 2016

Comportamento: O eterno herói e o ex menino que virou diretor do Postalis e foi preso pela PF, suspeito de fraudes no fundo de pensão


O ex-diretor da Postalis, fundo de pensão dos funcionários dos Correios, Adilson Florêncio da Costa, ganha destaque nos jornais pela segunda vez em sua vida. Na semana passada, ele foi um dos presos pela Operação Recomeço da Polícia Federal, que apura possíveis fraudes em fundos de pensão. Além do Postalis estão sendo investigados diretores e ex-dirigentes do Petros, dos funcionários da Petrobras. Foram presos de uma só vez sete suspeitos no Rio, Brasília e São Paulo. As pessoas presas podem estar envolvidas em um esquema que desviou R$ 90 milhões dos fundos. 
  
Há 39 anos, no dia 27 de agosto de 1977, Adilson, então um menino de 13 anos que vivia em Brasília, foi personagem de uma tragédia que causou comoção nacional. Ele era a criança que depois de se equilibrar sobre a grade do fosso das ariranhas no Zoológico de Brasília, acabou caindo dentro do recinto. A ariranha é um mamífero típico da fauna brasileira e conhecida pela sua agressividade quando sente que existe ameaça aos filhotes ou invasão ao seu território. Ao ver o burburinho em torno do recinto daqueles animais, o sargento Sílvio Delmar Holenbach, que escolheu o zoo para passear com a mulher e seus quatro filhos como forma de comemorar o fato de ter concluído a faculdade de agronomia, não teve dúvidas e partiu em auxílio ao adolescente. Pulou no fosso, conseguiu salvar o menino mas recebeu sérios ferimentos e não resistiu à infecção generalizada causada por pelo menos cem mordidas dos animais. Morreu dias depois no Hospital das Forças Armadas. O sargento Sílvio Holenbach foi tratado como herói. O Zoológico de Brasília e o auditório do Hospital das Forças Armadas levam o seu nome. 
  
A família do sargento nunca ouviu um agradecimento do rapaz salvo do fosso das ariranhas. O filho mais velho do militar, o otorrinolaringologista Sílvio Delmar Holenbach Júnior, que tinha 7 anos de idade na época da tragédia, entrevistado dias atrás por conta da prisão do ex-diretor da Postalis, diz que não há mágoa na família por conta dessa atitude e que não há necessidade de agradecimento. O médico tem certeza de que, independente de ter sido o Adilson ou quem quer que fosse, ou independente do que viesse a acontecer depois, seu pai faria a mesma coisa. 
  
O heroísmo é um dos poucos valores humanos que não precisamos pôr à prova. Ele é a prova. Prova de amor à humanidade, de desapego e altruísmo. Esse sargento praticou um ato redentor, que fala acima de todos os discursos, promessas e ideologias. É invejável a capacidade de quem é capaz de uma ação de tal forma grandiloquente, que torna inúteis as palavras para descrevê-la. 
  
O ato de heroísmo do sargento Sílvio Holenbach, além da consternação pela sua morte, criou à época uma crise política. O jornalista Lourenço Diaféria, cronista da Folha de S. Paulo, escreveu um texto emocionado que foi publicado no dia 1º de setembro de 1977 em que exaltava a coragem do militar e o comparava à estátua de Caxias localizada nas proximidades do jornal. Em determinado trecho, dizia que a estátua "... onde reúnem-se ciganos e as pombas do entardecer, oxidou-se no coração do povo. O povo está cansado de espadas e cavalos". Diaféria foi preso, processado e enquadrado na Lei de Segurança Nacional por supostamente ter ridicularizado o patrono do Exército. Sua coluna saiu em branco durante várias edições em repúdio à sua prisão e o general Hugo Abreu, ministro-chefe da Casa Militar do governo Ernesto Geisel, ameaçou por telefone o publisher da Folha, Octávio Frias de Oliveira, de fechar o jornal caso persistissem as críticas ao governo e a coluna continuasse a ser publicada em branco. O jornal cedeu. Diaféria foi julgado inocente em 1980. 
  
Adilson Florêncio da Costa hoje é suspeito de estar envolvido com uma tramoia das grandes. Vários fundos de pensão das empresas estatais praticamente faliram depois de administrações temerárias e péssimos investimentos nos últimos anos. Se provar sua inocência nesse escândalo, será ao menos uma maneira de honrar o sangue derramado por ele num ato de heroísmo praticado quase quatro décadas atrás. 

Fonte: Jornal Cruzeiro do Sul de Sorocaba (29/06/2016)

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