quarta-feira, 17 de agosto de 2016

TIC: Oi, de supertele nacional a superendividada global


Escutas telefônicas, arapongas, manobras do governo, intriga internacional de investidores, brigas de sócios, escândalos e até prisão de ex-acionista são alguns dos elementos que compõem a história da operadora de telecomunicações que possui a segunda maior rede de telefonia fixa do mundo.
A Oi nasceu de forma controversa, passou por processos de fusão questionáveis e caminha para o desfecho de uma recuperação judicial que poderá resultar no encolhimento da operação.  

Sua trajetória mostra como um grupo de empresas nacionais com capital insuficiente até para pagar a outorga arrematou em leilão, em 1998, a estatal Tele Norte Leste por R$ 3,434 bilhões e persuadiu o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a entrar como sócio. O grupo conquistou o apoio dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (FHC), que garantiu o financiamento do banco de fomento, e Luiz Inácio Lula da Silva, que orquestrou a mudança da Lei Geral de Telecomunicações para permitir que a Telemar comprasse sua concorrente, a Brasil Telecom. Ao longo do tempo, houve inúmeras outras aquisições.  

Nas idas e vindas de acionistas do bloco de controle, a operadora acolheu tanto o capital comprometido com seu futuro quanto o especulativo. Do sonho de supertele nacional, fomentado pelo governo, a Oi transformou-se em superendividada internacional, negociando com 13 mil credores do Brasil e de outros países um débito de R$ 65 bilhões.  

Luiz Carlos Mendonça de Barros passou pelo 'olho do furacão'. Ele foi presidente do BNDES, ministro das Comunicações e diretor do Banco Central. Era ministro do governo FHC, em 1998, quando estourou o escândalo do grampo do BNDES. A denúncia era que a Agência Brasileira de Inteligência havia gravado conversas da cúpula do banco pouco antes da privatização das empresas do Sistema Telebras. As conversas indicavam favorecimento do consórcio liderado pelo Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas, com participação da Previ- Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil.  

As gravações mostravam FHC e as cúpulas do BNDES e do Banco do Brasil falando sobre favorecer o consórcio Brasil Telecom na aquisição da Tele Norte Leste. Além de Mendonça de Barros, a divulgação das gravações derrubou André Lara Resende, presidente do BNDES; Ricardo Sérgio Oliveira, diretor do Banco do Brasil; e parte do comando da Previ. 

"Estamos no limite da nossa irresponsabilidade", disse Oliveira na gravação, ao se referir a uma carta de fiança altíssima (R$ 874 milhões) que dera ao consórcio, considerado inabilitado para a disputa. A frase ganhou fama.  

A empresa foi comprada pelo consórcio AG Telecom, depois renomeado Telemar, liderado pela Construtora Andrade Gutierrez. O BNDES Participações tinha uma parte da holding da companhia, a Telemar S.A. A Tele Norte Leste foi precursora da Oi.  

"O SNI [Serviço Nacional de Informações] gravou umas fitas que usou para nos desestabilizar", disse Mendonça de Barros. "Foi um escândalo." Nas fitas, ele se referia ao consórcio da Telemar como "telegangue". "Era no sentido de ética de negócios pouco recomendável", diz ele. Em sua opinião, o grande erro na construção do que viria a ser a Oi foi a empresa ter se concentrado na telefonia fixa quando a tecnologia foi substituída pelo celular. "Ficou capenga, talvez por não ter alguém com experiência no setor. Começou errado e não acerta mais."  

Ainda em dezembro de 1998, o ministro-relator do Tribunal de Contas da União, Antonio Barreto de Macedo, destacou, em documento enviado ao Congresso Nacional e ao Ministério Público, possíveis irregularidades na desestatização da Tele Norte Leste. Citou falta de critérios objetivos no edital do ministério e do BNDES para qualificação econômico-financeira dos participantes do consórcio. Para o ministro-relator, a falha era injustificável, já que o leilão fora realizado justamente para atrair capital por causa da necessidade de investimento no setor.  

"Essa lacuna acabou por dar margem à habilitação de um consórcio como o Telemar, desacreditado pelo mercado e que, segundo o ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros, não estava conseguindo sequer os recursos para o lance mínimo", escreveu o relator.  Segundo uma fonte ligada ao BNDES, o banco acabou entrando no negócio "para pôr em pé um consórcio que era mambembe". Era a única estatal que havia sobrado das três regiões de telefonia fixa, serviço que era deficiente e tinha demanda nacional na época.  

Das seis empresas do consórcio, três tinham vínculo com a administração pública federal (Brasil Veículos, Aliança do Brasil e Fiago Participações), respondendo por 29,9% do financiamento total da operação. As outras três, embora privadas, tomaram recursos no BNDES, que passou a responder por 25% do financiamento. Na prática, só 45,1% dos recursos que financiariam a operação tinham origem da iniciativa privada.  Por fim, Andrade Gutierrez e as demais empresas ficaram com 80,1% do consórcio, formando o chamado "núcleo duro", enquanto a BNDESPar entrou com 25%.  O relatório do TCU indicava também interferência em favor do consórcio Itália Telecom por parte de Mendonça de Barros, Lara Rezende e Castro Filho.  
A Telecom Italia, parceira das Organizações Globo, do Bradesco e do grupo Vicunha para disputar a Telesp, associou-se também ao Opportunity, em outro consórcio, que acabou arrematando o controle da Tele Centro Sul. Essa empresa, que depois tornou-se a Brasil Telecom, levou também a Telemig e a Amazônia Celular - ambas vendidas para a Vivo em 2007.  

Criados os alicerces que pavimentaram os caminhos da privatização das telecomunicações, começou a construção da Oi e TIM. O consórcio formado por Bitel Participações (empresa da Telecom Italia) e UGB Participações deu origem à TIM Brasil. Isso aconteceu depois de um processo que levou a empresa italiana a comprar a fatia da UGB, em 1998, além de outras aquisições nos anos seguintes. Nos últimos anos, os destinos de TIM e Oi estiveram prestes a se cruzar novamente, por meio de nova fusão.  Fersen Lambranho, presidente do conselho de administração da GP Investments, fez um aporte na Telemar em 1998. Formou-se um grupo de investimento na operadora. Na ocasião, havia um complicado cruzamento societário, pois o grupo tinha posição relevante na Telemar e na Tele Centro Sul. Com isso, os fundos de pensão ficaram impedidos de participar da gestão da Telemar. Havia uma série de conflitos societários. 

A gestão na Brasil Telecom era dominada por Dantas, que tinha conflitos explícitos com os fundos.  "Havia uma grande insatisfação no seio da Brasil Telecom, com o Citibank, Opportunity e Telecom Italia", lembra uma fonte ligada ao BNDES. Os italianos acabaram saindo da operação. Do lado da Telemar também havia grande desconforto entre os acionistas e o impedimento dos fundos. Segundo essa fonte, a fusão entre Telemar e Brasil Telecom foi vista como uma maneira de criar uma gestão que superasse os cruzamentos acionários e os conflitos, propiciando a saída do Opportunity, do Citybank e da GP, em 2008. Daí nasceu a Oi.  A Brasil Telecom era considerada cara e de baixo retorno. Adquirida por R$ 5,86 bilhões, foi assumida com seus passivos e dívidas. 

Muitos problemas não foram percebidos antes da aquisição, devido às restrições para acessar as informações da concorrente, além da pressa política. Um dos legados não percebidos foi o processo que os consumidores que investiram em planos de expansão ganharam na Justiça posteriormente, colocando R$ 3 bilhões em litígios na conta da Oi. A compra da Brasil Telecom teria favorecido só os acionistas que venderam suas posições, principalmente Dantas, que vendeu sua parte por R$ 2 bilhões.  Em capítulo recente, a Oi se uniu à Portugal Telecom, que escondeu um investimento de quase € 1 bilhão na holding Rioforte, do Grupo Espírito Santo. Com o calote da Rioforte, a Oi mergulhou no caos que culminou com seu pedido de recuperação financeira.

Fonte: Valor (17/08/2016)

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