sábado, 10 de fevereiro de 2018

Fundos de Pensão: Previc vai reformular modelo de fiscalização


Fabio Coelho, superintendente da Previc: queremos combater a governança de papel e reforçar as regras do setor

O dirigente da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), Fabio Coelho, afirmou em entrevista ao Valor que prepara, até o fim do semestre, mudanças nas regras dos fundos de pensão para fortalecer a governança dessas entidades. O foco é atuar nas regras de conflito de interesse na aprovação de investimentos, um dos temas que está em evidência depois de episódios recentes como a intervenção e as operações policiais envolvendo o Postalis, dos Correios.

“A regra de governança das fundações junto também do processo de investimento precisa de atualização”, afirmou Coelho, que é funcionário de carreira do Banco Central (BC) e, desde que assumiu interinamente o comando do órgão em março do ano passado, está trazendo um modelo de supervisão do setor muito semelhante ao praticado pela autoridade monetária. “Queremos combater a governança de papel”, salientou.

Ele afirmou que dentro desse processo também poderão ser revisados os limites de investimentos, como o de Fundos de Investimento em Participações (FIP), e defendeu que os fundos precisam fazer um trabalho de gestão para se adequar à nova realidade de juros baixos.

Sobre o Postalis, ele evitou entrar no mérito, mas defendeu a atuação da Previc, destacando que antes da intervenção a entidade sofreu várias punições. “A gente entende que o processo de intervenção no final das contas é feito obviamente para sanear, recuperar e garantir o pagamento, mas é a medida extrema na nossa caixa de ferramentas”, comentou. “A gente percorreu todas as etapas não só nesse caso mencionado como em todos os outros”, disse.

Leia a seguir a entrevista.

Valor: O que a Previc vai fazer de diferente na área de fiscalização dos fundos de pensão à luz do episódio Postalis e outros?

Fabio Henrique de Sousa Coelho:O nosso diagnóstico é que tínhamos muito permissiva por quase duas décadas. Isso acabou gerando um certo ‘gap’ regulatório. Chegou a necessidade de fechá-lo. Começamos no ano passado com o que a gente chamou de proporcionalidade. A gente separou os 17 maiores fundos e deu um nome a eles de entidades de importância sistêmica. A gente vê critérios objetivos como de porte. Três desses são fundos relacionados a servidores públicos federais.

Valor: Por que os fundos dos servidores estão sendo incluídos, se ainda são pequenos?

Coelho: Eles têm um potencial de crescimento muito rápido e já se dá em bases mais sólidas.

Valor: Que itens foram colocados no pilar da regulação?

Coelho: O primeiro deles foi a habilitação de dirigentes, que precisam cumprir requisitos, que regulamentamos no final do ano passado, como de reputação ilibada. Deixamos claro os critérios técnicos que serão exigidos. Nesses 17 maiores fundos, agora, o principal gestor de investimento também se submete a entrevista com a gente.

Valor: O que mais é feito?

Coelho: Nosso conselho editou em dezembro norma ainda não publicada sobre a necessidade de um comitê de auditoria para esses maiores fundos de pensão.

Valor: Está preparando mudança na regra de investimento?

Coelho: A Previc, junto com a secretária de Política Econômica do ministério da Fazenda, está desenhando um aperfeiçoamento das regras de investimentos. A partir do próximo ano, as auditorias independentes vão precisar também se manifestar sobre a qualidade da governança. Ela vai ter um relatório de escopo específico para quando for contratada. A norma já foi aprovada e falta a ser publicada para vigorar. Há previsão de adaptação das empresas de auditoria.

Valor: Como essa manifestação das auditorias ocorrerá?

Coelho: Eles farão uma avaliação do processo decisório da fundação para ver se tem controles adequados para seu porte, se as regras de compliance estão de acordo com sua relevância, se o nível de risco está sendo mitigado pelas instâncias. O último ponto da supervisão é que implantamos um comitê de estabilidade, no ano passado, nos moldes do que já acontece em outros supervisores do sistema financeiro.

Valor: Os fundos de pensão estão preparados para esse cenário de juros mais baixos?

Coelho: Tem fundo mais preparado para um cenário de juro baixo da economia, mas tem muita fundação que ainda não fez o dever de casa para ajustar o seu passivo a essa taxa de desconto que hoje se encontra na economia. Num cenário de redução de juros, eles são obrigados a ajustar a taxa para a realidade da economia brasileira ou buscar investimento com apetite de risco um pouco maior. Não por acaso, no início de dezembro, fizemos ajuste na regra de investimento no exterior para fundos de pensão, flexibilizando as regras com um nível de controle. Tem uma curva de aprendizado. Porque o lado extremo de tudo isso é as entidades fazerem investimentos com apetite de risco maior sem a devida preparação. Os FIPs tiveram uma série de problemas no mercado de fundos de pensão. Parte deles teve problemas efetivamente de fraudes, as entidades não sabiam fazer avaliações, deu origem a investigações como a Greenfield e agora a operação do MP recente Pausare, relacionada a investimentos desses fundos de private equity.

Valor: Foi um problema de expertise ou de má-fé?

Coelho Nós tivemos mesmo problema de falta de expertise interna para fazer essa avaliação e algumas situações podem ter sido aproveitadas por agentes de mercado com atuação não republicanas. E mesmo de certa forma os que foram feitos corretamente e com devida avaliação acabaram não performando.

Valor: Quantos demonstraram interesse em aplicar lá fora?

Coelho: Hoje o apetite de fundos de pensão para investir no exterior é muito baixo ainda. Com raríssimas exceções. A gente quer destravar potenciais dificuldades regulatórias quando as fundações precisem efetivamente fazer essa diversificação, elas não encontrem problemas. Essa era a demanda de alguns fundos. Ainda não era uma tendência, mas de maneira antecipada a gente achou importante fazer esse ajuste. Os outros ajustes nos demais instrumentos devem sair ainda no primeiro semestre.

Valor: Qual é a direção que vocês estão pensando?

Coelho: Estamos tentando aperfeiçoar um pouco o rito de governança dentro das fundações do processo decisório de investimento. Aperfeiçoar as regras de gestão de risco e algumas questões de conflito de interesse na aprovação de investimentos por conta dessas experiências recentes na seara de supervisão e fiscalização. Nós estamos mexendo em tudo.

Valor: Até os limites de investimentos poderão ser alterados?

Coelho: Eventualmente sim. Alguns produtos podem ser atualizados…

Valor: Como os FIPS?

Coelho: Sim. A gente continua entendendo que é um produto que tem tudo a ver com a natureza de longo prazo dos fundos.

Valor: O que precisa ser revisto nas regras de governança?

Coelho: O processo decisório dentro do fundo de pensão, as instâncias de aprovação, em especial a análise de risco. As fundações precisam ter um pouco mais de cautela e uma governança estabelecida. Essa resolução 3792 é de 2009 e a gente está enxergando a hora de colocar alguns pontos de aperfeiçoamento.

“A Previc, com a secretária de Política Econômica, está desenhando um aperfeiçoamento das regras de investimentos”

Valor: Mas concretamente o que será feito?

Coelho: Uma das questões é a necessidade de acompanhamento mais diligente sobre potenciais conflitos de interesse no processo decisório. Estamos falando de eventuais empresas ligadas, alguma parte interessada no processo de investimento que já teve relacionamento com a fundação, a gente quer deixar isso mais claro. Teve alguns episódios em que às vezes um ex-representante, que atuou dentro do fundo de pensão, chegou a constituir uma asset, que acabou tendo relacionamento comercial com fundo de pensão. São situações dessa natureza. Naquela regra de auditoria que mencionei, a gente coloca atribuição para eles regra que devem observar inclusive potenciais conflitos de interesse no fundo de pensão e devem apontar no relatório. A regra de governança devemos editar ainda no primeiro semestre. Além disso, tem o nosso processo sancionador. Foi objeto de discussão de outros supervisores. Já adianto que não tem acordo de leniência previsto para fundações. A gente está aperfeiçoando porque é antigo, é de 2003.

Valor: Vai endurecer penas?

Coelho: Certamente. No nosso entendimento, a dosimetria é muito baixa. Independentemente do dano causado, a gente só pode aplicar multa de R$ 40 mil, o que é totalmente aquém para inibir comportamentos perniciosos. É decreto. A gente está finalizando uma minuta.

Valor: Esse “ano da governança” é reflexo das investigações em curso e do desgaste da Previc?

Coelho: Hoje temos uma boca de jacaré regulatória que precisa ser fechada. E ao fechar isso, não dá para fazer de uma vez só. A gente diagnosticou que precisamos mexer na regulação e na supervisão e isso a gente precisa fazer um mea culpa da atuação do Estado. É comum que processo de fiscalização também seja aperfeiçoado. A Previc vai atuar de maneira preventiva, seja colocando controles adicionais, seja exigindo níveis de solvência diferenciados das instituições com mais rigor. A Previc vai se manifestar, entrando efetivamente com um caráter mais intrusivo.

Valor: Esse caráter intrusivo não pode acabar sendo inibidor da tomada de risco?

Coelho: O Estado não tutela decisões de investimento das fundações, ou seja, o que for colocado no portfólio é decisão sua. A possibilidade de fazer o feijão com a arroz do título público não é mais alternativa. Cabe aqui nosso cuidado para que ele tenha estrutura adequada de risco para fazer frente a essas necessidades, à natureza do risco dos produtos.

Valor: Com o episódio Paulo Rabello de Castro e Postalis, a questão das agências de rating está sendo revista?

Coelho: Muitas fundações baseavam seus investimentos em ratings preliminares, que não eram definitivos, que tinham uma nota com ressalvas. Muitas vezes o problema não é o produto das agências, mas como ele é consumido pelos fundos.

Valor: Mas faz sentido ter rating preliminar?

Coelho: Isso é um modus operandi da indústria de rating, você é chamada a se manifestar e precisa fazer essa ressalva. O processo decisório de como ele é consumido que precisa ser avaliado pelas fundações. Nos episódios em que teve problemas, ele era o único instrumento de análise.

Valor: É o caso do Postalis?

Coelho: Não vou comentar casos concretos, mas a gente teve alguns investimentos citados em operações recentes que se apoiavam nesse modus operandi. Hoje não existe menção de que investimentos devem se apoiar em relatório de rating. É uma tradição, uma análise acessória. Não é mandatório, é prática de mercado.

Valor: Mas essa relação vai ser alvo dessa revisão ampla?

Coelho: A gente chegou a fazer algumas discussões dessa natureza. O tema perpassou as discussões, mas ainda não há conclusão.

Valor: O senhor ser interino gera risco jurídico para as decisões tomadas, como a intervenção no Postalis?

Coelho: Nós seguimos bastante confortáveis com a segurança jurídica e tratamos estas questões como especulações e como parte do nosso processo de atuação punitiva.

Valor: Do ponto de vista agregado do setor, 2017 foi melhor?

Coelho: O ano de 2017 foi muito favorável para o mercado acionário e outros setores que começam a performar. A aceleração da atividade econômica prevista para 2018, inflação controlada, esses ajustes que as fundações estão fazendo colocam o ano de 2018 como melhor ano na década para os fundos de pensão. Os déficits possivelmente terão redução muito intensa ainda no primeiro semestre de 2018 por conta do fechamento do resultado de 2017, em especial pela retomada do mercado acionário e da atividade econômica.

Valor: O patamar de déficit está preocupante?

Coelho: Não existem problemas de solvência de curto prazo. No longo prazo, a qualidade da solvência vai depender da qualidade do equacionamento dos déficits.

Valor: A intervenção do Postalis era necessária?

Coelho: O processo de intervenção, no final das contas, é feito, obviamente, para sanear, recuperar e garantir o pagamento, mas é a medida extrema na nossa caixa de ferramentas. Antes da chegarmos a essa situação, tem uma série de outras ferramentas que a gente acaba aplicando, seja punitivo, nos autos de infração. Basta mencionar que o Postalis foi alvo do maior número de autos de infração aplicados pela Previc. A gente percorreu todas as etapas, não só nesse caso mencionado, com em todos os outros.

Valor: No caso da polêmica em relação ao BNY Mellon. Em relação ao banco, a Previc pode de alguma forma atuar?

Coelho: A gente não comenta caso concreto. Se a gente enxerga indícios de fraude ou de outra natureza, nossa obrigação legal é fazer a comunicação no Ministério Público e Polícia Federal.

Valor: O Postalis pode ser liquidado?

Coelho: Nós não enxergamos problemas de solvência, em casos isolados, e se eventualmente em alguns deles se materializarem, a Previc atuará de maneira enérgica.

Valor: Em que faixa ficou o déficit dos fundos em 2017?

Coelho: Acabamos divulgando um valor agregado que dava cerca de R$ 45 bilhões de déficit no terceiro trimestre de 2017. Possivelmente ficará abaixo de R$ 40 bilhões. Quem está puxando isso e já tem manifestações públicas é a Previ.

Fonte: Valor (09/02/2018)

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