sexta-feira, 29 de junho de 2018

Planos de Saúde: Cobrança de 40% de procedimentos médicos pode dobrar mensalidade de plano de saúde


Para Idec e Procon-SP, novas normas para franquia e coparticipação podem levar a endividamento do consumidor. Empresas dizem que mensalidades podem ser reduzidas

Atendimentos de urgência e emergência poderão ter coparticipação pela nova norma da ANS

A possibilidade de cobrança de 40% do valor dos procedimentos médicos dos usuários de planos de saúde preocupa as entidades de defesa do consumidor.
As novas regras para franquia e coparticipação da Agência Nacional Saúde Suplementar (ANS), publicadas hoje no Diário Oficial da União, limitam a cobrança extra ao valor da mensalidade. Ou seja, quem tem um plano individual com mensalidade de R$ 500 pode pagar por mês até o mesmo valor de franquia e coparticipação, o que pode resultar num pagamento mensal à operadora de mil reais.

Procedimentos sobre os quais não incidem coparticipação

Como funcionam os modelos de franquia e coparticipação nos planos de saúde

Para Paulo Miguel, diretor executivo do Procon-SP, a expansão do limite de coparticipação de 30% para 40% é absurda:

— Queria saber se a ANS fez alguma avaliação sobre a capacidade de reserva financeira dos usuários de planos de saúde para saber se eles têm condição de arcar com esses custos? Esse percentual é absurdo. O governo muda regras de cartão de crédito e cheque especial dizendo que quer diminuir o endividamento e empurra goela abaixo essas novas normas de plano de saúde que podem deixar o consumidor endividado de vez.

Segundo o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), não há justificativa técnica para um percentual de coparticipação de 40%.

— O dobro da mensalidade é muita coisa, mesmo com o limitador anual. A pessoa quando contrata um plano de saúde já escolhe um de mensalidade máxima que consegue pagar sem comprometer suas outras prioridades. E ela não vai saber com clareza que aquele plano pude custar em um ano inteiro o dobro do valor contratado — ressalta a advogada Ana Carolina Navarrete, pesquisadora em Saúde do Idec.

Solange Beatriz Mendes, presidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), por sua vez, entende que o ideal seria que não tivesse um percentual limite para coparticipação. Ela ressalta, no entanto, que a restrição tem um aspecto positivo: a segurança da operadora e do consumidor.

— Qualquer limitador é ruim. O ideal é que não tivesse restrição, pois há casos em que há interesse de empresas e operadoras de saúde de praticar, em contratos coletivos, percentuais mais altos. Mas a restrição tem um lado bom que é parametrizar, dando mais segurança a operadoras e ao consumidor.

Reinaldo Scheibe, presidente Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), avalia que as empresas vão precisar de, ao menos, um mês para analisar o impacto das novas regras. Isto porque, explica ele, será necessário verificar detalhadamente sobre quais procedimentos podem e quais não podem incidir a coparticipação. A adoção da coparticipação pelas operadoras pode resultar em uma redução entre 30% e 40% das mensalidades.

— O percentual vai depender do tipo de plano. Nos planos tops, que incluem hospitais de ponta, essa redução pode ser menor. Mas operadoras de pequeno e médio porte, com bom relacionamento com hospitais, em que não seja tão intensivo o uso de tecnologia, podem conseguir uma diminuição maior da mensalidade.

Para Scheibe, o pagamento pelo consumidor de parte do valor dos procedimentos tem um impacto importante na redução de desperdício:

Atualmente, estimamos em 30% o desperdício com exames repetidos desnecessariamente e outros procedimentos. Com o pagamento o consumidor tem maior controle, os próprios empregadores podem incitá-los a participar da gestão de gastos com a saúde. Do jeito que está a evolução dos custos de planos de saúde nas folhas de pagamento, pode-se chegar a situação das empresas não oferecerem mais o benefício ou adotarem planos bem básicos — analisa o presidente da Abramge.

Miguel e Ana Carolina temem, por sua vez, que o alto percentual de coparticipação nos procedimentos possam levar à redução do cuidado da saúde pelo consumidor.

— A pessoa que já está pagando franquia de procedimentos passados vai fazer como se precisar usar o plano novamente? — questiona a advogada do Idec.

A advogada Melissa Areal Pires, especialista em Direito à Saúde e do Consumidor, também acredita que o aumento da coparticipação e o estabelecimento de franquia possam desestimular o uso de serviços:

— As pessoas não têm condições de planejar a longo prazo os custos com a saúde sendo certo afirmar que a cobrança desse tipo de custo pelas operadoras de saúde é uma tentativa de transferir para o paciente uma responsabilidade que não é dele, já que ninguém pode prever quando ficará doente e quanto isso vai custar.As cobranças podem ter um efeito negativo na saúde dos pacientes porque desestimula o uso dos serviços, o que refletirá necessariamente em retardo do diagnóstico de doenças e prejudicando a prevenção.

Ana Carolina ressalta ainda o fato de a ANS não ter estabelecido regras para a forma de comunicar ao usuário do plano sobre as normas de cobrança de franquia e coparticipação:

‘A ANS não se preocupou em dispor sobre regras de publicidade para esses planos que deixem claro o seu potencial de endividamento’

- Ana Carolina NavarretePesquisadora em saúde do Idec
— A ANS não se preocupou em dispor sobre regras de publicidade para esses planos que deixem claro o seu potencial de endividamento. A regulação ainda permite a cobrança de procedimentos de urgências e emergências.

Especialistas dizem que é preciso cuidado com divulgação
O advogado especialista em direitos à saúde, Rafael Robba, concorda, e acrescenta que as operadoras precisam transmitir de forma clara e transparente, tanto na propaganda, quando no momento pré-contratual, quais são os valores aos quais o consumidor estará sujeito ao optar por um plano com franquia, com coparticipação ou sem tais mecanismos.

— É preciso que as operadoras transmitam de forma muito adequada esses novos parâmetros para que o consumidor entenda ao que estará sujeito e, assim, faça uma escolha consciente do que melhor atenda a seu perfil.

Robba ressalta que essa transparência não deve se limitar ao pré-contratual, mas é essencial para o momento da utilização do plano, já que a coparticipação, por exemplo, é um percentual do valor que o plano de saúde paga pelo procedimento ao prestador de serviço:

— Hoje, a gente não sabe quais são esses valores, quanto a operadora paga para o hospital ou para o médico pelo serviço que está sendo prestado ao usuário. Precisam dar transparência a esses valores, para que o consumidor saiba exatamente o que ele vai pagar quando faz um exame, quando vai a uma consulta. Essa questão da informação é muito sensível e é algo que a ANS precisa fiscalizar e punir os casos em que esses dados não são fornecidos ao cliente.

Solange também considera que a informação ao consumidor é um dos maiores desafios para as operadoras que comercializarem planos com coparticipação e franquia:

— A informação precisa ser acessível para o consumidor, inclusive a tabela de preços praticados pelas empresas. O consumidor vai precisar fazer contas e entender qual é o seu perfil de uso para decidir se contrata um plano com o sem coparticipação e franquia. Com certeza esses modelos exigem maior participação do usuário e maior conhecimento do funcionamento do plano de saúde, responsabilidade no uso. É o seu comportamento que vai determinar o resultado final — diz a presidente da FenaSaúde, que não acredita que o modelo possa provocar o endividademento dos usuários da saúde suplementar.

Procon-SP e Idec ressaltam falta de participação da sociedade
O advogado acrescenta que a ANS precisa adotar mecanismos para que os planos sem coparticipação e franquia não sumam do mercado, como aconteceu com os planos individuais e familiares.

Paulo Miguel também critica a cobrança em procedimentos de urgência e emergência e reforça a falta de participação das entidades de defesa do consumidor na formulação das regras de coparticipação e franquia:

— Não fomos ouvidos em momento algum. Criadas para proteger o consumidor, as agências reguladoras inverteram o seu papel.

Para a advogada do Idec, a forma como a ANS tratou da matéria revela que os instrumentos de participação social da agência são mecanismos pró-forma, que não proporcionam a efetiva consideração das demandas dos usuários.

Melissa aponta um aspecto positivo das novas regras:

— Se há algo positivo nesta norma é o fato de estar criando regras mais claras para práticas que já existem no mercado. Tanto a franquia quanto a coparticipação estão previstas em resolução da ANS desde 1998, mas não estavam regulamentadas. A franquia, na prática, não costuma ser adotada em contratos de planos e seguros de saúde, mas a coparticipação sim, e há muito abuso. É preciso que o paciente se oriente e obtenha informações sobre os custos envolvidos em cada plano oferecido pelas operadoras.

Fonte: O Globo (28/06/2018)

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