sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Aposentadorias: As aposentadorias de militares no Brasil são mais generosas que as de outros países?


Os militares brasileiros que vão para a reserva podem passar para a inatividade com salário integral, diferentemente de países como EUA e Reino Unido.

Assim como em diversos países, quem segue carreira militar no Brasil tem um sistema de aposentadoria especial, com regras mais brandas e mais benefícios que as de outros funcionários públicos e de trabalhadores da iniciativa privada.

Por exemplo, na Previdência Social, para trabalhadores do setor privado, o teto atual da aposentadoria é de R$ 5.645. Já um militar que vai para a reserva não possui um limite máximo para os valores recebidos. Em tese ele está sujeito ao teto constitucional, equivalente ao salário de ministros do STF: R$ 33,8 mil hoje (R$ 39,3 mil a partir do ano que vem).

A lógica por trás da discrepância é que a carreira militar requer condições especiais, já que, entre outras peculiaridades, a categoria tem algumas restrições: não têm direito a greve nem a horas extras e não recolhem FGTS (fundo de garantia), além de não terem direito a adicionais noturnos e de periculosidade.

"Obviamente há diferenças. É uma carreira com muitas especificidades, com mais riscos, em que, se a pessoa sair, as condições são diferentes", explica o professor Luís Eduardo Afonso, especialista em previdência da USP (Universidade de São Paulo).

No entanto, os benefícios para os militares aposentados no Brasil acabam ultrapassando os concedidos em outros países, como o Reino Unido e os Estados Unidos, segundo Afonso e outros especialistas em previdência.

"A diferença entre a previdência dos militares e o setor privado [qualquer pessoa que aposente pela Previdêncial Social] no Brasil é muito grande e muito diferente de outros países", afirma o professor de direito Jorge Cavalcanti Boucinhas, da Escola de Administração de Empresas da FGV, que cita países como Estados Unidos, Reino Unido, Espanha e América Latina.

Aqui no Brasil os oficiais podem deixar a carreira mais cedo com salário integral em comparação com os EUA e o Reino Unido, por exemplo. A legislação atual permite que os militares brasileiros se aposentem com salário integral após 30 anos de serviço. No Reino Unido e nos EUA, por exemplo: a aposentadoria é sempre proporcional ao tempo de serviço.

No Brasil, a remuneração dos militares na reserva e as pensões de militares são regidas por uma série de legislações que vem desde os anos 1960 – a última alteração foi por meio de uma medida provisória em 2001.

Como se aposentam os militares nos EUA?
Nos Estados Unidos, no novo sistema de aposentadoria de militares, cada ano de serviços prestados corresponde a 2% do salário para aposentadoria, segundo o Departamento de Defesa americano. Portanto com 30 anos prestados a aposentadoria representa 60% do soldo. Pelo sistema antigo, ligeiramente diferente (e que ainda é possível aderir), o tempo de trabalho mínimo para se aposentar é 20 anos, com 50% do salário, e mais 2.5% a cada ano de serviço a mais. Militares inativos também tem alguns outros benefícios, como seguro saúde e dental, empréstimos imobiliários simplificados e subsídios para pagar por educação.

O modelo americano é parecido com o do Reino Unido, onde a aposentadoria também é proporcional, calculada a partir do salário final, o número de anos de serviço e um coeficiente específico para o serviço militar. Após 30 anos de serviço, por exemplo, é possível se aposentar com cerca de 43% do salário, de acordo com o Departamento de Defesa e Forças Armadas do país.

Em ambos os países, a aposentadoria de militares só é integral em caso de morte em serviço ou aposentadoria por invalidez.

Ou seja, os benefícios previdenciários para militares brasileiros acabam sendo mais generosos apesar de militares de países como EUA e Reino Unido estarem mais expostos a riscos, já que são nações que se envolvem em conflitos armados com mais frequência."Temos um sistema mais generoso (que o deles), principalmente nas questões das pensões e contribuições, mesmo com maior envolvimento (desses países em conflitos", afirma Boucinhas.

Nos últimos anos, as Forças Armadas brasileiras só se envolveram em conflitos durante missões de paz da ONU (Organização das Nações Unidas), como a missão no Haiti e a no Líbano.

"A necessidade de levar em consideração as especificidades do serviço militar não pode ser usado para justificar privilégios", diz.

"É questão conceitual: todos os países estão envelhecendo e isso nos obriga a uma preparação e exige um esforço maior de custeio de toda sociedade – incluindo os militares", afirma Afonso. "E isso não significa deixar de levar em consideração as peculiaridades da carreira."

O Ministério da Defesa diz que não é adequado realizar comparações com esses países, porque eles têm uma "série de benefícios indiretos para os militares, como, por exemplo, a isenção de determinados impostos". Além disso, diz o ministério, o poder de compra dos salários dos americanos é maior e eles têm uma "acumulação de patrimônio ao longo do serviço" superior a dos brasileiros.

Enquanto o sistema previdenciário brasileiro de funcionários públicos e trabalhadores da iniciativa privada está sendo rediscutido na reforma da Previdência - atualmente parada no Congresso -, mudanças na aposentadoria dos militares nem estão em discussão, já que o presidente Michel Temer excluiu os militares de sua proposta de reforma.

Em 2017, o déficit dos gastos com militares inativos e pensões do Exército, da Marinha e da Aeronáutica foi de R$ 37,7 bilhões. O déficit para 2019 está projetado para R$ 43,3 bilhões, de acordo com dados da proposta orçamentária do ano que vem. Esse valor é 47,7% dos R$ 90 bilhões de déficit previdenciário do setor público.

O Ministério da Defesa afirma que os valores referentes aos militares inativos (R$ 24,5 bilhões), não se tratam de "despesa previdenciária" portanto o gasto projetado de R$ 43,3 bilhões não pode ser entendido como "déficit previdenciário". A pasta afirma ainda que os gastos com pensões e com militares inativos devem ser "analisados separadamente".

A questão da idade
"Temos um sistema previdenciário que gera muitas desigualdades. E para alguns regimes a previdência é muito generosa, permitindo aposentadorias com valores muito elevados e idade relativamente baixa", afirma o professor Luís Eduardo Afonso.

Em um relatório de 2017, o TCU (Tribunal de Contas da União) afirma que mais da metade (55%) dos membros das Forças Armadas no Brasil se aposentam entre os 45 e os 50 anos de idade.

No Reino Unido, a idade mínima para aposentadoria é 65 anos. Nos EUA não há idade mínima, mas como ela é proporcional ao tempo de serviço, os militares têm incentivo para continuar mais tempo na ativa.

Segundo o professor Boucinhas, da FGV, os militares também são afetados pela questão demográfica que se usa para justificar as reformas na previdência da iniciativa privada. Ou seja, o envelhecimento da população e o fato das pessoas estarem envelhecendo com mais saúde também deve ter um reflexo para os militares na reserva.

O Ministério da Defesa diz que "tem discutido a questão internamente e com representantes dos demais órgãos do Governo". Mas, segundo a pasta, "as atividades desempenhadas pelas Forças Armadas requerem de seus membros vigor físico compatível".

"O aumento da idade mínima provocaria um envelhecimento inevitável da tropa" e resultaria na "redução da capacidade operacional das Forças".

No entanto, os analistas não concordam com essa visão.

"O grande argumento, inclusive do presidente eleito, é que o militar velho não pode estar na ativa", afirma Boucinhas. "Mas isso já evoluiu muito. Hoje alguém com 60 anos pode ser absolutamente ativo - afinal, quanto mais alta a patente, menor a chance dele estar na linha de frente."

Segundo ele, há muitos cargos de comando e inteligência que um militar mais velho poderia ocupar.

Por que militares não contribuem para suas aposentadorias?
Os militares brasileiros na ativa não contribuem para suas aposentadorias, apenas para pensões, que vão para dependentes em caso de infortúnios.

Essa situação vem do entendimento que se tem em relação à saída dos militares da ativa: eles na verdade não se aposentam, passam para a reserva e, a partir de certa idade, são reformados.

Na reserva, eles podem ser chamados em caso de guerra - o que na prática não costuma acontecer, já que o Brasil não convoca reservistas para um conflito desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Então o que ele recebe não é entendido como um benefício previdenciário, é entendido como um salário - é por isso que os militares não fazem contribuições para suas aposentadorias.

Os militares também não estão vinculados à Previdência Social – o regime RGPS (Regime Geral de Previdência Social) – nem ao sistema previdenciário próprio dos funcionários públicos – o RPPS (Regime Próprio de Previdência Social).

"Na prática, o que acontece é que toda a sociedade está pagando pela aposentadoria dos militares. É uma alocação de recursos que não é adequada", afirma Luís Eduardo Afonso.

"Acho que é algo que a gente precisa repensar, já que estamos discutindo benefícios e custos para todos os setores da sociedade."

Segundo o ministério, a falta de direitos remuneratórios (como o FGTS) "rende anualmente à União uma economia da ordem de R$ 23 bilhões, valor equivalente às despesas com militares inativos. Em outras palavras, significa dizer que a economia gerada pela ausência de direitos remuneratórios para os militares ativos em serviço é transferida para o pagamento de inativos."

A única contribuição feita por militares é para pensões, de 7,5% - que pode subir para 9% se o militar tiver ingressado antes de 2001 e quiser manter o benefício de pensão vitalícia para filhas não-casadas. Para comparação, a contibuição de um civil para o INSS é de 11% em cima do salário bruto.

Só o Exército tinha, no início do ano, mais de 67.600 filhas de militares recebendo R$ 407 milhões por mês - o que dá um valor de mais de R$ 5 bilhões por ano. A Aeronáutica e a Marinha não divulgam os valores, apesar de se tratarem de dados públicos. No total, são mais de 110 mil filhas de militares recebendo pensões.

O ministério da Defesa destaca que a contribuição para pensões é feita "desde o início da carreira até o falecimento", "sem que haja qualquer tipo de contribuição patronal da União".

No entanto, ela não é suficiente para cobrir todas as despesas com pensões – devem ser gastos R$ 21,2 bilhões com as pensões em 2019, segundo a pasta. Desse valor, R$ 3,2 bilhões serão cobertos pelas contribuições, deixando um défict de R$ 18 bilhões.

Reformas
O benefício vitalício pra filhas não casadas foi extinto em 2001, portanto quem entrou após essa data nas Forças Armadas não tem mais esse direito. Mas o governo deve continuar pagando pensões para filhas de militares pelo menos até 2060, quando ainda devem estar vivas as filhas dos últimos militares que tiveram direito ao benefício.

O Ministério da Defesa afirma que "algumas medidas têm sido avaliadas com o intuito de reduzir o déficit das pensões militares, com a ampliação do rol de contribuintes (contribuição obrigatória inclusive por parte das próprias pensionistas) e avaliação das condições de elegibilidade".

A pasta também cita a reforma de 2001 como parte dos "esforços impetrados pelas Forças Armadas" para a redução de gastos.

A mudança feita no ano 2000 não alterou as outras possibilidades de pensão. Viúvas e viúvos de militares continuam recebendo pensão integral, assim como dependentes de até 21 anos.

Já nos Estados Unidos, viúvas, viúvos e filhos menores de 18 anos recebem pensão de 55% do valor do salário dos militares.

E no Reino Unido, viúvas e viúvos recebem 62% do valor do salário, valor que vai caindo progressivamente se o cônjuge for mais novo do que o militar em 12 anos ou mais - a ideia é evitar fraudes e casamentos arranjados. Se tiverem filhos, o valor sobe.

Segundo o relatório do TCU, nesses países "a política de benefícios pagos aos familiares do militar em caso de falecimento é de redução significativa do valor do benefício original, além de haver severas restrições à elegibilidade dos beneficiários".


Além disso, destaca o relatório, o Reino Unido fez uma reforma em seu sistema de previdência para militares em 2013 e os Estados Unidos, em 2015, ambos os países se adequando às novas realidades demográficas e orçamentárias.

Para os analistas, mesmo levando em conta as suas especificidades, a carreira militar no Brasil precisa ser repensada com urgência. "Quando mais se retardar isso, mais vamos sobrecarregar os trabalhadores da iniciativa privada com os ônus", afirma Boucinhas.

"Como dizia o (um dos criadores do Plano Real) Gustavo Franco, todo privilégio vira imposto."

Apesar de afirmar que o sistema atualmente é "autossustentável" o Ministério da Defesa diz que "tem conduzido estudos no intuito de aperfeiçoar o Sistema de Proteção Social dos Militares, visando, no que couber, a redução de gastos, sem provocar danos colaterais que possam comprometer o cumprimento da missão constitucional das Forças Armadas".

No entanto não há uma data para seu envio ao Congresso. "Os estudos já estão em fase bem avançada, porém, em função da complexidade e a constante evolução dos acontecimentos, não podem ser entendidos como um produto acabado", afirma o ministério.

Fonte: BBC (06/12/2018)

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