segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Patrocinadoras: Segundo autor, biografia do Padre Landell de Moura, que deu nome ao Centro do CPqD em Campinas, desmistifica pioneiro do rádio


Landell construiu e patenteou invenções e é considerado o primeiro a transmitir a voz humana por ondas de rádio

Roberto Landell de Moura (1861-1928) é o caso típico de inventor brasileiro que poderia ser mundialmente reconhecido caso suas experiências não tivessem sido ignoradas pelas autoridades. Pioneiro da radiodifusão, ele construiu e patenteou um punhado de equipamentos e é considerado o primeiro a transmitir a voz humana por ondas de rádio.
Em 1899, três anos antes dos europeus, bateu recorde de transmissão radiofônica do século 19 depois que algumas palavras alcançaram sete quilômetros, por meio de seu Telephoro. Hoje, porém, quase ninguém sabe quem ele é fora do Brasil.

Landell de Moura
Selo em comemoração aos 150 anos do Padre Landell de Moura Foto: Elza Fiúza/ABR
O recém-lançado Roberto Landell de Moura, o Precursor do Rádio (Editora Tamanduá_Arte), de Rodrigo Moura Visoni, se propõe a apresentar uma “biografia desmistificada” de Landell de Moura, escrita exclusivamente a partir de fatos comprovados por escritos do inventor, livros, patentes e publicações de jornais. Também usa registros detalhados de paróquias da Igreja Católica, para a qual o inventor entrou aos 22 anos.

Após mais de uma década de pesquisas sobre o tema, Visoni usa a descrição das tentativas quase solitárias do padre gaúcho para mostrar detalhes do início da radiocomunicação no País. Ressalta, porém, que ainda há muito a se descobrir sobre Landell de Moura – conhecem-se desenhos de aparelhos dele, mas nenhuma foto, por exemplo. “O que mais me surpreendeu na pesquisa foi o fato de Landell de Moura haver percebido, ainda em 1901, que ondas curtas – de alta frequência – eram mais adequadas para transmissões a longas distâncias, o que só se tornaria consenso na comunidade científica na década de 1920.”

Para entender a importância dos experimentos do inventor, é preciso voltar ao Brasil do século 19. Nascido em Porto Alegre em 21 de janeiro de 1861, quarto de 14 irmãos, Landell de Moura estudou Direito Canônico na Itália. Voltou ao Brasil em 1887, já doutor. Dois anos depois, estava no Rio de Janeiro quando o marechal Deodoro da Fonseca proclamou a República. Na época, segundo o livro de Visoni, o Brasil tinha quase 19 mil quilômetros de linhas telegráficas, mas Amazonas, Goiás e Mato Grosso ainda eram completamente desconectados. O recém-instaurado governo anunciou então um plano para levar o telégrafo ao interior do País e criou comissões regionais para expandir o serviço, ao custo de centenas de milhares de réis. Foi nessa época, em 1892, quando era vigário em Santos, que Landell apostou que as recém-descobertas ondas eletromagnéticas poderiam abrir caminho ao telégrafo e ao telefone sem fio, eliminando despesas de instalação e manutenção de cabos e postes. Passou então a aperfeiçoar suas experiências com uma série de aparelhos. Três deles chegaram a ser patenteados nos EUA: o wireless telephone, o wireless telegraph e o wave transmitter, cujas patentes foram requeridas respectivamente em 1901, 1902 e 1903 e concedidas em 1904. 

Mas, apesar do entusiasmo que despertava com seus experimentos, o inventor não conseguiu sensibilizar autoridades a ponto de obter financiamento. Em 1906, a Câmara dos Deputados do Estado de São Paulo, atual Assembleia Legislativa, arquivou um pedido feito pelo padre de recursos para industrialização dos aparelhos que havia criado. Nas décadas seguintes, o País firmaria sua posição de importador. “Por não haver investido em tecnologias de radiotransmissão, o Brasil deixou de ingressar com produtos competitivos no mercado internacional de telecomunicações e se tornou importador de peças e equipamentos eletrônicos, além de ficar vulnerável à espionagem de sinais praticada pelas potências estrangeiras”, afirma Visoni.

O autor ressalta, no entanto, que nem todas as histórias sobre o padre têm comprovação. Entre elas, a de que fez experiências de radiotransmissão antes de Guglielmo Marconi (1874-1937). Em 27 de julho de 1896, o italiano realizou na Inglaterra aquela que é considerada a primeira transmissão radiotelegráfica pública. “Tudo indica que Landell de Moura só fez as primeiras experiências exitosas depois de Marconi”, diz Visoni. “Acredito que algumas das histórias inverídicas surgiram de um nacionalismo equivocado.”

Uma das batalhas de Landell era provar que a religião não se opunha à ciência e ao progresso. E ao amplo espectro do que entendia por pesquisas acabou incluindo experimentos no mínimo polêmicos. Como hipnose e levitação. Visoni conta que alguns relatos de época dizem com bastante segurança que Landell de Moura foi um hábil hipnotizador. Já levitação é outra conversa. “Na literatura disponível, podem ser encontrados depoimentos de que o padre teria a capacidade de fazer pessoas levitarem usando apenas as mãos. Não acredito nisso e não existem evidências científicas de proeza desse porte.”

Landell também fez rituais de exorcismo, estudou espiritismo e despertou reações iradas dentro e fora da Igreja. A ponto de virar alvo da ignorância de paulistas da época. Reportagem do Jornal do Commercio de 26 de novembro de 1902 relata: “Infelizmente, logo após a veiculação pela imprensa dos êxitos do inventor, o gabinete dele foi invadido por um populacho ignorante que destruiu os aparelhos de transmissão sonora a tanto custo construídos, acreditando serem as vozes ouvidas de natureza diabólica”. O próprio Landell de Moura contou essa história nos Estados Unidos durante entrevista a um repórter do jornal New York Herald, publicada em 12 de outubro de 1902: “No Brasil, uma multidão de supersticiosos acusava-me de participante com o diabo, interromperam meus estudos e quebraram meus aparelhos”. Não se sabe exatamente onde ficava o laboratório destruído. “Ernani Fornari, primeiro biógrafo de Landell, disse que era no interior de São Paulo”, conta Visoni.

O certo é que, para além da figura do inventor, todos perdem quando não se apoia o empreendedorismo. E o tema não é de hoje. Em 1876, lembra o escritor, o caricaturista ítalo-brasileiro Angelo Agostini definiu: “O brasileiro não tem o direito de inventar, de descobrir, de empreender uma ideia engenhosa, profícua, útil, realizar um melhoramento do qual se aproveite o país ou o mundo. Crie na sua imaginação um invento, gaste seus dias em estudá-lo, coordená-lo, realizá-lo, apresente-o e encontrará três antagonistas desapiedados: a indiferença, a incredulidade e a inveja, que o aniquilam, o nulificam e estraçalham-lhe as suas esperanças mais bem fundadas, fazendo-lhe perder o fruto de longas vigílias e, quem sabe, enormes dispêndios”.

Fonte: Estadão, Colaboração: Jose' Mendonça Furtado (05/01/2019)

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