sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Patrocinadoras: A Oi vale alguma coisa?



Venda da companhia ou redução da dívida pode trazer ganhos aos acionistas, mas com risco desproporcional

Quem iniciou a carreira de analista na década de 90 acabava esbarrando no setor de telecomunicações. O segmento representava ao redor de 50% do Ibovespa. Acompanhei de perto sua ascensão, apogeu e declínio durante 11 anos: de 1996 a 2007.

Apogeu do setor
O período entre 1998 e 2002 foi de glórias. Após a privatização, os novos controladores reduziram gastos e investiram muito, permitindo atender à demanda reprimida. Os resultados bombaram. Quem apostou no setor foi recompensado. O fundo de ações da gestora no qual trabalhei foi o segundo melhor da indústria entre 1998 e 2001. Fui conselheiro de algumas operadoras estaduais, representando o fundo.

Declínio do setor
Mas, a partir de 2002, o modelo da privatização, que separava telefonia fixa, celular e de longa distância por regiões do país, mostrou-se defasado, não atendendo aos novos avanços tecnológicos. As principais deficiências do modelo foram:

Diversidade regional: a divisão por regiões não fez sentido tendo em vista a magnitude dos investimentos constantes impulsionados pela rápida obsolescência das tecnologias. Em um período de dez anos, a telefonia móvel foi da transmissão analógica ao 4G, por exemplo. Com isso, escala é fundamental para diluir o capital aplicado.
Separação tecnológica: o tempo mostrou que a tecnologia era convergente. Uma empresa deve oferecer vários serviços: fixo, dados, móvel e TV por assinatura.
O aparecimento de tecnologias concorrentes: novos serviços surgiram retirando tráfego das operadoras, como o Skype e o WhatsApp, tanto do serviço de voz como do de dados.
O surgimento das redes sociais como Facebook e LinkedIn, bem como serviços de streaming como Netflix e Spotify, que sobrecarregam a rede das operadoras com vídeos, gerando a necessidade de mais investimentos.

A (ex-) gigante Embratel foi a primeira a sucumbir com a queda substancial de suas ações. Praticamente retirou-se da bolsa com a oferta em 2003. Hoje, o setor é uma pálida sombra do passado, representando cerca de 2% do Ibovespa com Telefônica Brasil (VIVT4) e TIM (TIMP3).

Além das questões operacionais, o setor sempre sofreu com a má governança corporativa. A Telemar (atual Oi) anunciou em 2006 uma operação danosa aos interesses dos acionistas preferencialistas. A proposta não foi aprovada na Assembleia. Na época, como analista de uma corretora, soltei alguns relatórios contestando a operação tanto em termos societários como por “valuation”. Mas a companhia não desistiu. Uniu-se à Brasil Telecom em 2009 e conseguiu juntar-se à Portugal Telecom em outra polêmica operação em 2014.

Em janeiro de 2013, fiz um post para o Valor Investe com o sugestivo título “Esqueça o setor de telecom como investimento de longo prazo”. O setor representava 4% do Ibovespa, o dobro do que vale hoje. A reestruturação judicial da Oi, portanto, não surpreende quem acompanha o setor há tempos.

Oi volta ao radar dos investidores (especulativos)
Com a queda abrupta das ações da OI (OIBR4), pipocaram relatórios recomendando a compra das ações. O argumento para essa indicação é o da tese da desalavancagem que expliquei com detalhes no post “Nem só de Magalu e Banco Inter vive a bolsa; olho na redução de dívida das cias tradicionais”.

Alguns analistas esperam que a Oi consiga vender alguns ativos como a subsidiária angolana Unitel, torres e o “data center”, bem como se apropriar de ganhos tributários. A estratégia poderia render entre R$ 10 bilhões e R$ 12 bilhões. Esses valores serviriam para reduzir a dívida. Assim, para o valor da firma (valor de mercado somado à dívida líquida) ficar constante, o preço da ação precisa subir.

O valor da firma da Oi pelo S&P Capital IQ está em R$ 25 bilhões. A empresa divulgou um Ebitda “de rotina“ (recorrente) de R$ 2,5 bilhões no 1º semestre de 2019. Assim, caso repita o desempenho na segunda parte do ano, fecharia 2019 com Ebitda de R$ 4,9 bilhões. O valor da firma comparado ao Ebitda indica um múltiplo de 5,2 vezes.

Considerando a arrecadação de R$ 12 bilhões e redução da dívida no mesmo montante, o valor de mercado (das ações) pularia de R$ 4,6 bilhões para R$ 16,6 bilhões, valorização do preço das ações de 261%. Contudo, o “valuation” da Oi, pelo múltiplo FV/Ebitda, me parece caro quando se compara com os de empresas mais sólidas como Telefônica Brasil de 5,5 vezes e TIM de 5,1 vezes. A situação financeira da primeira permite entregar um robusto “dividend yield” de 7,3% em 2019. Com todos os problemas, não faz sentido a Oi ter múltiplos similares aos das concorrentes.

Assim, trabalhar com um múltiplo menor para a Oi me parece mais coerente. Mas qual desconto aplicar sobre os múltiplos da TIM e Vivo? Considerando um deságio de 30%, Oi ficaria com um múltiplo de 3,6 vezes. Com isso, o valor da firma cairia para R$ 17,6 bilhões com o valor de mercado indo para R$ 8,76 bilhões, 91% superior ao atual.

Quase dobrar o valor aplicado é atrativo. Mas vale o risco? A empresa teve um consumo de caixa de quase R$ 2 bilhões no 2º semestre de 2019. Assim, caso seja mantido esse dispêndio, o caixa de R$ 4,3 bilhões acabaria no início do 1º trimestre de 2020. Logo, a venda de ativos e ganhos tributários teriam que atingir R$ 12 bilhões e precisaria ser rápida. Convenhamos que questões tributárias são lentas. Para cobrir esse rombo de caixa, uma nova oferta de ações poderia ser encaminhada, pressionando ainda mais o preço das ações. Outra solução seria fatiar a Oi entre Telefônica Brasil e TIM ou com outras companhias, hipótese que volta e meia retorna ao noticiário. Esses possíveis adquirentes terão apetite para pagar alto pela ação da Oi ("equity"), sabendo que serão necessários novos aportes na empresa para capital de giro e investimentos? Como mostrado acima, pela cotação atual, o "valuation" de Oi já está parecido ao da Telefônica Brasil e da TIM. Logo, uma projeção de apreciação do papel de Oi é duvidoso caso a companhia seja vendida.

Acabo esse post como terminei outro escrito em 2016: “Caso queira estar exposto ao setor, a melhor opção é a Telefônica Brasil, que conseguiu ter presença nacional com telefonia fixa, celular, dados e TV a cabo. (...) O resto serve apenas a investidores especulativos”. Parece que nada mudou.

Fonte: Valor Investe e Andre Rocha (29/08/2019)

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