quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Patrocinadoras: Telebras ressuscita mais um vez e vale R$ 12,3 bi na bolsa




Os mais experientes, aqueles que viveram no país onde reinava soberana nos mercados de ações e de telefonia uma gigante chamada Telecomunicações Brasileiras, devem estar tendo um "flashback", para usar um termo em voga quando a estatal foi criada, em 1972.
   
A supertele original era uma "blue chip", outro termo meio fora de moda, usado para as empresas mais negociadas da bolsa, numa referência às fichas azuis dos casinos. Ela desapareceu do radar com a privatização no governo FHC que criou as novas teles, e deixou a holding-mãe, uma casca, na fila da liquidação. Ressuscitada no governo Lula, ela voltou como gestora do Plano Nacional de Banda Larga, com o objetivo nobre de levar internet rápida a municípios pequenos, que supostamente não interessavam as operadoras privadas de telecomunicações.   


Divulgada na quarta-feira, a lista de privatização elaborada pelo Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), da Presidência da República, fez a ação preferencial (sem direito a voto) da Telebras valorizar 140% até ontem, para R$ 55, e a ordinária (com direito a voto), com volume menor, mais de 1.000%, para R$ 300. Simplesmente, a segunda ação mais cara da bolsa. O volume da preferencial rondou R$ 50 milhões na semana passada, algo que não se via há muitos anos.  

O valor de mercado chegou a impressionantes R$ 12,35 bilhões ontem, um ganho de aproximadamente R$ 10 bilhões em poucos dias, e que representa mais de 100 vezes o patrimônio da empresa. Esse valor a coloca, ironicamente, muito à frente da Oi, uma das empresas cindidas da antiga holding Telebras, que um dia foi chamada de supertele e atualmente está em recuperação judicial. Ela já deixou para trás empresas como Gol, Usiminas e Totvs. Se continuar assim, passa a ex-estatal Embraer.  

Mas o que há nessa "nova" Telebras que fez os investidores correrem para comprar sua ação? Ela, segundo o site da companhia, "desenvolve continuamente uma gestão com foco em resultados, mediante o emprego de infraestrutura tecnológica moderna e de processos baseados nas melhores práticas existentes no mercado".  

A prova dessa afirmação, continua o texto, é ampliação da rede de fibras ópticas, de 1,1 mil quilômetros, em 2011, para 30 mil quilômetros em 2018, além do lançamento de um satélite geoestacionário, "cujo papel é essencial para a universalização da banda larga no Brasil".  

Na citação acima, chama a atenção a frase "uma gestão com foco em resultados". O balanço da Telebras é terrível. No primeiro semestre, foram R$ 230,8 milhões de prejuízo líquido - e não isso que mais assusta. A receita de vendas e serviços foi de R$ 85,1 milhões, mas a linha que vem abaixo, do custo, é de R$ 201,1 milhões. É um valor absurdo, que leva todo o faturamento, e essa situação é recorrente. O prejuízo acumulado nos últimos anos chegou a R$ 1,47 bilhão em junho. Em 2017, o governo fez um aumento de capital dessa magnitude para cobrir o rombo no patrimônio, um passivo a descoberto de R$ 583,8 milhões.  

"O fato é que a empresa não foi bem administrada, tentaram criar uma espécie de reserva de mercado para que ela atendesse a todas as organizações e órgãos públicos, fugindo totalmente da justificativa de sua recriação", disse o economista Arthur Barrionuevo, da FGV/Escola de Administração de Empresas, à repórter Ivone Santana, do Valor "Começaram a investir em rede no Sudeste, onde já tinha operadoras presentes. Ficou esquisito."  

O economista lembra que os pequenos provedores de banda larga cresceram muito em todo o país, levando a internet às regiões remotas ou de baixa densidade populacional. E esse seria o papel da Telebras. "Uma vez que foi recriada, deveria ter cumprido sua missão."  

Além do satélite e da rede de fibras ópticas, a empresa tem cinco estações de comunicação terrestres, dois centros de operações (em Brasília e no Rio de Janeiro) e três gateways - equipamentos que fazem a comunicação com o satélite. No fim de 2018, a companhia tinha 436 funcionários.  

No início do mês, o Ministério da Economia comunicou a Telebras que ela será classificada como empresa "dependente do Tesouro" e, com isso, incluída no Orçamento da União de 2020, em fase de elaboração, segundo apurou o repórter Ribamar Oliveira, do Valor.  

A empresa também está sob investigação da Controladoria-Geral da União (CGU), por irregularidades no uso dos recursos provenientes dos aportes feitos pela União na empresa, escreveu o repórter Murillo Camarotto, também no Valor.  

Somente em 2018, a Telebras recebeu R$ 450 milhões do Tesouro, sendo R$ 329 milhões para o programa do satélite geoestacionário e R$ 121 milhões para o Programa Nacional de Banda Larga. Parte desses recursos teria sido usada para o pagamento de despesas correntes, o que é vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).  

Outro problema a ser resolvido para uma possível privatização é o que fazer com o satélite, e sua banda X, de uso exclusivo das Forças Armadas.  

Os investidores que correram para bolsa para negociar Telebras podem estar aproveitando a chance, impensável há poucos dias, de finalmente lucrar com a ex-blue chip. Parece um breve retorno aos dias de glória, mas não é preciso fazer uma conta de fluxo de caixa descontado para saber que estamos diante de uma alucinação. No mundo real, 30 mil quilômetros de fibra óptica não valem uma Embraer.

Fonte: Valor (27/08/2019)

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