quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Direito Previdenciário: A reforma da Previdência e a judicialização da aposentadoria por invalidez



Desenha-se o cenário perfeito para um tsunami de processos judiciais e administrativos

A Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019 que alterou o sistema previdenciário brasileiro trouxe em seu bojo uma importante alteração que pode trazer grande judicialização no tocante a aposentadoria por invalidez previdenciária.

Até antes do advento da Emenda Constitucional o valor da média salarial recebido pelo trabalhador aposentado tanto por invalidez previdenciária quanto por invalidez acidentária era de 100% (cem por cento) do salário de benefício, conforme consta na norma veiculada pelo artigo 44 da Lei nº 8.213/1991.

A forma de cálculo dessa média era pautada pelos 80% (oitenta por cento) maiores salários de contribuição desde julho de 1994, descartando-se as menores contribuições (20%).

Contudo, após a promulgação da Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019, o valor do benefício de aposentadoria previdenciária corresponderá a 60% (sessenta por cento) da média aritmética total, ou seja, contabilizando-se todas as contribuições, para tempo de contribuição igual ou inferior a 20 (vinte) anos, de acordo com o inciso III, §2 do artigo 26 da retromencionada Emenda.

O mesmo artigo também indica que após 20 (vinte) anos de contribuição, o segurado terá um acréscimo de 2 (dois) pontos percentuais para cada ano adicional de contribuição ao período, o que equivale dizer que o benefício da aposentadoria por invalidez previdenciária só atingirá 100% da média aritmética após 40 (quarenta) anos de contribuições.

No tocante a aposentadoria por invalidez acidentária, o valor do benefício permanece correspondendo a 100% (cem por cento) da média aritmética independentemente do tempo de contribuição, nos termos do inciso II do § 3º do artigo 26 da Emenda Constitucional, todavia, essa média será calculada sobre o total de contribuições, sem exclusão das menores.

Consequentemente, todo o trabalhador que se acidentar antes de ter completado 40 (quarenta) anos de contribuições receberá um valor maior de benefício se tiver sua aposentadoria enquadrada como acidentária ao invés de previdenciária.

A diferença de enquadramento em acidentário e previdenciário decorre da origem da doença e/ou do acidente que gerou o afastamento laboral e a consequente incapacidade total e permanente. Se estiver relacionada ao trabalho, será acidentária, se não, será previdenciária.

Essa distinção que à primeira vista pode parecer simples, guarda profunda complexidade quando analisada empiricamente. Isso porque o Brasil admite a teoria da concausa no direito acidentário, conforme o artigo 21 da Lei nº 8.213/1991, o que significa dizer que ainda que o ambiente laboral ou o trabalho desenvolvido não tenham sido o fator determinante para a ocorrência do acidente ou o aparecimento da doença, eles podem ter atuado como concausas, o que possibilita o enquadramento da aposentadoria por invalidez como benefício acidentário.

Verificar se existe concausa ou não é tarefa árdua que exige muitas vezes, quando não há presunção entre a atividade econômica principal do empregador e a entidade mórbida motivadora da incapacidade, conforme o Anexo II, Lista C do Decreto 3.048/99, a visita técnica por perito ao ambiente laboral quando este ainda existe ou acesso ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) que traz informações relativas a atividade exercida pelo empregado, o agente nocivo biológico, físico ou químico, a que estava exposto, bem como sua intensidade e concentração, além dos exames médicos clínicos.

Na impossibilidade de realização de vistoria ambiental e na ausência de PPP, caberá se verificar se existe o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) e o Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho (LTCAT), valendo lembrar que o LTCAT é elaborado com base no PPRA.

Permanecendo a ausência desses documentos, e não tendo sido emitida nenhuma Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) não terá instrumentos além da perícia médica e exames complementares para comprovar ou corroborar o reconhecimento da existência de concausa, o que poderá levar ao enquadramento incorreto do obreiro como beneficiário da aposentadoria por invalidez previdenciária ao invés da acidentária, com claro prejuízo financeiro ao trabalhador.

Esse enquadramento incorreto gerará uma ação judicial de conversão do benefício previdenciário em acidentário proposta pelo obreiro, dado que as ações acidentárias são gratuitas por força de lei o que trará mais sobrecarga ao sistema judiciário brasileiro, considerando que o obreiro não tem nenhum incentivo negativo para não propor a ação de conversão, dado que no pior cenário perderá a demanda, mas não arcará com as custas processuais, honorários periciais e honorários sucumbenciais, lembrando que nesse tipo de demanda, os trabalhadores contratam os advogados particulares via honorários de êxito (quota litis).

Por outro lado se o obreiro propor a ação e for vitorioso, terá direito ao pagamento retroativo das diferenças entre os valores pagos a título da aposentadoria por invalidez previdenciária e o valor devido sob a rubrica da aposentadoria por invalidez acidentária, com juros e correção monetária, desde a concessão, respeitado o prazo prescricional, além de obter benefício com 100% da média aritmética das contribuições e a possibilidade de ajuizar nova ação em face do seu ex-empregador requerendo danos morais em virtude do seu adoecimento por influência concausal do trabalho.

Consequentemente, desenha-se o cenário perfeito para um tsunami de processos judiciais e administrativos, adicionando mais sobrecarga aos já combalidos sistemas judicial e de recursos administrativos do INSS.

Fonte: Jota (07/01/2020)

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