quinta-feira, 12 de março de 2020

TIC: Compra da Oi Móvel afeta competição, espectro, mercado e até universalização



O movimento conjunto de Vivo e TIM para a compra da operação móvel da Oi não chega a surpreender diante da declarada intenção de venda da própria operadora.
Mas se traz um alento a uma empresa ainda às voltas com uma recuperação que envolveu dívidas de R$ 65 bilhões, é um negócio complexo por diferentes ramificações, como avalia o presidente da Anatel, Leonardo Morais. 

“A competição não está atrelada ao número de competidores. Posso ter 10, 20 competidores, mas se um deles tiver 90% do mercado isso não se traduz em rivalidade. Mas o mercado brasileiro tem um dos maiores graus de competição e queremos que isso seja mantido. Qualquer movimento relacionado a fusão e aquisição certamente será submetido a uma avaliação muito criteriosa”, afirma.

A própria recuperação judicial não pode ser esquecida, o que amplia os envolvidos nessa análise, lembra Morais. “Não podemos esquecer do contexto que ainda envolve a Oi e se essa operação contribuiu para o soerguimento econômico financeiro da empresa. Mas também pode ser questionado por outras autoridades, a começar pelo juízo da recuperação judicial.”

E há implicações que afetam diretamente a política pública em vigor. Afinal, segue valendo o Decreto 9.619/18, que trata das metas de universalização das concessionárias do STFC. Embora voltado à concessão de telefonia fixa, o Decreto estipula metas de cobertura com telefonia móvel, inclusive 4G. “Outra complexidade que traz essa análise é a própria existência de um PGMU que tem questionamentos jurídicos, econômicos e técnicos”, completa o presidente da Anatel. A seguir, a entrevista completa com Leonardo Morais: 

Qual a avaliação da Anatel sobre a proposta de compra da Oi Móvel? 
Ainda não temos um pedido de anuência, não temos caso concreto a ser analisado. Dito isso, qualquer movimento relacionado a fusão e aquisição certamente será submetido a uma avaliação muito criteriosa e zelosa, afinal de contas a competição é um atributo muito caro para o órgão regulador. 

Muitas pessoas perguntam se existe um número mágico [de competidores]. É preciso compreender que a competição não está atrelada ao número de competidores. Posso ter 10, 20 competidores, mas se um deles tiver 90% do mercado isso não se traduz em rivalidade. E a Anatel conseguiu promover essa rivalidade ao longo dos anos. 

O mercado brasileiro tem um dos maiores graus de competição e queremos que isso seja mantido. Por isso há a preocupação de que uma conformação de mercado possa levar, seja no curto, médio ou longo prazo, a um duopólio. Porque isso não favoreceria a diversidade de ofertas nem a rivalidade existente hoje. 

Caso seja formalizada essa operação, vai passar por uma analise bastante criteriosa, não apenas relacionado a ‘cap’ de espectro. Hoje a regulamentação estabelece que na faixa até 1 GHz um limite de até 30% do total disponível, podendo chegar a 40% com condicionamentos impostos pela agência. E entre 1 e 3GHz, vocacionado para capacidade, 35% a 40%, também mediante condicionamentos. E a partir de 3 GHz não há cap. 

Vamos olhar isso. É preciso entender que o mercado brasileiro é bastante distinto do ponto de vista geográfico, que a concentração varia, e essa análise precisa garantir o atributo competição não apenas no contexto nacional, mas que também observe as particularidades regionais. 

O negócio pode afetar o edital do 5G? 
Nenhum M&A poderia afetar o timing ou os contornos do edital 5G. E um edital é uma oportunidade ímpar para fazer valer políticas públicas. E o 5G é um catalisador de novas tecnologias, que importará ganhos de produtividade. Portanto não há como sustentar que o edital fique subordinado ou condicionado a uma operação de M&A. Agora, independentemente ainda é possível mudar os contornos do edital porque há uma consulta pública em andamento, uma oportunidade para ser aprimorado com sugestões da sociedade. 

A operação afeta a análise sobre a sustentabilidade da Oi? 
A leitura do mercado, que não será necessariamente da Anatel, é que a empresa tem como diferencial a capilaridade de sua rede. E que com aprimoramentos ópticos ou troca de cobre por fibra, potencializaria essa vantagem comparativa. A empresa seria mais focada em fibra, como diz o próprio plano estratégico divulgado pela Oi. Nesse sentido ela focaria o mercado de atacado, em fibra para o varejo e no mercado B2B. 

Não podemos esquecer do contexto que ainda envolve a Oi e se essa operação contribuiu para o soerguimento econômico financeiro da empresa. Isso pode também ser avaliado pela agência, mas não significa que a agência ditará os contornos do mercado. Mas também pode ser questionado por outras autoridades que acompanham esse processo, a começar pela principal delas que é o juízo da recuperação judicial. Portanto caso essa M&A seja apresentada, tem vários contornos a serem analisados. 

É realista que uma operadora se mantenha relevante sem operação móvel, seja pela demanda de mercado ou quando o até o PGMU tem obrigações de 4G? 
O mercado pode encontrar soluções e não cabe ao regulador dizer ao mercado o que é realista ou não. Tudo depende da orientação, da vocação da empresa. Vamos cumprir com nossas competências. É um processo complexo que não passa apenas pela Anatel, mas também pelo Cade. E evidentemente a Anatel não se furtará a prover o Cade com todos os insumos para uma decisão do órgão antitruste. 

Já tivemos muitas discussões sobre ser possível uma empresa regional sobreviver em um setor altamente intensivo em capital, e vários exemplos demonstram que sim. Se é possível ter empresas não verticalmente integradas, e temos empresas assim no mercado. Então o mercado acha suas soluções para viabilizar uma proposta. O que a gente tem que se preocupar é em garantir competição, garantir a continuidade dos serviços. 

Outra complexidade que traz essa análise é a própria existência de um PGMU, que ao meu ver tem questionamentos jurídicos, econômicos e técnicos. Jurídicos porque extrapola o objeto material da concessão. Técnicos porque a maior demanda, a maior necessidade, é de rede de transporte, não de acesso. E do ponto de vista econômico por razões que a área técnica [da Anatel] já enviou ao ministério [MCTIC], uma vez que os cálculos não consideraram o Opex de forma adequada, apenas o Capex. 

Hoje, independentemente do M&A já existem questionamentos de toda ordem sobre essa política pública. E a Anatel precisa garantir a implementação da política pública. Não quero dizer que é impossível, através de condicionamentos por exemplo, mas vamos precisar entender como a política pública se mantém na medida que a empresa não tem direito de uso de espectro, por exemplo. 

Fonte: Convergência Digital (11/03/2020)

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