quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Meu Bolso: Tesouro, Tesouro meu, existe alguém mais belo do que você?


Sempre que lhe trouxerem uma alternativa de investimento, antes de correr para aplicar, você necessariamente precisa compará-la com uma referência

O meu recado de hoje é um alerta para o investidor que, às vezes, pode se ver seduzido por ofertas que parecem atraentes à primeira vista, mas que podem não ser tão boas assim. Não significa que sejam necessariamente ruins, já adianto. Mas convém não ir com muita sede ao pote.

Para início de conversa, uma constatação. Embora seja crescente o número de pessoas investindo em ações no Brasil - temos tudo para ultrapassar neste mês de setembro a marca de 3 milhões de contas de pessoa física na bolsa - a parcela do patrimônio do brasileiro investida em renda variável é muito pequena por aqui. A renda fixa ainda tem, e provavelmente continuará tendo durante um bom tempo, peso preponderante na carteira de investimentos das pessoas.

Aliás, publicamos recentemente no Valor Investe que, em agosto, as aplicações como CDBs e LCIs e LCAs, além do próprio Tesouro Direto, voltaram a encabeçar a lista das mais procuradas pelos usuários da plataforma Yubb.

Diante da relevância do tema, e do momento atípico que estamos vivendo em termos de taxas de juros no Brasil, é sobre a renda fixa que falo hoje.

E o que vou dizer não é nenhum segredo para investidores profissionais. Mas acho que pode ajudar bastante aqueles que estão começando ou numa etapa intermediária.

E a recomendação é: sempre que lhe trouxerem uma alternativa de investimento, antes de correr para aplicar, você necessariamente precisa compará-la com uma referência, para saber quais os custos e quais os benefícios.

Meses ou anos atrás, quando os juros básicos no Brasil oscilavam naquela faixa “normal” para os brasileiros (e anormal para o resto do mundo), a gente acabava fazendo essa conta de uma forma meio intuitiva.

Quando a taxa Selic era de 10% ou 15% ao ano, a gente sabia mais ou menos qual era o nosso custo de oportunidade, ou, traduzindo, o mínimo que deveríamos aceitar de retorno em qualquer aplicação. Além disso, sabíamos sem precisa refletir muito que aplicações que rendessem 120% ou 130% do CDI, por exemplo, entregavam um retorno de alguns pontos percentuais ao ano como “prêmio” pelos custos e riscos assumidos.

Os juros em patamar historicamente alto facilitavam a conta e nos davam conforto de que, mesmo que fizesse um mau negócio, ainda assim seu retorno absoluto seria elevado. Era o paraíso dos rentistas e também dos maus alunos de matemática.

Hoje em dia há alguns complicômetros no processo. Para começar, o nosso hábito de olhar percentuais do CDI deixou de ser intuitivo - ou seja, aplicações que rendem 150% do CDI não são aquela coisa - e, se escolher errado, tem chance maior de ficar com um retorno absoluto não tão bom assim.

Além disso, o prazo das aplicações se tornou ainda mais relevante na decisão. Isso porque há um consenso de que a taxa Selic atual está substancialmente abaixo daquela que será a de equilíbrio. Como isso prenuncia aumentos da taxa básica, a “curva de juros” fica empinada (ver gráfico), com as aplicações de médio prazo oferecendo juros muito maiores do que as de curto prazo.

Nesse cenário, quando um banco oferece um CDB que rende 7% ou 8% ao ano, para uma Selic de 2% ao ano, isso pode parecer bastante tentador.

E é aí que chego ao título da coluna. Essas taxas prefixadas mais gordas aparecem em produtos de prazo maior. E em títulos sem liquidez antes do vencimento.

Por isso, minha sugestão é que o investidor faça sempre a comparação com o título do Tesouro Direto de característica semelhante e de prazo mais próximo, e não com a Selic. E que não olhe só a taxa.

Trazendo para a prática. Um CDB com prazo de cinco anos que remunere 7% ao ano paga mais que o triplo da Selic atual. Porém, quando se olha no Tesouro Direto, é possível verificar que o Tesouro Prefixado com vencimento em janeiro de 2026 renderá 6,5% ao ano para quem comprá-lo hoje e carregá-lo até o fim.

Ou seja, o prêmio de remuneração que o CDB oferece, em troca dos riscos que ele agrega, é de 0,5 ponto percentual ao ano, e não o triplo da Selic, como pode parecer.

Comparando então as outras características, além de o risco de crédito do governo ser inferior ao dos bancos que emitem CDBs nessas condições, existe a falta de liquidez do CDB. Isso porque você pode se desfazer do título do Tesouro a qualquer momento, e não apenas no vencimento.

Já no caso das ofertas de CDBs com múltiplos “elevados” do CDI, como 150% ou 160%, também chamo atenção para os prazos. Mas em sentido inverso. Muitas dessas ofertas são para produtos com vencimento curto, de poucos meses. Fazendo a conta, 50% sobre o CDI em três meses dá 0,25 ponto percentual bruto de retorno. Além de não resolver sua vida em termos de rentabilidade, isso vai te colocar nas maiores alíquotas de IR.

Não significa que seja necessariamente um mau negócio. Cabe a cada um avaliar seus interesses e horizontes de investimento. Mas a comparação deve ser sempre feita com título do Tesouro, e considerando os reais benefícios e custos.

Antes de finalizar, cabe lembrar ainda dos aspectos macroeconômicos que deveriam ser ponderados antes das decisões de investimento. Quem compra um título sem liquidez com retorno prefixado de 7% ou 8% ao ano está apostando que a Selic média deste período ficará abaixo desse nível.

Significa acreditar numa inflação comportada em torno de 3,5% ao ano, e numa taxa real entre 3,50% e 4% ao ano. Será que é um cenário de conto de fadas?

Fonte: Valor Investe (10/09/2020)

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