quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Educação Previdenciária: O equilíbrio atuarial nos planos dos fundos de pensão


Nesta série de artigos que estou publicando sobre Previdência Complementar, tratamos inicialmente do cálculo da contribuição face a certo objetivo de renda futura e posteriormente da renda complementar como função da contribuição, para depois calcular os requisitos de acumulação e finalmente mostrar a sensibilidade do valor acumulado a diferentes prazos e taxas de juros. O objetivo do conjunto de notas é mostrar ao leitor a importância da taxa de juros e enfatizar a necessidade de o país aprimorar a sua educação previdenciária, se quiser se preparar nos próximos 10 a 20 anos para um cenário de juros sensivelmente inferiores à taxa que vigorou, em média, nos primeiros 20 anos da estabilização. No "capítulo" de hoje, veremos como a alíquota de equilíbrio que iguala as contribuições (acrescidas dos respectivos rendimentos) ao recebimento de benefícios é afetada pela remuneração e pela trajetória da renda do indivíduo, além dos juros.

O exemplo utilizado na tabela é extraído de meu artigo em co-autoria com F. Vilhena, "Alíquotas de contribuição, identificação de riscos e restauração do equilíbrio financeiro em panos previdenciários", publicado na Revista Brasileira de Direito Previdenciário (janeiro 2012).

O que se pretende é enfatizar que o Brasil ainda não está, em sua plenitude, preparado para conviver de forma duradoura com um cenário de juros estruturalmente baixos com, por exemplo, uma Selic real de 2 % ao ano. Num país viciado em juros reais de "pelo menos 6 %", conviver com juros menores implica uma série de adaptações, que não são triviais de implementar.

Um exemplo simples dá uma ideia da natureza do desafio. Em todos os casos citados neste artigo, bem como no exercício que gera a tabela, adotou-se o seguinte conjunto de hipóteses: o indivíduo contribui durante 35 anos e se beneficia da renda complementar gerada pelos 12 depósitos mensais feitos a cada ano por um período posterior de 30 anos, o que corresponde, por exemplo, a uma pessoa começar aos 20 anos a fazer depósitos visando uma renda complementar futura, se aposentar aos 55 e receber até os 85 anos; a contribuição é reajustada a cada 12 meses em função do incremento salarial do indivíduo; a renda complementar é igual à última remuneração; e a renda complementar se mantém constante em termos reais ao longo do período de seu usufruto.

Imaginemos então, que o valor de referência da contribuição da pessoa se mantenha constante durante 35 anos. Nesse caso, se ele for de R$ 10.000 e a taxa de juros da economia for nula, a contribuição mensal teria que ser de nada menos que R$ 8.571,43, uma vez que esse valor, multiplicado por 35 x 12 = 420 meses, irá gerar um capital, ao final de 35 anos, de R$ 3,6 milhões, que permitirá á pessoa, ao longo de 30 x 12 = 360 meses restantes, receber a renda desejada de R$ 10.000/mês. Salta aos olhos a inviabilidade de alguém com uma renda de referência de R$ 10.000 ter que abrir mão de mais de R$ 8,5 mil para poupar para a sua aposentadoria. Entretanto, essa mesma aposentadoria complementar de R$ 10 mil exigiria um depósito mensal muito mais palatável, de R$ 1.235,24 se a taxa de juros real for de 6 %. Ou seja, o valor do depósito entre um exemplo e outro caiu nada menos que 86 %. A taxa de juros, no segundo caso, permite que a pessoa separe para a sua renda futura apenas 14 % do que teria que separar no primeiro caso.

Em outras palavras, poupar se torna bem mais fácil quando a taxa de juros "faz o trabalho da gente". Nos anos daquelas taxas de juros enormes que vigoraram durante mais de duas décadas no Brasil desde o começo da década de 90, os não tão jovens nos acostumamos a ver amigos mais velhos se aposentar com a renda das suas aplicações em algum fundo de pensão, sem ter tido que contribuir com frações muito elevadas do seu salário na vida ativa e conservando o padrão de renda e de consumo. Essa combinação não será mais possível se a taxa de juros de longo prazo cair no Brasil e ficar em níveis baixos durante décadas - e não apenas por poucos meses.

O desafio se torna maior se, além disso, os salários crescerem. Convido o leitor a olhar a tabela. Com juros de 6 % e sem aumento salarial, a alíquota de equilíbrio é de 12 %. Já se o salário aumentar 2 % ao ano e a taxa de juros cair para 4 %, a alíquota de equilíbrio aumenta para 36 %. Mesmo que o empregador pague metade, os números impressionam. É bom se preparar para esse dia.

Fonte: Valor (10/12/2014)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

"Este blog não se responsabiliza pelos comentários emitidos pelos leitores, mesmo anônimos, e DESTACAMOS que os IPs de origem dos possíveis comentários OFENSIVOS ficam disponíveis nos servidores do Google/ Blogger para eventuais demandas judiciais ou policiais".