A decisão inicial do Supremo Tribunal Federal (STF) no último dia 26 de
outubro que, por maioria de 7 a 4, determinou a inviabilidade da
desaposentação, foi um duro golpe para os aposentados que retomam ao
mercado de trabalho e, obrigatoriamente, contribuem para o Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS). Na visão dos especialistas em Direito
Previdenciário, os processos que estão em curso no Judiciário
requisitando o recálculo dificilmente terão êxito. Entretanto, aqueles
já obtiveram a vitória na Justiça e estão recebendo o novo valor não
terão os benefícios reduzidos até 2017.
A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, afirmou
na última quinta-feira (27) que situações pendentes sobre a
desaposentação – como a de aposentados que já obtiveram benefícios mais
vantajosos na Justiça com base em novas contribuições – deverão ser
resolvidas posteriormente, com a apresentação de recursos ao próprio
tribunal, por exemplo.
O professor e autor de obras de Direito Previdenciário Marco Aurélio Serau Junior
explica que o Supremo deve publicar um acórdão – sentença que consolida
a decisão – e também analisar os recursos das partes envolvidas, que
podem apresentar os chamados embargos de declaração, destinados a
solucionar omissões, contradições ou obscuridades da decisão.
Isso porque o ministro Ricardo Lewandowski questionou sobre as
situações pendentes, como a de pessoas que desaposentaram com decisões
judiciais transitadas em julgado (sem possibilidade de recursos);
pessoas desaposentadas com decisões liminares (provisórias) ou outras
com processos ainda em tramitação.
“A ausência de decisão final do Supremo deixa uma lacuna não preenchida
e dúvidas para aqueles que já recebem a desaposentação. Foi mais uma
infelicidade do tribunal. Agora, somente após os julgamentos dos
embargos é que saberemos qual será o futuro daqueles que já recebem o
novo benefício”, afirma o professor.
O prazo para a publicação do acórdão e o julgamento dos embargos podem
demorar até mais de seis meses, segundo os especialistas. A publicação
do acórdão deve ocorrer somente no ano que vem, pois o prazo regimental
para publicação deste é 60 dias, mas não há contagem de prazo durante o
recesso de dezembro e janeiro. E apenas após a publicação é que as
partes envolvidas no processo poderão interpor os embargos.
Até esta decisão final, os aposentados que já recebem os benefícios
como valor mais vantajoso fruto da desaposentção não terão qualquer tipo
de mudança no seu rendimento mensal. O advogado João Badari, sócio do escritório Aith Badari e Luchin Advogados,
esclarece que temporariamente nada muda para aqueles que obtiveram
vitórias na Justiça. “O aposentado que já recebe pode ficar tranquilo
neste momento. A decisão final sobre qualquer tipo de alteração no
benefício ficará para 2017”, explica.
Badari também ressalta que a possibilidade levantada pela
Advocacia-Geral da União (AGU) do Instituto Nacional do Seguro Social
requisitar o ressarcimento dos valores só será realmente efetivada após a
decisão final do processo.
A AGU, que representou o INSS na ação que foi julgada pelo Supremo,
afirmou que é necessário aguardar a publicação do acórdão antes de
qualquer interpretação da decisão, seja em relação à suspensão dos novos
benefícios ou aos valores já pagos pelos aposentados que obtiveram
vitórias na Justiça de todo o país. A instituição, porém, destaca que,
pelo Novo Código do Processo Civil, os juízes e os tribunais deverão
observar a decisão do STF, que tem repercussão geral (ou seja, vale para
todas as instâncias judiciais), para revogarem liminares ou reformarem
acórdãos.
João Badari ressalta que dificilmente o INSS conseguirá reverter as
decisões que transitaram em julgado na Justiça, principalmente aqueles
que já foram determinadas há mais de dois anos. “Nos processos
transitados em julgado, ou seja, aqueles que não cabem mais recurso,
será difícil o INSS conseguir pedir a devolução, pois não cabe mais a
ação rescisória. Essa regra vale para as ações transitadas em julgado
nos tribunais do Juizado Especial Federal (JEF) e também para os casos
transitados em julgado há mais de dois anos em qualquer tribunal do
país”, alerta.
Carlos Ortiz, presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi),
reforça que a luta jurídica daqueles que já recebem o benefício não
terminará com a decisão do STF. “O benefício previdenciário tem caráter
alimentar, ou seja, o aposentado utiliza esse dinheiro para sua
sobrevivência; então dificilmente o INSS conseguirá na Justiça qualquer
tipo de ressarcimento. E essa discussão poderá render novas batalhas
jurídicas”, avalia.
Corte Interamericana
De acordo com o Ortiz, o sindicato apelará para a Corte Interamericana
de Direitos Humanos para intervir contra a decisão do Supremo. “Foi uma
decisão vergonhosa e que prejudica diretamente milhares de aposentados
brasileiros. Nos próximos dias vamos denunciar o fato à Corte
Interamericana, pois a decisão do STF foi apenas política e não levou
consideração o mérito da questão, que é a contraprestação justa que o
aposentado que está na ativa tem direito por contribuir por tantos anos
para o INSS”, afirma.
Para o advogado Gustavo Ramos, do escritório Roberto Caldas, Mauro Menezes & Advogados a
decisão pode ser traduzida “num enriquecimento indevido do Estado, já
que se beneficiará de contribuições sem a contrapartida a que se refere o
texto constitucional”.
Gustavo Ramos observa que a realidade brasileira é que os que se
aposentam voltam ao mercado de trabalho justamente pela indignidade do
valor da aposentadoria do INSS. “E agora terão não apenas que adiar o
sonho de se aposentar, se aprovadas as regras da imoral PEC 241, como
também terão que contribuir com o sistema sem ter retribuição. E pode
contribuir para o pretendido desmonte do sistema público de previdência
social, de modo a que muitos migrem para o sistema de previdência
privada dos bancos”.
O advogado Murilo Aith, sócio do Aith, Badari e Luchin Advogados,
também concorda com a avaliação do presidente do Sindnapi de que foi um
julgamento que envolveu, principalmente, questões políticas e
econômicas paralelas à questão central, que é a Justiça Social para o
aposentado brasileiro. “A maioria dos ministros do STF baseou seus votos
por números que apontam um falso déficit da Previdência Social. Uma
verdadeira falácia política”, pontua.
Segundo o especialista, estudos da Associação Nacional dos Auditores
Ficais da Receita Federal (Anfip), reforçados pela tese defendida pela
economista e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Denise Gentil, revelam que é falso o discurso de que a previdência no
Brasil é deficitária. “Não existe rombo nas contas da Previdência Social
brasileira. Pelo contrário, diversos estudos indicam que o sistema
previdenciário atual é superavitário. Então, não é válida essa
informação do governo que foi utilizada por todos os ministros que
votaram contra a desaposentação na Corte Superior. Denise Gentil
demonstra, ao lado da Anfip, que as receitas da Previdência Social
superam os gastos desde 2007”, revela o advogado.
O Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) apresentou um
estudo sobre a viabilidade financeira e atuarial da desaposentação para
os aposentados que continuam a trabalhar e contribuir. A entidade também
contestou os números trazidos pelo INSS sobre o impacto financeiro da
matéria para os cofres da Previdência Social – que poderiam chegar a R$
181,8 bilhões nos próximos 30 anos – e alega que tais valores não
condizem com a realidade.
“Os números apresentados pelo INSS levam em consideração a hipótese de
todas as pessoas que permaneceram trabalhando tenham desaposentação
vantajosa e que passem a receber o teto, o que não confere com a
realidade. Além disso, o impacto de R$ 6 bilhões ao ano não é
significativo; representa 1,53% do que a Previdência gasta anualmente
com benefícios e só vai pedir a troca quem contribuiu depois de
aposentado”, aponta Jane Berwanger, presidente do IBDP.
Congresso
Apesar da tese da desaposentação ter sido fulminada pela decisão da
maioria dos ministros do STF, a troca de aposentadoria pode ter um novo
caminho no Congresso Nacional. Os especialistas acreditam que deputados e
senadores poderão, em breve, reavaliar a possibilidade de que os
aposentados que estão no mercado de trabalho possam ter um benefício
melhor.
Carlos Ortiz lembra que no final de 2015 a desaposentação havia sido
aprovada pelo Congresso, mas foi vetada pela ex-presidente Dilma
Rousseff. Ela vetou a possibilidade do recálculo do benefício ao
sancionar a Lei 13.183/2015, que institui a Fórmula 85/95 para as novas
aposentadoria, que varia progressivamente de acordo com a expectativa de
vida da população. “Vamos unir nossas forças para pressionar o
Congresso para corrigir este erro cometido pelo Supremo com os
trabalhadores e aposentados do país”, diz o presidente do Sindnapi.
João Badari observa que a maioria dos ministros do Supremo citou que
não existe nenhuma lei prevendo a desaposentação e “passaram a bola”
para o Legislativo. “Agora é o momento de se mobilizar para conseguir
uma saída para a desaposentação no Congresso. O importante é conseguir
uma vida mais digna para o aposentado brasileiro, seja via Judiciário ou
Legislativo”, conclui.
Fonte: PrevTotal (31/10/2016)
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