Fórum sobre moradia para idosos promovido pelo 'Estadão' discutiu qualidade de vida da terceira idade
A humanidade vem superando obstáculos e evoluiu para uma vida mais saudável e longeva. Esse aumento da expectativa de vida está forçando a quebra de paradigmas. O primeiro deles, pilar para a construção dessa sociedade mais inclusiva, é o de moradia. Os idosos do mundo todo querem independência da família para tomar a decisão de morarem sozinhos ou em grupos.
As implicações sociais, estruturais e econômicas de uma sociedade mais sênior pautaram a primeira edição do Fórum de Moradia para Longevidade, evento organizado pelo Estado em parceria com o Sindicato da Habitação (Secovi) e a Aging Free Fair, feira sobre o mercado para a terceira idade.
Todos os gargalos e possíveis soluções para a criação de modelos de moradias que atendam as necessidades do idoso foram largamente discutidos por especialistas e profissionais, da esfera público e privada, num encontro que reuniu centenas de pessoas em São Paulo.
A importância do debate sobre habitação para a terceira idade tem respaldo da ONU. Em 2050, segundo projeções da organização, o número global de idosos chegará a 2 bilhões de pessoas, o que representará 22% dos indivíduos - marca que vai superar o número total de menores de 15 anos.
O Brasil não escapa desse cenário. A população madura do País representava 22,3 milhões de pessoas quando a última pesquisa IBGE sobre o tema foi publicada, em 2011.
As projeções e estatísticas endossam a necessidade ampliar as discussões , os debates e as ações relativas a inclusão dos futuros idosos em um planeta cada vez mais populoso, sem tempo e tecnológico.
"Tem namoro, tem fofoca, tem senhoras competindo para saber quem está mais elegante, mas isso é vida, é melhor do que ficar em casa com a cuidadora.Nos anos 70, as 10 maiores cidades do mundo somavam 114 milhões de pessoas. Em 2025, abrigarão 234 milhões. Até lá, segundo um estudo da consultoria McKinsey, mais de 130 centros urbanos vão se tornar megacidades (aquelas com mais de 10 milhões de habitantes). O envelhecimento da população e a expansão das megalópoles está multiplicando os problemas da sociedade. Por outro lado, esse contingente sênior, concentrado em grande maioria em centros urbanos, tem muito a contribuir.
Ricardo Soares, da Brazil Senior Living"
Os habitantes também parecem ser uma fonte de ideias inovadoras para melhorar a qualidade de vida. A paisagem urbana, assim como a forma que a sociedade lida com a velhice, tende a mudar. Alternativas sustentáveise inclusivas, já são realidade, inclusive no Brasil.
"Quem não tiver estratégia para o seu envelhecimento vai fazer parte da estratégia de alguém.Grupo quer criar lar coletivo em SP para idosos envelhecerem juntos
Sérgio Mühlen, professor da Universidade de Campinas e membro da Associação da Vila Conviver"
Modelo de cohousing surgiu na Dinamarca e se disseminou nos Estados Unidos e no Canadá
“Era a última coisa que ela queria”, recorda Sérgio Mühlen, de 61 anos. Professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ele lembra quando uma ex-colega teve de se mudar para uma casa de repouso após ficar doente. Aí percebeu a necessidade de planejar a vida como aposentado. “Será que não tem uma opção melhor para oferecer? Porque em breve isso vai se repetir com todos nós”, indagou na época.
Há cerca de um ano e meio, ele diz ter encontrado solução no modelo de cohousing - vila comunitária que reúne espaços de compartilhamento de experiências. O modelo surgiu na Dinamarca e se disseminou nos Estados Unidos e Canadá. Com isso, juntou-se ao grupo de trabalho do Vila ConViver, que estuda implementar um cohousing em área de ao menos 20 mil m² no subúrbio de Campinas. O local vai abrigar, principalmente, professores aposentados da Unicamp.
“Será uma comunidade sênior solidária, de apoio mútuo”, disse Mühlen, em painel no 1.º Fórum de Moradia Para a Longevidade, correalizado nesta quinta-feira, 9, pelo Estado em parceria com o Sindicato da Habitação (Secovi) e a Aging Free Fair, feira sobre o mercado para a terceira idade. O evento teve palestrantes do setor público e privado. “Quem não tiver estratégia para o seu envelhecimento vai fazer parte da estratégia de alguém. Não preciso morar em ‘cohousing’ agora, faço escolhas completamente independentes, mas não posso deixar para decidir quando não for mais o homem que sou hoje”, explica.
Cerca de 70 pessoas participam do projeto, costurado há três anos. O custo será de cerca de R$ 400 mil por unidade, com pagamento mensal de R$ 3,5 mil. Todas as decisões serão tomadas em conjunto. “Não somos um condomínio, nossos valores não são em metros quadrados”, diz sobre a proposta, que venderá cotas em vez de títulos de propriedade e terá todas as decisões definidas em conjunto.
Com um estatuto recentemente criado, o grupo pretende formalizar juridicamente como associação de moradores ainda neste ano, que será a proprietária do imóvel. “Ainda é preliminar, estamos na iminência de comprar um terreno”, explica.
O ponto-chave do projeto é o convívio social e o apoio mútuo. Por isso, o professor utiliza o termo “comunidade residencial intencional”. São realizadas reuniões em que os participantes são divididos em grupos para discutir temas diversos, sinalizados com um crachá apenas com o primeiro nome. “Diferentemente de um condomínio, onde você escolhe a casa, a moradia, o preço e as facilidades, e depois vai conhecer o vizinho, a gente faz o oposto: vamos escolher os vizinhos, as pessoas que estão alinhadas com os nossos valores”, compara.
Exemplos no exterior. Também no Fórum Moradia Para a Longevidade, a arquiteta Laura Fitch fez um panorama sobre o “cohousing” na Europa e na América do Norte, onde participou da implantação de 30.
Segundo ela, fundadora da Fitch Architecture & Community Design, há cerca de 130 propriedades norte-americanas nesse modelo - que é multigeracional, mas também tem exemplos focados apenas para idosos. No caso da comunidade em que Laura vive, em Massachusetts, nos Estados Unidos, os moradores são divididos em quatro grupos, com responsabilidades específicas. “É uma escolha, mas não é uma solução”, reitera.
Laura comenta que as comunidades funcionam fora do individualismo contemporâneo, pois se constituem em um modo de vida cooperativo, que vai além da lógica de emprestar o café. Como exemplo, ela cita o caso de uma vizinha que gostava muito de animais, com a qual os demais costumavam deixar seus cães quando viajavam. Da mesma forma, outro morador que gosta de carpintaria ensinou técnicas para um menino da comunidade. Tudo sem envolver qualquer tipo de interação financeira.
Público
No evento, foram discutidos ainda outros modelos de habitação para idosos. O secretário estadual de Habitação de São Paulo, Rodrigo Garcia, o secretário municipal de Habitação, Fernando Chucre, e o governador da Paraíba, Ricardo Coutinho, apresentaram exemplos de projetos de moradia popular voltados especialmente para o público sênior - a exemplo do Condomínio Cidade Madura, de João Pessoa.
No campo privado, também foram apresentados modelos residenciais para idosos, como as unidades da Brazil Senior Living, que tem 800 residentes e pacientes em São Paulo e Barueri. “Tem namoro, tem fofoca, tem senhoras competindo para saber quem está mais elegante, mas isso é vida, é melhor do que ficar em casa com a cuidadora, vendo televisão”, defende Ricardo Soares, presidente da empresa.
“Os modelos de condomínios podem atingir parcela maior dessa população (mais velha), pois é mais tradicional, em que a administração está sob responsabilidade de empresas”, disse Edgar Werblowsky, criador da Aging Free Fair, referência no debate sobre o tema. “Já o modelo de cohousing é para uma geração mais aberta e interessada em dividir a vida com amigos, por exemplo.”
Para gestores públicos, é preciso mais atenção para essa nova realidade demográfica. “O esforço é grande, mas os passos ainda são muito pequenos nessa direção”, afirma o Garcia. Segundo Chucre, iniciativas dessa área têm especificidades. “Os projetos para idosos precisam de adaptações e não podem ser implementados em todos os locais, por causa da acessibilidade principalmente.”
Fonte: Estadão (14/11/2017)
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