Não é segredo que as empresas privadas de telecom, especialmente as grandes operadoras e as operadoras de satélite, nunca concordaram com a recriação da Telebras, em 2010, muito menos com a significativa ampliação da atuação da estatal na disputa do mercado governamental nos últimos três anos.
Por esta razão, a sinalização da área econômica do governo Bolsonaro de que privatizará a maior parte das estatais estimulou as teles a convencer o governo de que a Telebras deveria ter o mesmo destino.
Segundo apurou este noticiário, já há inclusive uma proposta sugerida pelo mercado à área econômica: as redes terrestres seriam vendidas/privatizadas; o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações (SGDC) seria transferido para a Defesa, que o operaria e controlaria, assegurando a banda X para os serviços de Defesa e a soberania operacional do SGDC; e, ao mesmo tempo, a capacidade em banda Ka seria licitada (como aconteceu em 2017), partindo-se das mesmas condições atualmente negociadas com a Viasat, cabendo ao vencedor prestar atendimento ao programa Internet para Todos.
A proposta está baseada, conforme os documentos entregues ao governo e aos quais este noticiário teve acesso, em uma detalhada análise financeira e jurídica da estatal. Do ponto de vista econômico, a alegação das empresas privadas é que a Telebras, desde que foi recriada, tem acumulado prejuízos anualmente, que já ultrapassam R$ 1 bilhão no período de 2010 a 2017.
Houve também, em quase todos os anos desde a recriação da empresa, aumento dos custos operacionais sempre acima do crescimento de receitas (só o custo com pessoal seria superior à receita da estatal, descreve o documento). Também a capacidade de investimentos da estatal é extremamente reduzida, sendo que nos últimos anos mais de 80% do investimento estatal tem sido concentrado no SGDC, apontam as teles.
Excluindo este gasto, a estatal conseguiu investir, entre 2010 e 2017, R$ 669 milhões, enquanto o setor privado investiu no mesmo período, R$ 214 bilhões. Com o SGDC o investimento da Telebras foi de R$ 2,5 bilhões desde 2010, isso porque o satélite custou pelo menos o dobro do que normalmente custa ao setor privado. Confira abaixo alguns gráficos apresentados pelo mercado ao governo sobre os números da Telebras:
Receitas vs. despesas
Prejuízo anual
Investimentos da Telebras vs. setor privado
Do ponto de vista jurídico, a argumentação repete boa parte daquilo que foi apresentado tanto pelo SindiTelebrasil quanto pelo Sindisat nas ações judiciais movidas pelas entidades patronais contra os contratos governamentais da estatal e contra o acordo com a Viasat. Mas é importante lembrar que, até aqui, a Telebras conseguiu ver seus argumentos prevalecerem tanto junto ao Supremo quanto em relação ao Tribunal de Contas da União.
A novidade é que, ao apresentarem suas teses para a área econômica do governo, as empresas de telecomunicações estão apontando supostas ilegalidades que teriam sido mantidas inclusive pelo recente Decreto de Políticas de Telecomunicações editado no final do governo Temer (Decreto 9.612/2018), especialmente em relação às atribuições dadas à Telebras de atender ao Programa Nacional de Banda Larga (PNBL) e operação das redes governamentais. Conforme esta análise jurídica, argumentam, estas atribuições não poderiam ter sido estabelecido em decreto, mas apenas por lei. Além de sugerirem um modelo de venda da Telebras ou a extinção da empresa, as operadoras pedem expressamente a revogação do artigo 12 do Decreto de Políticas de Telecomunicações e apontam que o melhor caminho para o governo seria o de criar um ambiente competitivo e com oportunidades de investimentos privados.
Vantagens e condições
As teles apresentam ainda um outro argumento para a área econômica: o de que o setor privado atendeu ao governo desde a privatização de forma eficiente e com segurança, e que os contratos ganhos pela Telebras com órgãos públicos sem a necessidade de licitação acabaram saindo mais caros e com menor qualidade para o governo.
Além disso, os requisitos de segurança que sempre foram utilizados para defender a atuação da estatal acabaram não se confirmando, pois sem capilaridade e capacidade de rede para atender todo o Brasil, a Telebras muitas vezes precisava recorrer a acordos com as próprias empresas privadas para atender aos contratos governamentais, dizem elas. Nas políticas públicas que a Telebras atende, as teles entendem que seria possível estabelecer modelos de parcerias com a iniciativa privada.
Linhas de defesa
Procurada, a Telebras disse que não comenta assuntos que estão sob a responsabilidade do Ministério da Economia, como uma eventual privatização da empresa. Mas nos bastidores sabe-se que desde a transição a estatal tem armado linhas de defesa contra uma eventual privatização.
A primeira delas está na diretoria, composta hoje majoritariamente por ex-militares, o que aproxima muito a Telebras da Defesa e de setores do governo que entendem que a estatal tem um papel estratégico. A outra linha de blindagem da Telebras é mostrar ao governo uma melhora nos resultados e sinalizar a área econômica com a sustentabilidade da empresa no curto prazo. O balanço da Telebras referente a 2018 deve sair esta semana, mas certamente indicará aumento das receitas, melhoria da margem e redução no ritmo de crescimento dos custos em relação às receitas. Os números refletem os contratos que a Telebras começou a executar em 2018, como o programa GESAC do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.
As ações da empresa junto à área de fronteira com a Venezuela ou em calamidades como em Brumadinho também pesam a favor na argumentação de que a Telebras é estratégica, assim como o atendimento ao programa Internet para Todos em localidades sem conexão. A resposta que a Telebras encaminhou ao Supremo para rebater as críticas que o Ministério Público Federal fez ao acordo com a Viasat vão todos nessa linha. Outro argumento é o próprio contrato com a operadora satelital norte-americana, que tem sido, até aqui, validado juridicamente e que, se rompido, poderia ser uma sinalização ruim do Brasil ao mercado estrangeiro, sobretudo aos EUA, onde a Viasat é importante fornecedora do governo.
O acordo com a Viasat, essencial para que a Telebras possa entregar seus serviços via SGDC, tem tido a sua implementação atrasada por conta das disputas na Justiça e na esfera do Tribunal de Contas da União. A expectativa é que em 2019 a estatal, além de expandir o seu atendimento aos órgãos de governo, já pudesse começar a ver algum retorno também da atuação da Viasat junto ao setor privado (como comunicações embarcadas ou banda larga residencial), uma vez que o contrato entre as empresas prevê modelos de revenue-sharing. Mas com os sucessivos atrasos e com a incerteza jurídica que pairou sobre o acordo até aqui, não se sabe se a Viasat irá este ano além das obrigações de atendimento ao GESAC ou, no máximo, ao Internet para Todos. Lembrando que o Tribunal de Contas da União ainda não validou os termos do novo acordo celebrado entre a estatal brasileira e a Viasat, entregue em fevereiro. A boa notícia para a Telebras é que, ao que tudo indica, as condições deste contrato ficaram mais favoráveis a ela na relação com os norte-americanos.
Desafios imediatos
Mas a Telebras tem desafios em 2019 que vão além da pressão das teles privadas para uma privatização. O maior deles é a falta do Decreto 8.135/2013, revogado nos últimos dias do governo Temer para surpresa da Estatal. Este decreto é que dava a ela a prerrogativa de fornecer ao governo sem ter que disputar com outros players privados. O MCTIC ainda tenta encontrar uma forma de reeditar pelo menos uma parte do decreto, para devolver à Telebras a condição de buscar clientes sem precisar passar por processos de licitação. Este ano, sem o decreto, a estatal tem deixado de participar de algumas contratações públicas, em alguns casos porque, sendo uma empresa deficitária, não atingia com os números registrados até 2017 os índices financeiros necessários para entrar nos certames. Isso pode mudar com o balanço de 2018 publicado.
A Anatel foi um exemplo. A agência reguladora das telecomunicações fechou recentemente com um novo fornecedor para a sua rede de banda larga dedicada às unidades de fiscalização, a Embratel, que era a provedora de capacidade para a agência até ser substituída pela Telebras. No setor privado, o que se ouve é que muitos órgãos públicos em fase de escolha de fornecedores estão tentando aproveitar a janela sem o Decreto 8.135 para realizar licitações e conseguir contratos mais vantajosos. O mercado de comunicações governamentais de órgãos federais já foi estimado pela Telebras em audiências públicas em cerca de R$ 5 bilhões ao ano. O mercado fala em bem menos do que isso.
Fonte: TeleTime (14/03/2019)
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