Quantidade de entidades e planos é muito grande e efetivamente precisam de uma atenção especial
Os números são superlativos. Eis alguns: 274 fundos de pensão fechados; 8 milhões de brasileiros impactados; R$ 1,3 tri em ativos totais (11,3% do PIB brasileiro); R$ 104 bi em pagamentos de benefícios previdenciários; quase R$ 65 bilhões de contribuições arrecadadas e 4.009 empresas e instituições patrocinadoras. Esses são os números das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC), popularmente conhecidos como fundos de pensão, expostas no site da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp). Efetivamente precisam de uma atenção especial. No mundo todo é assim!
São entidades organizadas por empresas específicas, que buscam garantir aos seus empregados uma complementação de seus benefícios de aposentadoria. Essa garantia é assegurada através de uma contribuição mensal do empregado e, em regra, na mesma proporção, do empregador. Esse volume de recursos arrecadados precisa ser gerido de tal forma que garanta, na forma de renda, uma aposentadoria digna ao participante do plano.
Por obvio, à medida que a expectativa de vida cresce, a responsabilidade com esses recursos arrecadados aumenta. Afinal, podemos chegar, como efetivamente já existe em alguns planos de benefício, em uma situação de termos mais aposentados do que ativos. Basta reparar o que está acontecendo no Brasil: em 43 anos, a expectativa de vida aumentou de 62,5 (1980) para 76,4 anos (2023). Nesse sentido, investir diversificadamente pode tornar essa poupança rentável e fazer do ativo um seguro para o futuro.
Outro aspecto importante a observar é que esses recursos, distribuídos ao longo do tempo, formam uma poupança interna no país muito relevante. Assim, pode-se manejá-lo como auxílio no desenvolvimento da nação ajudando no crescimento econômico e na melhora de condições de vida do seu povo.
Essa introdução, simplificadamente, objetivou adentrar em duas decisões tomadas na semana passada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e pelo Tribunal de Contas da União (TCU) que incidem diretamente na vida das Entidades acima descritas (Entidades Fechadas de Previdência Complementar – EFPC).
O CMN através da Resolução 5.202/24, de 27 de março de 2025, definiu novas regras de investimentos para as EFPC. O TCU, por seu turno, publicou a IN (Instrução Normativa) nº 99, de 26 de março de 2025, que sistematiza a atuação do tribunal em matéria de fiscalização de operações com valores mobiliários e do equacionamento financeiro de déficits atuariais nas EFPC patrocinadas por entidades federais.
O conselho monetário retirou uma obrigação esdruxula que obrigava os fundos de pensão a venderem seus ativos imobiliários até 2030. Também avançou oferecendo outras possibilidades de investimento em novos ativos, entre eles, o fundo de investimento em cadeias produtivas agroindustriais; em transição energética como o crédito de descarbonização e o próprio crédito de carbono. Claro que são postos limites nesses investimentos e outras condições para acesso.
Relevante a expectação dos fundos nas aplicações em debêntures de infraestrutura com base na Lei 14.801/2024. A Previc, órgão responsável por orientar, supervisionar e fiscalizar as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) normatizará, naquilo que lhe incumbir essas novas ordens. Fica para um próximo trabalho uma análise mais aprofundada sobre as consequências dessas mudanças expedidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
No caso da Instrução Normativa (IN) do TCU, pode-se dizer que houve avanço, mas que o diálogo entre a Corte de Contas, o órgão regulador (Previc), os patrocinadores e as entidades devem continuar. Esse diálogo deve objetivar a busca de uma atuação forte do TCU na fiscalização das EFPC, mas necessariamente compatibilizando com a harmonia da supervisão da Previc. Afinal, essa autarquia foi criada em 2009 (Lei 12.154 de 23/12/2009) exatamente para atuar “como entidade de fiscalização e de supervisão das atividades das entidades fechadas de previdência complementar e de execução das políticas para o regime de previdência complementar operado pelas entidades fechadas de previdência complementar, observadas as disposições constitucionais e legais aplicáveis”. E foi buscando atender esse escopo que o TCU deu esse passo importante.
É bem verdade que episódios passados envolvendo EFPCs legaram uma sensação de que o sistema de controle e fiscalização não se demonstra seguro. No entanto, essa ideia deve ceder espaço à realidade atual, que aponta noutro sentido. Nos seus quase 48 anos de existência, as EFPC têm se modernizado sob regramentos legais, constitucionais e sancionatórios; tem-se criado estruturas de governanças e política de compliance rigorosos; tem-se adotado práticas transparentes, tornando suas ferramentas dinâmicas de modo a cooperar com a construção do futuro para milhões de trabalhadores.
O TCU e a Instrução Normativa 99
Adota-se a partir daqui, uma análise mais vertical sobre como se dará a atuação do Tribunal de Contas da União (TCU) na fiscalização de Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) após a aprovação da Instrução Normativa (IN – TCU Nº 99, de 26 de março de 2025) pelo Acórdão nº 627/2025 – TCU – Plenário, no dia 26/3/2025, o qual, especificamente, dispõe sobre a fiscalização de valores mobiliários e sobre o equacionamento financeiro de déficits atuariais nas EFPC patrocinadas por entidades federais.
O Relatório (Acordão 627/2025 – TCU) afirma, com o cuidado devido, que “O TCU não possui competência para atuar como fiscalizador dos mercados bancário, de capitais e de previdência complementar, nem mesmo em um controle de segunda ordem.” Estabelece, por sua vez, que a sua atuação com valores mobiliários decorre de sua competência fiscalizatória constitucional, a qual alcança qualquer pessoa que, entre outros, gerencie ou administre valores públicos pelos quais a União responda. Veja: “deflui também o argumento de que o aporte de recursos (públicos) pelo patrocinador atrai competência da fiel e boa aplicação do todo. Existe um múnus público das EFPC ao aplicar esses dinheiros do ente público, praticando uma atividade igualmente de interesse coletivo”.
Previamente à aprovação dessa Instrução Normativa, a atuação do TCU sobre as EFPC patrocinadas por órgãos ou entidades da administração federal era embasada no fato dos recursos que integram as contas individuais de seus participantes serem considerados de caráter público, cabendo a ele a fiscalização direta ou indireta. Tal entendimento foi exarado nos Acórdãos 573/2006, 2.938/2011, 2.232/2011, 333/2012 e 3.133/2012, todos do Plenário-TCU.
Agora, a instrução normativa inova ao estabelecer de forma diversa, que a atuação da corte em EFPC decorre de sua competência fiscalizatória constitucional, a qual alcança qualquer pessoa que, entre outros, gerencie ou administre valores públicos pelos quais a União responda. Para tanto, é citado, como fundamento, o artigo 21 da Lei Complementar 109, de 2001, o qual regra o processo de equacionamento de resultados deficitários.
Fixa, a partir dessa decisão (março/2025) uma alteração de fundamento técnico que embasa a competência fiscalizatória da Corte de Contas, a qual ensejaria importante repercussão no alcance de sua jurisdição. Parece-me, em suma, que a sua competência (do TCU) não abarcaria planos de contribuição definida, haja vista a União não responder por eventuais desequilíbrios financeiros/atuariais, conforme disposto no citado artigo 21. Logo, a atuação da Corte de Contas ficaria restrita exclusivamente a planos de benefício definido ou, de forma parcial, aos de contribuição variável. Desse modo, como exemplo, futuras auditorias na Funpresp-EXE, como a citada acima (TC 035.437/2020-0), poderiam ser questionadas. Corrobora com essa interpretação a afirmativa do ministro relator Benjamim Zymler exposta no parágrafo dois desse capítulo.
Noutra passagem, o relatório assevera que o TCU não vislumbra uma relação de precedência entre os órgãos supervisores e a Corte de Contas em relação à fiscalização dos recursos públicos utilizados em operações com valores mobiliários. O que se evidencia é que cada órgão tem suas competências específicas e deve atuar de forma complementar na fiscalização de tais recursos, aqueles cuidando da higidez do sistema de previdência complementar e o TCU da boa gestão da coisa pública. Confira: “De início, cumpre esclarecer a inexistência de relação de precedência entre as fiscalizações de competência dos órgãos supervisores do Sistema Financeiro Nacional e as fiscalizações a cargo do TCU relacionadas a operações com valores mobiliários, não havendo, pois, uma definição de competências de primeira e segunda ordem”. E “os órgãos supervisores tenderiam a aprovar operações que reduzem o risco sistêmico e mantêm a higidez do sistema, ao passo que o TCU buscaria impugnar tais ajustes, em proteção ao erário federal”.
Vale lembrar que a partir de 2019, a atuação fiscalizatória do TCU em EFPC aumentou, exigindo a criação de uma unidade técnica de dedicação exclusiva a essa temática dentro da estrutura da Secretaria de Controle Externo do Sistema Financeiro Nacional e dos Fundos de Pensão (SecexFinanças), conforme Portaria Segecex 6/2019. Diversos trabalhos fiscalizatórios foram instaurados, entre eles:
– TC 015.000/2019-2 (auditoria que teve por objetivo avaliar os controles internos dos fundos de pensão);
– TC 035.437/2020-0 (representação acerca de irregularidades na gestão da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo);
– TC 045.032/2020-3 (levantamento sobre a capacidade de prevenção dos fundos de pensão, com patrocínio predominante federal, à ocorrência de riscos de fraude e de corrupção).
Não obstante, em abril de 2024, ao término da sessão de julgamento do processo TC 036.606/2018-9, o presidente do TCU à época, Bruno Dantas, trouxe ao Plenário uma ponderação sobre a atuação mais adequada da Corte no acompanhamento de operações vinculadas ao mercado de capitais. Tomou como espeque para essa ponderação a existência de entidades e órgãos reguladores especializados, com atribuições legais definidas para regular e fiscalizar esse setor. Questionou ao final se o tribunal deveria concentrar seus esforços no controle da atuação desses reguladores.
O ministro Bruno Dantas, inspirado no modelo de fiscalização exercido sobre as agências reguladoras de serviços públicos, sugeriu que o TCU deveria, prioritariamente, analisar a eficácia da supervisão realizada pelos órgãos reguladores do mercado financeiro, em vez de se envolver diretamente na avaliação de preços de ativos, estratégias societárias ou nos riscos típicos das dinâmicas do mercado de capitais. Análises que entendia que o tribunal não apresentava a expertise apropriada.
Em face da citada ponderação da Presidência do TCU, foi instituído Grupo de Trabalho com vistas a aprimorar a atuação do TCU em casos que envolvessem operações de mercado de capitais e sobre o equacionamento financeiro de déficits atuariais nas EFPC patrocinadas por entidades federais (Ordem de Serviço TCU nº 5, de 2024). Esse GT foi coordenado pelo ministro Antônio Anastasia e composto pelos ministros Vital do Rego e Jorge Oliveira. As propostas levantadas pelo GT foram remetidas ao Ministro Benjamim Zymler que produziu o relatório submetido e aprovado pelo Plenário da Corte.
Adentrando nos aspectos específicos contidos na Instrução Normativa — TCU nº 99, de 26 de março de 2025, vale observar: 1) alcance da fiscalização do TCU; 2) ato regular de gestão; 3) acompanhamento de equacionamento de déficit; 4) monitoramento contínuo; 5) auditoria anual; 6) ações de controle específicas; e 7) relatório consolidado anual.
Com relação ao (1) alcance da fiscalização do TCU, nos termos de seu artigo 3º, houve a manutenção da possibilidade da atuação direta nas EFPC, entretanto, esse passou a ser o modelo não prioritário. Desse modo, o normativo representa um marco na redefinição da atuação do TCU sobre essas entidades, priorizando o controle sobre supervisores do sistema e patrocinadores federais. Essa mudança alinha-se ao princípio da seletividade e materialidade, conferindo maior eficiência à fiscalização, sem comprometer a proteção do interesse público.
Sobre o (2) ato regular de gestão, critério a ser adotado quando da análise da responsabilização de gestores, nos termos do artigo 4º, defende-se que ele deve ser visto como um instrumento de proteção do sistema de Previdência Complementar Fechada, uma vez que busca a eficiência e a segurança jurídica desse sistema. O tribunal ao adotar o ato regular de gestão como critério em seu próprio normativo, referenda esse instrumento contido no artigo 230 da Resolução Previc Nº 23, de 2023. Vale recordar que na apreciação da TC 040.475/2023-9, o TCU analisou representação acerca de possíveis irregularidades na elaboração e aprovação de Resolução Previc Nº 23, de 2023, tendo, por meio do Acórdão Nº 964/2024 – TCU – Plenário, considerado legítimo a normatização do ato regular de gestão no setor de previdência complementar.
No tema do (3) acompanhamento de equacionamento de déficit, o artigo 7º estabelece a autuação de um processo específico para cada plano de equacionamento relacionado para que o tribunal emita pronunciamento quanto à legalidade, legitimidade e economicidade dos atos fiscalizados.
A instrução normativa inova ao estabelecer essa obrigatoriedade, a qual está totalmente aderente aos fundamentos técnicos utilizados para respaldar a sua competência fiscalizatória: “alcança qualquer pessoa que, entre outros, gerencie ou administre valores públicos pelos quais a União responda, nos termos do artigo 21 da Lei Complementar 109, de 2001”.
Em continuidade, o artigo 4 estabelece que a corte realizará (4) monitoramento contínuo das operações com valores mobiliários de suas unidades jurisdicionadas e dos desequilíbrios atuariais nas EFPC. Ação primordial e essencial para coletar os elementos essenciais para focar suas ações fiscalizatórias nas operações com maior materialidade, risco e relevância. Exatamente nesse sentido, dispõe o artigo 9º ao determinar que (5) anualmente o TCU fará auditoria nas operações com valores mobiliários realizadas pelas EFPC patrocinadas por entidades federais. Para tanto, serão selecionadas amostras obtidas a partidas das informações coletadas no citado monitoramento contínuo.
Neste ponto, cabe enfatizar o reconhecimento da (6) especificidade e tecnicidade da matéria aqui tratada, uma vez que, anteriormente ao encaminhamento ao relator dos resultados dessa auditoria anual, ele deve ser submetido à manifestação prévia do órgão supervisor do Sistema de Previdência Complementar.
Já no artigo 11, a IN estabelece que, (7) anualmente, será disponibilizado ao público relatório consolidado sobre o monitoramento das operações com valores mobiliários e dos desequilíbrios atuarias nas EPFC. Em que pese, a transparência ser um princípio que deve imperar em toda a administração pública, vale alertar que determinadas informações dessas entidades podem apresentar segredo empresarial, as quais devem ter o seu sigilo resguardado. Desse modo, eventual divulgação pública de informações estratégicas deve ser evitada, nos termos da Lei Geral de Proteção de dados pessoais.
Conclusão
O Projeto de Instrução Normativa TCU nº 99, de 26 de março de 2025, representa um avanço na sistematização da atuação do Tribunal de Contas da União em matéria de fiscalização de operações com valores mobiliários e do equacionamento financeiro de déficits atuariais nas Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) patrocinadas por entes federais.
A norma equilibra a necessidade de controle externo com o respeito às competências técnicas e regulatórias dos órgãos supervisores do sistema financeiro e previdenciário (Previc), alinhando-se ao princípio da eficiência e à busca por uma atuação mais estratégica e preventiva do TCU.
A IN reforça importantes avanços, como a adoção do conceito de “ato regular de gestão”, a delimitação de critérios objetivos para acompanhamento de planos de equacionamento, a realização de auditorias anuais baseadas em monitoramento contínuo e a publicação de relatórios consolidados, desde que respeitado o sigilo de informações estratégicas e sensíveis, em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados.
Em síntese, a Instrução Normativa fortalece os mecanismos de governança, transparência e responsabilização no âmbito das EFPC, ao mesmo tempo em que sinaliza a maturidade institucional do TCU na interação com setores regulados e na promoção de boas práticas de fiscalização e gestão pública.
Sobreleva, por derradeiro, o importante passo dado pelo CMN, como dito alhures, na publicação da Resolução 5.202/24, de 27 de março de 2025, que definiu novas regras de investimentos para as EFPC e revogou o prazo para as Entidades se desfazerem de seus ativos imobiliários. Mas esse tema tratarei em outro momento.
Fonte: Conjur e João Paulo Cunha (03/04/2025)
Nota da Redação: É sempre bom lembrar que 3 planos da Fundação Sistel (PBS-A, PBS-Telebras e TelabrasPrev) são patrocinados pela Telebras, uma entidade até hoje federal.
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