sábado, 5 de abril de 2025

INSS: Sem nova reforma, Previdência terá rombo de 11,6% do PIB em 2100, projeta Tesouro



Rombo previsto é três vezes maior que o projetado para este ano e não inclui militares nem servidores federais

O déficit do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) - que atende majoritariamente os trabalhadores da iniciativa privada - pode saltar de 2,68% do Produto Interno Bruto (PIB) previsto para este ano para 11,61% em 2100, se nada for feito para mudar as regras de receitas e de benefícios previdenciários. O dado consta nas projeções atuariais do Balanço Geral da União (BGU) de 2024, documento antecipado ao Valor e que será divulgado nesta quinta-feira (1º) pelo Tesouro Nacional.

O percentual de 11,61% do PIB equivaleria a um rombo de quase R$ 30 trilhões, valor que, em tese, o governo teria que desembolsar para garantir o pagamento dos benefícios previdenciários e assistenciais pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em 2100. Isso porque a previsão é que daqui a 75 anos as receitas previdenciárias somem R$ 13,8 trilhões (5,4% do PIB), enquanto as despesas com benefícios atinjam R$ 43,8 trilhões (17% do PIB).

Para este ano, o BGU traz uma previsão de receitas de R$ 693,5 bilhões (5,5% do PIB), contra despesas de R$ 1,032 trilhão (8,1% do PIB), estimativas que, se confirmadas, levarão a déficit de R$ 338,1 bilhões do regime em 2025, o equivalente a 2,68% do PIB. Em 2024, o déficit do RGPS foi de R$ 304,6 bilhões, ou 2,52% do PIB. Esse valor acaba sendo coberto via endividamento público. A União tem que arcar, ainda, com o déficit do regime próprio dos servidores civis federais e com o dos militares das Forças Armadas.


As projeções atuariais são importantes, mesmo considerando que as variáveis macroeconômicas utilizadas vão mudar ao longo do tempo, porque mostram uma radiografia de qual será o cenário futuro caso o governo e o Congresso mantenham as atuais regras previdenciárias intactas. E essas projeções têm mostrado um cenário de deterioração das contas da Previdência ano após ano, especialmente a partir da década de 2030.

A trajetória explosiva da Previdência a partir de 2030 é explicada por alguns fatores. Um deles é o impacto que a política de ganho real do salário mínimo impõe à Previdência, pois 70% dos benefícios pagos pelo INSS são iguais ao piso. Com isso, esses benefícios têm, todo ano, o mesmo reajuste do salário mínimo. Para os pagamentos acima do mínimo, a correção é somente pela inflação.

Neste ano, por exemplo, as aposentadorias, pensões e demais benefícios pagos pelo INSS no valor de um salário mínimo foram reajustados em 7,51%, enquanto os benefícios maiores foram corrigidos em 4,77%, que foi a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Esse reajuste maior para os benefícios iguais ao salário mínimo é previsto até 2100 pelo governo, que utilizou como base a grade de parâmetros macroeconômicos de novembro de 2024.

“Essa política de valorização do salário mínimo tem um impacto cumulativo muito forte. Você quer aumentar o salário mínimo para o trabalhador [da ativa]? Tudo bem. Mas tem que fazer uma desvinculação do aumento real do salário mínimo dos benefícios da Previdência e da assistência social. Manter a [vinculação] é uma total irresponsabilidade”, afirma Paulo Tafner, diretor-presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (Imds) e especialista em Previdência.

Outra explicação para a piora das projeções atuariais é o envelhecimento da população, que será mais acelerado a partir da década de 2030. “O fato é que esses números refletem aquilo que todos nós, que tratamos da Previdência, falamos há mais de uma década: o resultado previdenciário vai degradar, porque acaba o processo de crescimento da população em idade ativa e aumenta muito o número de idosos. Então, a base de contribuição cai e a base de beneficiários cresce muito”, explica Tafner.

[Sem reforma], futuro vai ser muito tenebroso para as futuras gerações”— Paulo Tafner

Há, ainda, o impacto do fim de algumas regras de transição da reforma da Previdência de 2019, destaca Rogério Nagamine, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e também especialista em Previdência. “A reforma da Previdência [de 2019] postergou parte das aposentadorias. Algumas das regras de transição vão parar de fazer efeito a partir de 2030, como a de pontos”, destacou. Ele também considera que o governo está sendo otimista nas projeções atuariais até 2029, já que o nível de despesa em proporção do PIB seria de 8,15% em 2028, menor do que os 8,17% deste ano.

Para os especialistas, os números reforçam a necessidade de uma nova reforma da Previdência. “A principal mensagem é essa: precisa fazer uma reforma. O quanto antes, melhor. O ideal é que seja já em 2027”, diz Nagamine. Ele afirma que a próxima reforma precisará mexer nas regras de aposentadoria rural e no regime do Microempreendedor Individual (MEI), além de prever algum mecanismo de aumento automático de correção da idade de aposentadoria ou redução do benefício conforme aumente a expectativa de vida.

Também será preciso que o governo repense a forma de financiamento da Previdência Social, devido às mudanças do mercado de trabalho, que têm levado cada vez mais jovens a não contribuírem para o regime geral. “Tem que ajustar a despesa, mas tem que ser repensado o financiamento da Previdência O sistema atual de financiamento não vai dar conta do processo de envelhecimento da população”, afirma Tafner. Ele diz que será um desafio complexo, que passará pela adoção de um regime de capitalização e criação de novas fontes de financiamento, como alguma contribuição especial.

Os especialistas também são unânimes em dizer que o percentual de déficit a ser financiado pela União é insustentável ao longo do tempo. “Isso é só RGPS, ainda precisa acrescentar na conta os gastos da União com RPPS [regime de Previdência dos servidores públicos federais] e dos militares", alerta Nagamine. “Não dá para ter um déficit [só do RGPS] de 4%, 5%, 6% do PIB. Não tem espaço fiscal, você paralisa tudo”, acrescenta Tafner.

Ambos afirmam que uma reforma da Previdência pelo lado das despesas e das receitas é urgente, além da desvinculação dos benefícios previdenciários e assistenciais da política de ganho real (acima da inflação) do salário mínimo. “A partir da década de 2030 começa a degradar de forma acelerada, então tem que fazer a reforma antes, porque nem tudo de uma reforma anda instantaneamente. Se esperar até 2030, o custo para as futuras gerações será altíssimo. Estamos no limite para fazer uma reforma, se não fizermos, o futuro vai ser muito tenebroso para as futuras gerações”, diz Tafner.

Procurado, o Ministério da Previdência Social não retornou.

Fonte: Valor (03/04/2025)

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