Pela regra geral dos fundos de pensão no Brasil, o trabalhador participante só responde pelos déficits conjunturais. Essa regra foi quebrada, e hoje ele sofre desconto para equacionar déficits de todos os matizes, até mesmo os decorrentes da corrupção.
Como demonstrado no artigo anterior, a previdência complementar foi implantada no Brasil em meados de 1977. Em 2001, sofreu a instituição da ingerência patronal pelo Voto de Minerva. Em 2003, sofreu a ingerência política pelo Decreto nº 4.678, que criou o Conselho de Gestão da Previdência Complementar - CGPC, órgão que em 2008, permitiu o rateio bilionário do superávit através da Resolução nº 26. Esse rateio continuou permitido pelo Conselho Nacional de Previdência Complementar – CNPC.
1. Participação do trabalhador foi quebrada pela ingerência política
Pela teoria da época da implantação dos fundos de pensão no Brasil, o sistema deveria ser controlado da seguinte forma:
Lei Complementar nº 109/2001:1.1. Decreto nº 4.678 de 24.04.2003 – instituiu a ingerência política
Art. 5o A normatização, coordenação, supervisão, fiscalização e controle das atividades das entidades de previdência complementar serão realizados por órgão ou órgãos regulador e fiscalizador, conforme disposto em lei, observado o disposto no inciso VI do art. 84 da Constituição Federal.
Art. 74. Até que seja publicada a lei de que trata o art. 5o desta Lei Complementar, as funções do órgão regulador e do órgão fiscalizador serão exercidas pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, por intermédio, respectivamente, do Conselho de Gestão da Previdência Complementar (CGPC) e da Secretaria de Previdência Complementar (SPC), relativamente às entidades fechadas, e pelo Ministério da Fazenda, por intermédio do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), em relação, respectivamente, à regulação e fiscalização das entidades abertas.
O Brasil criou, através do supracitado decreto, o Conselho de Gestão da Previdência Complementar – CGPC, vinculado ao Ministério da Previdência Social, formado por 7 (sete) entidades governamentais, de previdência complementar e patronal, e apenas 1 (uma) dos participantes. Os trabalhadores perderam de 7 x 1 para os políticos indicados para presidir essas entidades. Eis a origem e a composição:
Art. 2º do Decreto nº 4.678/2003:Posteriormente criou o Conselho Nacional de Previdência Complementar – CNPC, ambos caracterizados pelo predomínio político e pela participação minoritária dos trabalhadores.
O CGPC é integrado:
I - pelo Ministro de Estado da Previdência Social, que o presidirá;
II - pelo Secretário de Previdência Complementar do Ministério da Previdência Social;
III - por um representante da Secretaria de Previdência Social do Ministério da Previdência Social;
IV - por um representante do Ministério da Fazenda;
V - por um representante do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;
VI - por um representante dos patrocinadores e instituidores de entidades fechadas de previdência complementar;
VII - por um representante das entidades fechadas de previdência complementar; e
VIII - por um representante dos participantes e assistidos das entidades fechadas de previdência complementar.
1.2. Decreto nº 7.123 de 03 de março de 2010 – criou o CNPC e manteve a ingerência política
O Decreto nº 7.123/2010, criou o Conselho Nacional de Previdência Complementar – CNPC e revogando o CGPC. Manteve as 7 (sete) entidades governamentais, de previdência complementar e patronais, e apenas 1 uma) dos trabalhadores. Ou seja, manteve o predomínio dos indicados politicamente (7 x 1). Eis a origem e a composição:
Decreto nº 7.123 de 03.03.2010:Em síntese, a participação dos trabalhadores nos destinos dos fundos de pensão foi aniquilada pela ingerência patronal, governamental e política.
Art. 6º. O CNPC será integrado pelo Ministro de Estado da Previdência Social, que o presidirá, e por um representante de cada um dos seguintes indicados, todos com direito a voto:
I - Superintendência Nacional de Previdência Complementar - Previc;
II - Secretaria de Políticas de Previdência Complementar do Ministério da Previdência Social;
III - Casa Civil da Presidência da República;
IV - Ministério da Fazenda;
V - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;
VI - entidades fechadas de previdência complementar;
VII - patrocinadores e instituidores de planos de benefícios das entidades fechadas de previdência complementar; e
VIII - participantes e assistidos de planos de benefícios das entidades fechadas de previdência complementar.
No CNPC, os trabalhadores são representados pela Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão - Anapar, cuja atuação, apesar de minoritária, vem defendendo os trabalhadores, revelando os abusos cometidos e a usurpação de competência.
2. Postergação do equacionamento do déficit causou dano a milhares de trabalhadores
Em 04.11.2013, uma simples resolução do supracitado Conselho de Gestão da Previdência Complementar - CGPC, contrariando a regra anterior sistema, postergou o início do equacionamento do déficit para 3 anos depois de sua constatação. Além disso, suprimiu o inciso que determinava o equacionamento do déficit apenas conjuntural pelos trabalhadores.
Essa mudança jogou sobre os ombros dos trabalhadores os déficits de todos os matizes. Frise-se que pela regra anterior, o equacionamento começava no ano seguinte, e os trabalhadores só respondiam pelos déficits conjunturais, ou seja, aquele decorrente das oscilações do mercado. Eis o retrocesso normativo:
Lei Complementar109/2001:
Art. 21. O resultado deficitário nos planos ou nas entidades fechadas será equacionado por patrocinadores, participantes e assistidos, na proporção existente entre as suas contribuições, sem prejuízo de ação regressiva contra dirigentes ou terceiros que deram causa a dano ou prejuízo à entidade de previdência complementar.
§ 1º O equacionamento referido no caput poderá ser feito, dentre outras formas, por meio do aumento do valor das contribuições, instituição de contribuição adicional ou redução do valor dos benefícios a conceder, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador.
Antes – Resolução CGPC N.º 26, de 29.09.2008:
Art. 28. Observadas as informações constantes do parecer atuarial acerca das causas do déficit, a EFPC deverá promover seu imediato equacionamento, mediante a revisão do plano de benefícios.
§ 1º A EFPC, para promover o equacionamento do déficit, poderá aguardar o levantamento das demonstrações contábeis e da avaliação atuarial relativas ao exercício imediatamente subsequente à apuração inicial do resultado deficitário, desde que:
I - o déficit seja conjuntural, segundo o parecer atuarial;
II - o valor da insuficiência seja inferior a 10% (dez por cento) do exigível atuarial; e
III - haja estudos que concluam que o fluxo financeiro é suficiente para honrar os compromissos do exercício subsequente (grifos nossos).
Depois – Resolução CNPC nº 13, de 4 de novembro 2013:
Art. 1º O art. 28 da Resolução nº 26, de 29 de setembro de 2008, do Conselho de Gestão da Previdência Complementar, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 28. Observadas as informações constantes em estudo específico da situação econômico-financeira e atuarial acerca das causas do déficit técnico, deverá ser elaborado o plano de equacionamento de déficit, obedecendo aos seguintes prazos contados a partir do encerramento do exercício social que apurou o resultado deficitário:
I – até o final do exercício seguinte, se o déficit técnico acumulado for superior a dez por cento das provisões matemáticas;
II - até o final do exercício subsequente ao da apuração do terceiro resultado deficitário anual consecutivo, se o déficit técnico acumulado for igual ou inferior a dez por cento das provisões matemáticas (grifos nossos).
É inequívoca a usurpação de competência. O CGPC, legislando sem poder, modificou disposição da Lei Complementar nº 109/201, ou seja, modificou uma norma hierarquicamente superior. Essa era e ainda é uma função típica do do poder legislativo; da Câmara e do Senado.
A nova Resolução prejudicou os trabalhadores por dois motivos: 1) eliminou o item I que identificava o déficit conjuntural a ser equacionado em parte pelo trabalhador (aquele decorrente das flutuações do mercado, da desvalorização das ações e da queda de juros). 2) ampliou para 3 (três) anos o início do equacionamento do déficit, colocando em risco o futuro de milhares de trabalhadores idosos.
Essa mudança teve o intuito apenas de postergar o início dos descontos compulsórios para depois do término do mandato da diretoria dos fundos. Se começasse de imediato a equacionar todo o déficit, causaria um impacto muito negativo, expondo ao mundo, nos idos de 2013, a insegurança de todo o sistema. Seria necessário um percentual muito alto para cobrir o enorme rombo. A solução foi simplista: jogar sobre o futuro dos trabalhadores.
Agora, a cada ano surgem novos déficits, cujas alíquotas vão se somando às anteriores pelos próximos 15 a 20 anos, numa tragédia sem precedentes, como demonstrado no artigo deste blog intitulado "Déficits não param de crescer". Em alguns casos a alíquota do desconto já passou de 20% e caminha em direção dos 30%, destruindo quase 1/3 da verba alimentar do aposentado idoso, que dela depende para sua sobrevivência. Um desastre histórico.
Conclui-se que tanto o Conselho Nacional de Previdência Complementar - CNPC quanto o seu antecessor CGPC, legislaram contra os participantes dos fundos, em prol da ocultação dos gigantescos déficits. Dessa forma, jogaram sobre os ombros dos trabalhadores idosos os déficits de todos os matizes, inclusive os frutos da corrupção e da má-gestão.
3. Ingerência política favoreceu o "Clube do amém"
A ingerência patronal e política impediu a participação dos trabalhadores no destino dos fundos de pensão e postergou o equacionamento do déficit, desfalcando a renda de milhares de trabalhadores aposentados, pelos próximos 15 a 20 anos. Também permitiu o rateio bilionário do superávit pelos patrocinadores, além de permitir a formação e atuação do indesejável “Clube do amém”, responsável pela aplicação dos recursos em empresas inviáveis[1].
É preciso ampliar a atuação da Operação Greenfield para todos os 220 fundos deficitários. É preciso também mudar a legislação, sanar as falhas do sistema e, acima de tudo, apurar as causas dos déficits, exigindo a reposição dos valores desviados.
Voltaremos ao assunto para demonstrar a histórica luta dos trabalhadores contra a ingerência política, destruidora dos fundos de pensão.
Fonte: Blog Idade com Dignidade, por Fátima Diniz Castanheira (13/11/2017)
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