Decisão entre viver de renda a partir de aluguéis ou de aplicações financeiras é um debate interminável
É professor e assessor da Casa do Investidor e autor do blog De Grão em Grão, na Folha. Foi professor de finanças do Insper, da USP e da FGV nos últimos 15 anos. Possui as certificações financeiras CFA e CFP
Na transição para a aposentadoria, muitos se veem perante diversas incertezas financeiras. Nesse momento, os indivíduos são confrontados com o desafio não só de preservar seu patrimônio acumulado, mas também de garantir uma renda que sustente um estilo de vida confortável e seguro. Esse é o dilema de nosso leitor, Cesar.
O cerne dessa questão repousa em como converter economias de uma vida inteira em fluxos de caixa estáveis e confiáveis, capazes de cobrir despesas cotidianas sem comprometer o capital principal.
Em meio a esse cenário, surge o dilema central enfrentado por inúmeros aposentados: como equilibrar o desejo por rendimentos atrativos com a necessidade de minimizar riscos?
A opção por investimentos que prometem altos retornos vem frequentemente acompanhada de uma exposição maior às volatilidades do mercado, enquanto escolhas mais seguras tendem a oferecer rendimentos mais modestos, colocando os aposentados em uma encruzilhada.
Nessa busca por segurança e rentabilidade, muitos voltam seus olhares para o mercado imobiliário, considerando a aquisição de imóveis para locação como uma estratégia viável para gerar renda passiva.
À primeira vista, essa opção parece atraente, prometendo não apenas uma fonte aparentemente "constante" de renda, mas também a possibilidade de valorização do patrimônio ao longo do tempo.
No entanto, essa estratégia carrega consigo o problema inerente da concentração de ativos, onde a dependência de uma única fonte de renda — neste caso, um único imóvel — pode acarretar riscos significativos.
Desafios como vacância prolongada, custos de manutenção inesperados e flutuações do mercado imobiliário podem comprometer seriamente os fluxos de caixa esperados, deixando os investidores vulneráveis a choques financeiros que poderiam ter sido mitigados por meio de uma abordagem mais diversificada de investimentos.
Este cenário evidencia a complexidade da escolha entre rendimento e risco e representa o dilema de Cesar.
Ele é aposentado, tem 54 anos e recebe do INSS uma renda mensal de R$ 6 mil. A complementação desta renda vem de um imóvel alugado em Jundiaí do qual ele recebe, bruto de IR, a soma de R$ 3,4 mil.
Ele descreve seu dilema a seguir:
“Tenho uma casa alugada cujo valor de mercado seria de R$ 750.000,00. Recebo de aluguel R$ 2.650,00 líquido de IR. Gostaria de saber quanto eu conseguiria retirar como renda extra se o dinheiro fosse investido no mercado financeiro?” Cesar, aposentado, 54 anos
Cesar comprou o imóvel em 2008 por R$ 250 mil. O imóvel se valorizou para R$ 750 mil, o que representa um ganho de 1,2% ao ano acima do IPCA do período que foi de 5,82% ao ano.
Portanto, vou assumir como premissa que o imóvel valorize pelo menos o IPCA nos próximos anos.
Utilizei o programa da Receita Federal (GCAP) para simular quanto seria o Imposto de Renda (IR) caso Cesar vendesse o imóvel agora. Atualmente, o IR a pagar na venda seria cerca de R$ 46,5 mil. Portanto, caso Cesar vendesse o imóvel, ele poderia contar com o montante de R$ 703,5 mil.
Embora seu ganho de capital seja de R$ 500 mil (R$750 mil – R$ 250 mil) e a alíquota de IR seja de 15%, o IR a pagar é menor devido ao tempo que ele possui o imóvel. Sim, há um desconto no IR sobre ganho de capital em imóveis residenciais que se eleva com o prazo que se mantém o imóvel.
Considerando o valor líquido de venda da casa, que o imóvel se valorize o IPCA e a renda líquida de aluguel, sua taxa de retorno líquida de IR no investimento deste imóvel é equivalente a IPCA+4,52% ao ano. Onde 4,52% ao ano seria o retorno líquido do aluguel se ele fosse integralmente para Cesar.
Esse parece um bom retorno. Entretanto, é preciso considerar os riscos envolvidos e custos adicionais. Apesar de Cesar não se valer de um administrador para o aluguel, a renda de aluguel, mesmo depois de IR, nunca é um rendimento líquido para o proprietário.
Como Cesar mencionou em seu e-mail, o imóvel tem 35 anos e ele fez poucas reformas. Logo ele vai precisar gastar dinheiro com manutenção. Quem tem uma casa sabe os pepinos que aparecem.
Adicionalmente, também é preciso considerar que o imóvel nunca fica 100% do tempo alugado. O próprio Cesar confessou que houve períodos em que o imóvel se encontrou vazio.
Portanto, o mais razoável é considerar um desconto de pelo menos 20% neste aluguel, devido aos custos e riscos acima. Ou seja, o rendimento líquido cairia para IPCA+3,6% ao ano.
Vou dar um exemplo simples. Uma debênture isenta de IR da Petrobras de cerca de 12 anos tem retorno de IPCA+5,5% ao ano líquido.
Existe pelo menos uma dezena de empresas de capital aberto em bolsa de alta qualidade que pagam rendimento de IPCA+5,5% a 6% ao ano isento de IR.
Adicionalmente, Cesar poderia distribuir parte dos recursos nos 3 maiores fundos imobiliários de CRI referenciado ao IPCA do mercado que possuem títulos que possuem retorno de IPCA+6,5% a 7% ao ano, líquidos de taxa de administração do fundo.
Portanto, no mercado financeiro, com risco muito similar e maior liquidez, Cesar poderia obter um rendimento equivalente a um aluguel líquido de R$ 3,5 mil mensais corrigidos pelo IPCA.
A decisão entre viver de renda de imóvel e de aplicações financeiras é um debate interminável. Para quem valoriza algo mais tangível, como um tijolo próprio, mesmo o rendimento menor do aluguel é preferível.
Se a prioridade for gerar uma renda mensal maior, com menos riscos e responsabilidades, aplicar o capital em investimentos financeiros diversificados pode ser a escolha mais acertada.
Fonte: Folha de SP e Michael V. Araújo (26/03/2024)
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