segunda-feira, 8 de maio de 2017

Aposentadoria: Como transformar a previdência num motor para a economia



Antes, havia 6 trabalhadores para cada aposentado. Agora são 3. Dá para ter Previdência assim? Dá, mas a solução é mais complexa do que cortar gastos

A previdência brasileira é um esquema de pirâmide: quem está no mercado de trabalho paga uma parte do seu salário para que o governo remunere quem já se aposentou.


A coisa até poderia funcionar bem, não fosse um empecilho: nossa população está envelhecendo. Há quatro décadas, tínhamos seis pessoas trabalhando para cada pessoa aposentada. Hoje, são três para um: 18 milhões que recebem benefício, contra 55 milhões com carteira assinada no País.


Para bancar a diferença entre o que há de contribuições e o que será pago de benefícios até 2060, serão necessários R$ 2,4 trilhões em valores de hoje. A Previdência do funcionalismo público, que conta com um sistema próprio, como veremos mais adiante, ainda necessitará de R$ 2,6 trilhões para fechar a mesma conta (apesar de ter cinco vezes menos pessoas). Claro que as contas não fecham, não importa a mágica que tentem inventar.

Mágicas, aliás, pavimentam o caminho que esperamos trilhar nas próximas décadas. No que depender das discussões até aqui, vamos usar mais impostos e mais contribuições previdenciárias para cobrir a diferença. Na prática, teríamos de topar contribuir com 10% a mais do PIB todos os anos em impostos. Coisa de R$ 600 bilhões a mais para os excelentíssimos senhores de Brasília administrarem. No fim das contas, a Previdência brasileira é considerada um das mais  insustentáveis do mundo. E é por isso que a ideia de reformá-la se tornou um mantra do governo – e não apenas deste governo.



Afinal, o que estão propondo?
Tentar mudanças na Previdência não é uma novidade. Desde Collor, todo presidente tentou realizar alguma. Dentre todas as reformas, inclusive, nenhuma foi tão profunda quanto a do fim do salário integral para aposentados do funcionalismo público, aprovado em 2013 por Dilma.

Entre a proposta inicial desta reforma de agora e aquela que de fato será votada, ainda há um longo caminho de negociações para o governo. Em seu plano original, por exemplo, o funcionalismo público deixaria de ter acesso ao RPPS, o Regime Próprio de Previdência Social, e passaria a ser coberto pelo sistema que rege o resto da população, o Regime Geral de Previdência Social, RGPS. A ideia é simples: igualar todos.

Pode parecer algo lógico à primeira vista, mas na prática a resistência é grande, e os argumentos de ambos os lados fazem sentido. Imagine um funcionário público que hoje ganhe R$ 20 mil. Todos os meses esse trabalhador estaria contribuindo com R$ 2,8 mil para se aposentar com salário próximo a R$ 20 mil. Na nova regra, ele estaria limitado ao teto do INSS, de R$ 5,6 mil.

Em outros pontos, como a aposentadoria rural, que hoje é responsável por 2 em cada 3 reais de déficit no RGPS, a ideia é que os trabalhadores passem de fato a contribuir durante a vida. Hoje isso não é necessário: qualquer cidadão que comprove ter sido trabalhador rural recebe um salário mínimo a título de aposentadoria depois dos 65 anos. Acabar com essa modalidade da Previdência diminuiria o déficit geral, claro. Mas também tornaria quase impossível o acesso dos trabalhadores rurais a qualquer tipo de aposentadoria.   

Essa lógica de elevar os pré-requisitos para o acesso à Previdência permeia todo o projeto de reforma. E também atinge em cheio os aposentados que hoje recebem o chamado BPC, Benefício de Prestação Continuada – que garante um salário mínimo a qualquer indivíduo com mais de 65 anos cuja renda familiar por pessoa não ultrapasse um quarto do salário mínimo. Hoje, é possível receber o benefício mesmo que alguém da sua família receba aposentadoria. Na nova proposta, torna-se impossível. Em outras palavras, a renda de uma família numerosa que receba dois salários mínimos pode cair pela metade. Mas espera um pouco: transformar pobres em miseráveis é mesmo o único caminho para salvar a Previdência? Claro que não.      



Como funciona lá fora
Na Suécia, se aposentar antes dos 65 anos significa receber do governo 50% do último salário. No Brasil, quem tem essa idade consegue parar de trabalhar com 70%, em média. Na Alemanha, essa porcentagem é de meros 38%. A maior proporção entre os países ricos é a da França, com 56%. Em nenhum caso chegam perto dos 70% médios que o Brasil paga. Mesmo assim, os aposentados desses países têm um padrão de vida bem melhor que os daqui. Qual o segredo, então? O seguinte: o governo garante o básico, em vez de cortar o básico, como o nosso propõe. Já os trabalhadores que planejam manter rendimentos mais altos no futuro passam a vida  poupando em fundos de pensão, de modo a garantir uma previdência complementar. Logo, o grosso do dinheiro necessário para viver decentemente não vem do Estado, mas de fundos de pensão privados. Fundos que, na prática, tornam os aposentados donos de trilhões de dólares.



Uma previdência trilionária
Os fundos de pensão ao redor do mundo possuem US$ 20 trilhões – quase sete vezes as reservas internacionais da China, as maiores do planeta. No Brasil, apenas 2,54 milhões de cidadãos (3% do total de trabalhadores) possuem algum tipo de complemento para se aposentar. Mesmo assim, eles detêm ativos de R$ 750 bilhões, ou 12% do patrimônio total de famílias e empresas brasileiras.

Para o poupador, ter seu dinheiro num bom fundo de pensão é o melhor dos mundos: os ganhos engordam exponencialmente com o tempo, já que rendem juros sobre juros – coisa que não acontece na pirâmide financeira da nossa Previdência Social, que vende o almoço para comprar a janta. Para o país, o ganho é ainda mais nítido. Os mais velhos passam a deter recursos que acabam investidos. Isso gera emprego e renda aos mais novos, tornando a previdência tradicional mais sustentável.

No Chile, 80% dos recursos da previdência vêm desse tipo de investimento. Resultado: bilhões de dólares que se transformam em estradas, portos, saneamento. Em vez de a previdência ser um fardo, ela serve de motor para o crescimento do país. É isso que precisa ser fomentado por aqui, para o bem do Estado e dos trabalhadores. Porque, enquanto a Previdência Social seguir parada no tempo, quem continuará estagnada é a única entidade realmente capaz de dar uma guinada nas nossas vidas: a economia do Brasil.

Fonte: Super Interessante (05/05/2017)

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