sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Comportamento: Verificar o celular o tempo todo pode drenar seu foco e sua memória; entenda

 


É provável que você subestime a frequência com que olha para o aparelho — e acabe pagando o preço com mais lapsos de atenção

É início da noite em um dia qualquer. Amy pega o celular e confere se há novas mensagens. Quase meia hora depois, Amy já olhou o aparelho oito vezes. Passou uma hora. Amy checou o celular 17 vezes, uma delas duas vezes seguidas.

Para muitos de nós, checar o celular provavelmente se tornou um reflexo inconsciente, semelhante a respirar ou piscar. E, como Amy — um personagem composto que ilustra padrões usuais de uso do celular —, estamos interagindo com nossos telefones um número muito alto de vezes.

Lançar um olhar ao celular pode começar a comprometer suas habilidades cognitivas quando isso ultrapassa determinado limite. Estudos da Nottingham Trent University, no Reino Unido, e da Keimyung University, na Coreia do Sul, descobriram que checar o celular cerca de 110 vezes por dia pode sinalizar alto risco ou uso problemático.

Ao longo de oito anos de pesquisa envolvendo adolescentes e millennials, Larry Rosen, professor emérito de psicologia da California State University, Dominguez Hills, observou que os participantes checavam ou destravavam seus smartphones entre 50 e mais de 100 vezes por dia, em média a cada 10 a 20 minutos enquanto estavam acordados. Dispositivos Android e iOS permitem que os usuários verifiquem o número de desbloqueios — chamados de pickups — em suas configurações.

“Os celulares e as mídias digitais são reforçadores para o nosso cérebro, ativando a mesma via de recompensa que drogas e álcool. Os telefones criam um ciclo de hábito compulsivo em que checamos sem pensar e experimentamos abstinência quando não checamos ou não temos acesso ao aparelho”, explica Anna Lembke, professora de psiquiatria e medicina do vício na Escola de Medicina da Universidade Stanford.

Segundo uma pesquisa conduzida em maio pela YouGov sobre o uso do celular, quando norte-americanos foram perguntados onde deixam o aparelho antes de dormir, 8 em cada 10 disseram mantê-lo no quarto, na maioria das vezes ao lado da cama.

As pessoas subestimam com que frequência checam o celular. Quando questionadas, na mesma pesquisa, quantas vezes pegam o aparelho por dia, a maioria dos entrevistados acreditava fazê-lo cerca de 10 vezes.

Foco quebrado

Um estudo da Singapore Management University descobriu que interrupções frequentes para checar o celular levam a mais lapsos de atenção e memória. Diferentemente do tempo total de tela, a frequência das checagens é um preditor muito mais forte de falhas cognitivas diárias.

Desbloquear o celular constantemente força o cérebro a mudar de tarefa rapidamente, corroendo a capacidade de focar em apenas uma. Décadas atrás, o influente cientista da computação Gerald M. Weinberg alertou que trabalhar em múltiplas tarefas e alterná-las frequentemente pode reduzir a produtividade em até 80%.

O hábito é generalizado. A YouGov descobriu que mais da metade dos norte-americanos checa o celular várias vezes durante atividades sociais, como fazer refeições com outras pessoas ou encontrar amigos.

No trabalho, durante uma reunião de 30 minutos, 1 em cada 4 pessoas admitiu checar o celular pelo menos uma vez. Após cada interrupção no ambiente de trabalho, pode levar mais de 25 minutos para recuperar o foco, alerta Gloria Mark, pesquisadora da Universidade da Califórnia em Irvine.

A maioria das pessoas recebe notificações ao longo do dia, como mensagens, e-mails e alertas, muitos deles vindos de plataformas de mídia social. “Nossa necessidade constante de conexão aumenta a bioquímica do cérebro, especialmente substâncias que produzem ansiedade, como o cortisol, que nos incomoda para ‘dar uma checada’ mais de 100 vezes por dia”, explica Rosen.

Muito além dos jovens

A vida mudou desde que os smartphones modernos entraram em cena em 2007 com o lançamento do iPhone da Apple. Hoje, a maioria dos adultos nos Estados Unidos possui um desses aparelhos, e 9 em cada 10 usam a internet diariamente, segundo um estudo recente do Pew.

O hábito de pegar o celular se estende por todas as gerações. “Quaisquer diferenças geracionais que foram estudadas quando o smartphone e as mídias sociais surgiram agora são basicamente mínimas. Todos estamos presos às conexões mediadas pelo smartphone”, alerta Rosen.

Pesquisadores alemães da Universidade de Heidelberg descobriram que, após apenas 72 horas sem usar o smartphone, a atividade cerebral começou a refletir padrões tipicamente vistos na abstinência de substâncias. A investigação sugere que pequenas pausas no uso do smartphone podem ajudar a reduzir hábitos problemáticos ao reorganizar nossos circuitos de recompensa, tornando-os mais flexíveis.

Especialistas ofereceram maneiras simples de quebrar hábitos prejudiciais com o aparelho. “Torne o celular menos reforçador desligando notificações, apagando todos os aplicativos exceto os mais necessários, ativando a escala de cinza e desligando o aparelho entre os usos. Também recomendo deixar o celular para trás ocasionalmente, apenas para nos lembrar de que ainda conseguimos navegar pelo mundo sem ele”, orienta Anna.

“Retome o controle sobre a frequência com que checamos o celular e estabeleça pausas tecnológicas controladas por nós, não pelo telefone”, acrescenta Rosen.

Sobre esta reportagem

Amy é um personagem composto que ilustra padrões usuais de uso do celular. Seu exemplo nesta reportagem é baseado em dados diários agregados de uma dúzia de usuários norte-americanos de alta frequência que compartilharam seus padrões de pickups por hora em um dia útil. Para cada aparelho, a proporção de checagens por hora foi calculada em relação ao total registrado no dia, que variou de 100 a 225.

Esse cálculo foi então usado para determinar os valores médios apresentados no exemplo. A distribuição de checagens dentro de um período de uma hora, apresentada no início da reportagem, foi escolhida como exemplo representando um momento de alta frequência de checagem. O intervalo das 17h às 18h foi selecionado porque corresponde, em média, à hora com o maior número de checagens entre os participantes.

A pesquisa sobre uso de celular da YouGov foi conduzida entre 23 e 26 de maio com 1.129 entrevistados selecionados do painel opt-in da YouGov para serem representativos da população adulta dos EUA.

O nível de checagem de alto risco é citado de acordo com os estudos “Passive Objective Measures in the Assessment of Problematic Smartphone Use: A Systematic Review” (Departamento de Psicologia da Nottingham Trent University, 2020) e “Analysis of Behavioral Characteristics of Smartphone Addiction Using Data Mining” (Tabula Rasa College da Keimyung University, 2018).

Fonte: The Washington Post e Estadão (01/12/2025)

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