domingo, 29 de julho de 2018
TIC: 20 anos depois da privatização do Sistema Telebrás, desafio é avançar em tecnologia
Duas décadas após privatização, qualidade dos serviços ainda é baixa e tarifas são altas
Exatas duas décadas após a privatização do Sistema Telebrás, o Brasil é um país mais conectado. É difícil encontrar um brasileiro sem a companhia de um celular, que se tornou o principal meio de conexão com a internet. O modelo que permitiu a concorrência ampliou o acesso, mas o investimento não foi suficiente para acompanhar a velocidade das inovações tecnológicas.
A qualidade dos serviços ainda é baixa e as tarifas são altas, aprofundando desigualdades. As empresas têm pela frente o desafio de completar a transição entre telefonia e tecnologia, já que o consumo de serviços de telecomunicações mudou radicalmente no período.
A espera agora é pela internet. Segundo dados do Comitê Gestor da Internet no Brasil, quase 40% das famílias não têm acesso à rede. E para quase metade delas, o principal motivo é o preço alto. Entre os mais pobres, em muitos casos, nem há infraestrutura para viabilizar a conexão. Para 4 milhões de brasileiros, nem a internet móvel é possível porque não há uma antena sequer perto de casa.
Estudo da União Internacional de Telecomunicações, das Nações Unidas (ONU), mostra que o Brasil tem a 50ª tarifa de internet no celular mais alta numa lista de 188 nações. São US$ 19,19 (cerca de R$ 71) mensais, média superior à da Argentina (US$ 10,16), do México (US$ 7,98) e de Portugal (US$ 10,50). Já a média da conta mensal de celular no Brasil (voz e dados) é de US$ 11,16 (cerca de R$ 41), a 93ª mais cara entre 196 nações.
Baixa Velocidade
Enquanto isso, a qualidade ainda deixa a desejar. Desde a privatização, as empresas originadas da Telebrás investiram cerca de R$ 19,4 bilhões por ano, de acordo com a Telebrasil, a associação que reúne as companhias do setor. Não foi suficiente, dizem especialistas. O resultado cada brasileiro pode sentir na palma da mão, na velocidade de conexão do celular. A da nova rede 4G no Brasil aparece em 52º lugar num ranking da consultoria britânica OpenSignal, que avalia 88 países. Na banda larga fixa, o país fica na 79ª posição entre 200 nações, segundo a americana Akamai.
— O brasileiro sofre com o alto custo médio da internet e a renda mais baixa que a de outros países. Como o processo de privatização trouxe a obrigação de universalização da telefonia fixa, a gente conseguiu expandir essa infraestrutura. O aspecto negativo é que os serviços de maior valor agregado ainda têm qualidade precária — avalia Pablo Cerdeira, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getulio Vargas (CTS/FGV).
Em defesa das empresas, Eduardo Levy, diretor-executivo da Telebrasil, diz que o investimento anual poderia saltar para cerca de R$ 35 bilhões por ano se o governo atualizasse o marco regulatório. Mesmo com as radicais transformações tecnológicas das duas últimas décadas, a regulação ainda prioriza a telefonia fixa como serviço essencial, obrigando as empresas a seguir investindo num modal que cada vez menos gente usa.
Muitas famílias preferem ter apenas celulares, com os quais se comunicam cada vez mais com amigos e familiares por mensagens de texto ou áudio pela internet. O Brasil é um dos países de maior sucesso do WhatsApp.
— Hoje não há antenas em distritos porque a lei diz que não é preciso. Está errado. É urgente atualizar o marco e transferir os investimentos em telefonia fixa para a banda larga. Ao fazer isso, cria-se um novo ciclo de investimento, que permitirá melhora da qualidade. A telefonia é o maior programa de inclusão social do Brasil nos últimos 20 anos — diz Levy.
Não fosse a privatização, diz o especialista Hermano Pinto, talvez o Brasil ainda não tivesse universalizado nem os serviços fixos:
— As teles locais não teriam uma coordenação, o que iria atrasar a chegada de novas tecnologias. Isso sem considerar os prováveis problemas causados pela influência política nas empresas. Era um pesadelo.
Para o presidente da Anatel, Juarez Quadros, as tarifas no Brasil são altas por causa dos impostos. Segundo ele, em média, 43% das tarifas são compostas por tributos, pouco mais do que calcula o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT): 37%. Em algumas regiões do Brasil, como no Norte, a carga tributária chega a 60%, dizem as empresas. O grande vilão dessa conta é o ICMS, cobrado nos estados.
— No ranking dos tributos, estamos na antepenúltima posição entre os países de porte. O consumidor de telecomunicações brasileiro é altamente afetado pelo tributo. Como preço para mim é qualidade, isso afeta a avaliação da prestação do serviço — diz Quadros.
Um estudo do pesquisador do Ipea Mário Jorge Mendonça mostra o impacto que o acesso à internet tem na vida das pessoas e na economia, promovendo ganhos de produtividade. Segundo o trabalho, com cada 1% de aumento de investimento em banda larga seria possível garantir um crescimento de 0,19 ponto percentual do PIB. Mendonça critica a alta carga tributária:
— Desde 2002 cerca de 60% do valor adicionado, R$ 1,18 trilhão, foi apropriado pelo Estado na forma de tributos. Não há como dizer o que teria acontecido se a carga tributária tivesse sido menor ou reinvestida no setor. Os investimentos no setor ainda são insatisfatórios.
O secretário de Telecomunicações do Ministério das Comunicações, André Borges, avalia que, sem os impostos, as tarifas ficariam “razoáveis”. Mesmo assim, o governo não tem planos para desonerar o setor. Em vez disso, os fundos setoriais bancados pelo consumidor são contingenciados para ajudar a cobrir o rombo nas contas públicas.
— O que se paga de ICMS numa comunicação é esdrúxulo, na contramão de qualquer política de universalização. A carga tributária repassada ao consumidor é elevada, onera quem explora o serviço. Criamos um troço quase insolúvel — admite Borges.
Fonte: O Globo (29/07/2018)
Postado por
Joseph Haim
às
18:33:00
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