segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Fundos de Pensao: Taxa negativa de juros, como na europa, pode tornar fundos de pensão inviáveis


O uso de ferramentas de política monetária não convencionais por alguns dos mais importantes bancos centrais do mundo, que vão da implementação de taxas de juros negativas a programas de compra de ativos em grande escala, tem ajudado as economias a ganhar tempo, mas não enfrentado os grandes desafios de crescimento. Essa é a avaliação de Mohamed A. El-Erian, principal assessor econômico da Allianz e presidente do Conselho de Desenvolvimento Mundial do presidente americano, Barack Obama. "A dependência prolongada dessas medidas é vista como potencialmente prejudicial para o crescimento futuro e a estabilidade financeira", afirmou El-Erian, em entrevista ao Valor por e-mail.
 

O ex-executivo da Pimco alerta para os riscos de distorções nos mercados globais que essas medidas tomadas pelos bancos centrais podem trazer e defende uma resposta política mais abrangente, voltada para reformas estruturais pró-crescimento e o uso mais ativo da política fiscal. Leia abaixo os principais trechos da entrevista. 

Valor: Em seu livro mais recente, "The Only Game in Town" ("A única opção disponível", em tradução livre), o senhor menciona os riscos de medidas não usuais adotadas por bancos centrais de países desenvolvidos. Qual é sua avaliação sobre a eficácia dessas medidas para impulsionar a economia? 
Mohamed A. El-Erian: Essas medidas têm sido bem-sucedidas em ganhar tempo para as economias, mas elas não abordam os grandes desafios de crescimento. Além disso, a dependência prolongada dessas medidas envolve risco de danos colaterais e consequências imprevistas. A ideia básica por trás das políticas não convencionais perseguidas pelos bancos centrais é impulsionar a alta dos preços dos ativos, na esperança de que isso induza o crescimento mais robusto através de dois canais. Primeiro, tendo visto o aumento do valor de seus investimentos em ações e bônus, famílias supostamente mais ricas deveriam sair e gastar mais. Em segundo lugar, a exuberância nos mercados financeiros tem como intenção libertar o "espírito animal" das empresas, levando, assim, a maiores investimentos em instalações e equipamentos. Esses dois canais têm funcionado, mas apenas parcialmente. Agindo por conta própria, os bancos centrais não podem superar as dificuldades associadas a reformas estruturais insuficientes, infraestrutura decadente, políticas fiscais que não deram resultados, excessivo endividamento, má coordenação da política global e, no caso da Europa, arquitetura regional parcial. A percepção dos benefícios, inevitavelmente limitados, está agora sendo acompanhada por preocupações sobre custos e riscos. De preços dos ativos artificialmente elevados e riscos excessivos aprofundando as distorções do mercado e agravando a desigualdade, a prolongada e excessiva dependência destas medidas experimentais é vista como potencialmente prejudicial para o crescimento futuro e a estabilidade financeira. 
"[Juro negativo] pode incentivar a tomada excessiva de riscos por parte dos investidores" 

Valor: O Banco do Japão (BoJ) estabeleceu uma meta de levar os juros dos títulos de dez anos para perto de zero. Qual o risco de se manter as taxas dos bônus soberanos negativas na Europa e no Japão? 
El-Erian: As taxas negativas podem prejudicar a viabilidade de produtos de proteção financeira de longo prazo, incluindo os fundos de pensão e seguros de vida. Elas podem alimentar o desengajamento dos indivíduos no sistema financeiro formal, incluindo aqueles que preferem manter suas poupanças em dinheiro em casa em vez de pagar juros sobre seus depósitos no banco. E elas podem incentivar a tomada excessiva de riscos por parte dos investidores, que se sentem forçados a ampliar, além da medida, os retornos financeiros e, muitas vezes, ir além das suas áreas de conhecimento. Há também a sensação de que, como o mundo está em território desconhecido quando se trata de taxas de juros negativas e outras políticas experimentais dos bancos centrais, existe risco considerável de consequências imprevistas e de efeitos inesperados. 

Valor: Alguns bancos centrais, como o Banco Central Europeu e o BoJ, começam a questionar os limites da expansão dos estímulos monetários e sua eficiência para estimular a economia, pedindo que os governos também façam sua parte. Qual é sua opinião sobre o uso da política fiscal nas economias desenvolvidas? Há espaço nesses países para ampliar o orçamento fiscal? 
El-Erian: Sim, existe, especialmente quando se trata de investimento necessário em infraestrutura. Há uma necessidade urgente de uma mudança de resposta política longe da dependência excessiva de bancos centrais como a única opção e mais no sentido de uma abordagem política mais abrangente. Tal mudança de referência teria quatro elementos principais. O primeiro, a implementação de uma reforma estrutural pró-crescimento, incluindo reformas fiscais e trabalhistas. Em segundo lugar, uma postura mais equilibrada de gestão de demanda, com o uso mais ativo da política fiscal, onde existe um amplo espaço em termos de viabilidade financeira. Em terceiro, a partir da aprendizagem com a década perdida dos anos 80 na América Latina, lidar com as áreas de endividamento excessivo e destrutivo. E, por último, melhorar a coordenação política global e, no caso da Europa, fazendo com que o aperfeiçoamento da arquitetura econômica regional apoie a união bancária e integração fiscal. Eu diria que essa necessária e tardia mudança de resposta política não é dificultada por questões de engenharia econômica, mas sim pela falta de vontade política de implementação, particularmente na Europa e nos Estados Unidos. 

Valor: Qual a sua perspectiva para a política monetária nos EUA? 
El-Erian: Acho que eles vão elevar a taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual uma vez neste ano, provavelmente em dezembro. O mais importante é que isso será feito no contexto de um ciclo incomum em termos históricos, isto é, sem muito espaço para ajustes posteriores da taxa de juros, um padrão "anda e para" em termos de sequência, e uma taxa neutra final que está bem abaixo das médias passadas. 

Valor: Qual o impacto de políticas monetárias divergentes adotadas pelo Federal Reserve (Fed, banco central americano) de um lado e Banco do Japão e BCE de outro, para os mercados de bônus e câmbio? 
El-Erian: É uma questão em aberto de por quanto tempo e quanto as políticas podem, de fato, divergirem em um mundo altamente interconectado financeiramente. Dito isto, um cenário de divergência, em que o Fed aperta os freios na política monetária, enquanto o Banco do Japão, o Banco da Inglaterra e o BCE pressionam mais fortemente o acelerador, é mais provável resultar em volatilidade do câmbio do que no aumento do diferencial das taxas de juros de longo prazo. Como tal, o mundo iria experimentar os efeitos de um dólar mais forte e mais volátil. 
"O Brasil tem potencial de crescimento significativo caso as políticas apropriadas sejam implementadas" 

Valor: Como isso afetaria os mercados emergentes? 
El-Erian: Não seria uma boa notícia para os países emergentes com baixas reservas internacionais, com descasamentos de moedas em seu "mix" de ativos e passivos e taxas de câmbio fixas. Através de volatilidade financeira, poderia ter impacto para países que têm atraído uma grande quantidade de investidores de curto prazo que são excessivamente sensíveis a crises de instabilidade do mercado e, portanto, tendem a fugir ao primeiro sinal da volatilidade. Tudo isso evidencia, a necessidade dos países emergentes de aumentar a resiliência econômica e financeira. E a maioria deles, incluindo o Brasil, estão em uma posição para fazê-la com boas políticas econômicas, gestão prudente da dívida, comunicação adequada e compreensão oportuna dos mercados de capitais globais. 

Valor: O senhor criou a expressão "novo normal" para descrever o período prolongado de baixo crescimento. Como essa nova realidade afeta os preços das commodities? 
El-Erian: A resposta difere de commodity para commodity, e não é tanto por causa da sensibilidade às flutuações da demanda global. Pelo contrário, é por causa das diferentes condições de fornecimento. Tomando como exemplo o petróleo. Como outras commodities, o preço foi impactado pelo menor crescimento da demanda global. Mas o principal motor do dramático efeito de diferença nos preços tem sido o lado da oferta, neste caso a disponibilidade de fontes alternativas, incluindo óleo de xisto, e a decisão da Opep de parar de fazer seu jogo para controlar a produção e influenciar os preços. 

Valor: Em seu novo livro, o senhor defende que uma taxa de câmbio mais desvalorizada pode impulsionar a atividade de empresas exportadoras e daquelas que competem com importações no mercado doméstico. No caso do Brasil, tal condição deve ser considerada? 
El-Erian: Sim. Na verdade, a queda do real nos últimos anos já está tendo impacto. 

Valor: Qual é a sua avaliação sobre a economia brasileira? 
El-Erian: É uma economia que está operando abaixo do seu potencial considerável. Tem potencial de crescimento significativo caso as políticas apropriadas sejam implementadas de uma forma sustentável e abrangente. 

Valor: Quais são os principais riscos à frente para os mercados emergentes? 
El-Erian: Se estamos falando de classe de ativos como um todo, os principais riscos têm a ver com três questões principais: o fraco crescimento das economias avançadas e o que isso pode fazer para o comércio global; a política incomum nesses países, que está alimentando a perda de confiança nos setores público e privado, e os danos colaterais e as consequências imprevistas da dependência prolongada da política monetária experimental.

Fonte: Valor (03/10/2016)

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