quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

TIC: Começa a contagem regressiva para o fim da concessão das teles


Começam as definições para as teles que quiserem se livrar das amarras da telefonia fixa


A contagem regressiva para o fim dos contratos de concessão de telefonia fixa tradicional é uma das principais preocupações da direção da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para 2020. Para definir o tema, o conselho diretor da agência terá sua primeira reunião extraordinária do ano no dia 22 de janeiro. Na pauta, detalhamento do projeto de migração do regime de concessão para autorização e liberação de uma consulta pública para discutir a metodologia de preços dos encargos da concessão que são eliminados num regime de autorização.  

Esse é um dos projetos que vêm sendo arrastados há anos. Outro caso emblemático é o edital de 5G, a nova geração de serviços móveis, cujo cronograma está atrasado, colocando em risco a realização do leilão no fim de 2020.   

Os atuais contratos entre a Anatel e as concessionárias vencem em 2025. As obrigações em vigor que a Oi, Telefônica Brasil, dona da Vivo; Embratel, do grupo Claro; Algar Telecom e Sercomtel têm em telefonia fixa tradicional foram calculadas na privatização do Sistema Telebras, nos anos 90, e são atualizadas periodicamente.  

As empresas e a própria agência esperavam que o regime dos contratos fosse alterado em 2010, quando o modelo de concessão foi considerado exaurido. Não houve êxito. Quanto mais se aproxima o prazo final dos contratos, menor é o saldo de investimento, ou seja, quanto as empresas terão de investir em infraestrutura. É igual a um gelo que está derretendo e não há como impedir, diz Leonardo Euler de Morais, presidente da Anatel.   

O cálculo do ônus da concessão é associado ao serviço de telefonia fixa, que inclui os orelhões. Mundialmente, a telefonia fixa cresceu só até 2006, quando acumulava 1,3 bilhão de terminais. No Brasil, o avanço ocorreu até 2014, com 45 milhões de terminais em uso. Depois disso, enquanto o número de telefones celulares se multiplicava, o de fixos encolhia. Em outubro de 2019, somavam 228,3 milhões e 34,4 milhões de linhas, respectivamente.  

A cada dois anos, as teles pagam ao governo 2% do valor associado às receitas de concessão. Entre 2015 e 2018, as teles tiveram de aplicar R$ 1,1 bilhão em manutenção de orelhões. Essa obrigação poderia ter sido redirecionada para infraestrutura de banda larga, se os contratos já tivessem sido alterados. “Não tem como agora exigir esse investimento [em banda larga] porque já aconteceu. Por isso, queremos que seja célere esse processo”, diz Morais.  

O presidente da Anatel se refere às definições para que as operadoras possam escolher encerrar antecipadamente os atuais contratos de concessão, ou mantê-los como estão. A mudança para autorização vem acompanhada de menos amarras regulatórias e redirecionamento dos investimentos em telefonia fixa, que quase ninguém mais quer, para banda larga.  

De acordo com o SindiTelebrasil, que representa as empresas do setor, a cada R$ 1 bilhão investido é possível instalar, por exemplo, 10 mil quilômetros de fibras ópticas e conectar 800 mil novos domicílios com acesso por banda larga.  

Mas não é fácil eleger o novo conjunto de regras. O primeiro passo veio com a aprovação do projeto de lei (PL 79/2016), após anos de idas e vindas, sancionado pelo presidente Bolsonaro em outubro. Além de criar um novo marco de telecomunicações, a lei permite alterar o regime dos contratos. Mas antes requer vários regulamentos e normas.  

O pacote, batizado de “Projeto Estratégico sobre reavaliação do regime e escopo dos serviços de telecomunicações”, está sob a relatoria do conselheiro da Anatel, Emmanoel Campelo. No projeto estão incluídas as minutas do novo Plano Geral de Outorgas, a resolução que vai aprovar o futuro Regulamento de Adaptação das Concessões do STFC [telefonia fixa] para Autorizações, os Termos de Autorização de Serviços e a metodologia de cálculo do saldo da adaptação.   

A reunião do dia 22 de janeiro deverá discutir o projeto e colocar em consulta pública a metodologia de preços dos encargos existentes na concessão que deixam de existir num regime de autorização. Segundo o presidente da agência, é preciso chegar a um valor justo, que atenda às empresas e ao interesse público. O cálculo será feito por uma consultoria que será contratada com recursos da União Internacional de Telecomunicações, na Suíça, em meados de 2020. As empresas interessadas no processo de seleção tiveram até 31 de dezembro para se inscrever. Depois da consulta pública, as contribuições serão avaliadas pela Anatel. O processo será analisado pelo Tribunal de Contas da União (TCU).  

As concessionárias estão reticentes sobre a mudança de contratos, reconhece o presidente da Anatel. Mas a lei, diz, abre uma “janela de oportunidades” e traz segurança jurídica. “Não vai haver nenhum tipo de coerção para elas se adaptarem. Se não concordarem com os termos, podem não querer brigar e esperar até 2025 para encerrar”. Nesse caso, pode ocorrer uma disputa jurídica sobre o saldo ao fim do contrato.  

Relatório do TCU indica que, segundo as concessionárias, em 2011, havia mais de 8 milhões de bens reversíveis, avaliados em R$ 108,3 bilhões - considerado o valor de aquisição, sem depreciação e amortização. Se aplicados esses fatores e a venda de parte dos ativos, o valor cai para cerca de R$ 20 bilhões, segundo fontes. Esses bens são os equipamentos, imóveis, centrais telefônicas e redes que as concessionárias receberam do Sistema Telebras na privatização e que são essenciais para operar o serviço de telefonia fixa.  

Nos casos em que houver acordo com as concessionárias, o saldo será redirecionado integralmente para investimento em áreas que tenham menor atratividade econômica e financeira, diz Morais. Esses aportes deverão ser compartilhados com as demais prestadoras. Ou seja, a empresa que implantar uma infraestrutura de transporte de dados terá de compartilhar com as rivais, sobretudo as de pequeno porte. O processo de migração deve durar um ano.   

Para Marcela Waksman Ejnisman, sócia na area de telecomunicação de TozziniFreire Advogados, é preciso ficar bem claro quais serão as bases da mudança de contratos, como os bens reversíveis serão tratados. Ela cita as prestadoras menores de telecomunicações que não têm rede própria, mas usam a infraestrutura das concessionárias por meio de acordo, além de outras empresas. “Tudo que for feito na migração é extensivo aos terceiros? É uma incógnita.”  

As concessionárias não comentam o assunto enquanto o conjunto de regras para migração não estiver definido. Enquanto isso, dividem as atenções com o leilão de 5G, pelo desembolso que terão de fazer. As teles argumentam que ainda estão investindo em 4G e 4,5G, por isso não têm pressa para a chegada da nova geração.  

“Aguardamos ter completa segurança jurídica e regulatória para sair o edital”, diz Marcos Ferrari, presidente do SindiTelebrasil. Duas propostas de edital estão sob análise de Moisés Moreira, conselheiro da Anatel, que planeja apresentar uma nova configuração ao colegiado na reunião marcada para 6 de fevereiro.  

Na opinião de Ferrari, há alguns pontos a serem resolvidos antes da publicação do edital. Um deles é referente às leis municipais para instalação de antenas de celular. A tecnologia 5G vai precisar de cinco a dez vezes mais antenas do que a 4G. Apesar de existir a Lei Geral das Antenas, a instalação dos equipamentos requer regulamentação municipal. Dependendo da localidade, um pedido de licença para instalação pode demorar anos.  

Uma saída está em tramitação por meio do projeto que instituiu o “silêncio positivo”. Se for aprovado, as autoridades terão um prazo de 90 dias para se manifestar sobre o pedido de instalação. Caso não responda nesse período, a empresa poderá colocar a antena. Mas, terá de desinstalar se, após esse prazo, o município concluir que o projeto da tele não atende aos requisitos técnicos. O projeto do deputado Vitor Lippi (PSDB-SP) está na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados.   

O presidente do SindiTelebrasil lembra o artigo 12 da Lei nº 13.116, sobre implantação e compartilhamento de infraestrutura. No texto diz que não será requerida contraprestação pela passagem de infraestrutura em vias públicas e em outros bens públicos. “A passagem é gratuita, mas tem órgãos públicos que nos cobram. É preciso estar mais claro. Como vai ser a expansão da banda larga, se não houver entendimento a esse respeito?”, questiona Ferrari.  

Outra barreira é a interferência da frequência de 5G sobre o sinal das TVs abertas via satélite recebido por antenas parabólicas. Nesse caso, como a Anatel ainda não conseguiu chegar a um acordo, o governo decidiu intervir e promete publicar uma portaria até meados de janeiro com uma solução: os dois serviços terão de conviver na mesma faixa de frequência de 3,5 gigahertz. A questão divide as teles e os radiodifusores, vizinhos na faixa de frequência.  

Neste ano, as teles também querem um assento no Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade, já que lidam com informações de todos os cidadãos. A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais entra em vigor em agosto de 2020, o que deve acirrar os debates.  

O Ano Novo também chega sem solução sobre a arrecadação dos fundos setoriais, uma ‘dor de cabeça’ para as operadoras. Em 2019, o governo apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para criar fundos públicos e extinguir centenas de outros. No caso de telecomunicações, dos R$ 100 bilhões arrecadados do setor de 2001 a 2018, apenas 8% foram aplicados no setor. “Defendemos a extinção dos fundos, das taxas e do Cide [Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico], pois o histórico acima mostra ampla distorção”, diz Ferrari.  

O gelo que conserva a cadeia de valor do setor começou mesmo a derreter mais rapidamente, revelando serviços ultrapassados, população sem conexão e falta de harmonia entre conselheiros da Anatel, o que atrapalha o andamento de projetos.

Fonte: Valor (07/01/2020)

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