Sou conservador. Mas hoje tenho medo até de pôr grana em imóveis. No Brasil, ninguém está seguro
Fui ao aniversário de meu sobrinho-neto, Leo, 2 anos. Gosto de festinha de família. É uma certeza encontrar primos, parentes que a gente não vê há tempos. Entre brigadeiros e outros docinhos, que ninguém é de ferro, a conversa girou sobre investimentos. Papo que sempre traz um clima de velório. Minha prima Damaris, que trabalhou a vida inteira na universidade, contou:– Quando me aposentei, botei o que tinha em ações da Petrobras. Hoje não valem nem um terço.
Confessei: eu também, há anos, comprei ações da Petrobras e da Vale. Os dois investimentos que pareciam mais seguros na época. Mas o governo botou a colherzinha nas empresas, e deu no que deu. Para me consolar, pensei num amigo, grande economista, que aconselhou a filha a vender um apartamento de três quartos para botar em ações da Petrobras.
– Hoje não tenho nem uma quitinete! – me disse ela.
Meu irmão mais velho, Airton, arrisca em ações. Contou seu truque:
– Se sobe 0,20, vendo imediatamente. Se baixa, também.
Aqui as empresas sobem e descem com a velocidade dos trens fantasmas a que eu ia quando criança. Frequentemente, dão o mesmo susto.
– Quem investiu no Eike Batista perdeu tudo – disse meu irmão.
– Alguém diria isso há dois anos? Todo mundo concorda que não.
– Sou conservador – afirmei, com um arrepio. Acredito em imóveis.
Silêncio respeitoso na mesa. Toda a família me considera um ás dos negócios, porque há muitos anos comprei um apartamento no Leblon, na orla do Rio de Janeiro, bem antes do boom imobiliário. Foi sorte. Sim, também. Mas o motivo foi, de fato, minha absoluta superficialidade. Sempre gostei de ler revistas de decoração e era fã da Architectural’s Digest. Entre fotos de penthouses de alto luxo em Nova York e casas campestres na Inglaterra, a revista oferece anúncios imobiliários. Percebi que o valor no exterior era muito superior ao brasileiro. Pensei:
– Esses preços também chegarão aqui. O primeiro lugar será a orla do Rio de Janeiro.
Vendi o que tinha, juntei mais um pouco e comprei meu apartamento em frente à praia. Pelo valor de um dois quartos nos confins do Recreio dos Bandeirantes, hoje. Um ano depois, começou a valorizar-se. Estamos em pleno boom imobiliário e me aconselham a vender. Digo que não. Quando for me aposentar, verei o que fazer. Perderei dinheiro? Pode ser, mas eu não saberia o que fazer com a bolada. Tenho medo até de botar em imóveis, atualmente. Tive uma linda casa no Morumbi. Eu adorava a casa, o bairro que, embora não fosse um condomínio fechado, tinha portaria. Atrás do bairro, havia um enorme terreno, cheio de verde. Depois, começava Paraisópolis, a maior favela de São Paulo. Próximo à guarita de entrada, o Extra Morumbi. Resolvi mudar para um bairro mais central. Vendi. Foi a sorte. Começaram a construir, justamente na entrada, o monotrilho. Pode ser útil. Mas admiro como um governante, diante de uma cidade tão feia, resolve torná-la ainda mais pavorosa com um monotrilho. O metrô seria igualmente útil. O ponto será em frente à guarita do meu antigo bairro. O lindo terreno de trás, que poderia se tornar uma reserva ecológica, foi invadido pelos moradores para quem Paraisópolis ficou caro! E o valor de minha antiga casa? Prefiro não perguntar. Virou, no mínimo, o tipo de imóvel difícil de vender. Casas de amigos do passado, que eu considerava ricos, hoje se tornaram escombros, à beira de viadutos, com avenidas construídas na porta, trânsito selvagem em torno. Uma amiga herdou uma lindíssima chácara, com os irmãos. Foi invadida. A última vez em que tive notícia, estava há anos em luta com a Justiça, para retomar a área. Mesmo a sofisticada região dos Jardins, em São Paulo, sofre. Do dia para a noite, alguém resolve mudar algumas mãos de trânsito, e uma rua bucólica torna-se um corredor de passagem, com um barulho atordoante.
Quem não é milionário, e faz investimentos ao longo da vida para garantir a velhice tranquila, não pode ter certeza de que viverá uma velhice tranquila. É muito fácil perder o que se guardou toda a vida, no Brasil, porque não há segurança de que as regras se manterão as mesmas, de que as informações não são manipuladas e de que os projetos, mesmo de urbanização, não mudarão de uma hora para outra. Fico pensando: se eu, um simples cidadão, me sinto assim, dá para imaginar por que os investidores internacionais desaparecem.
Fonte: Walcyr Carrasco - Época (28/09/2013). Colaboração: Gilson Costa.
Nota do Colaborador: Muito interessante essa reportagem da Revista Época. Ela retrata a situação que vivemos.
Aqueles que investem para uma aposentadoria tranquila podem se decepcionar, mais a frente.
Aquilo que é um excelente investimento hoje, pode ser péssimo daqui a três ..quatro anos.
O mesmo acontece com os Fundos de Pensão, apenas com a diferença de que seremos nós, participantes e assistidos, os grandes perdedores...
É comum, dirigentes afirmarem que tem que “ousar”, investir em renda variável, arriscar..... Mas, é fácil fazer isso, quando o dinheiro é dos outros e não há política de consequência...
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