Quem fizer as contas vai se aposentar aos 65 anos se for homem e aos 62 anos se for mulher
Muito se falou nos últimos meses sobre a fixação de idade mínima para aposentadoria no novo regime previdenciário que deve ser criado no país, de 65 anos para homens e de 62 anos para mulheres — me refiro aqui à regra geral, não à dos brasileiros abençoados que conseguiram modelos diferenciados.
Mas poucas pessoas devem ter se dado conta de que essa também será a idade máxima de aposentadoria — mesmo que o benefício do INSS assegurado ao se alcançar a tal idade seja bem inferior ao salário de contribuição.
Vamos explicar abaixo com mais detalhes e números. Mas o resumo da história é que os 2% de incremento no valor do benefício por ano adicional de trabalho não compensam o que se deixa de ganhar de aposentadoria.
Vamos às contas. Imagine um trabalhador com emprego formal que tenha renda de R$ 5.000 por mês, e que tenha chegado aos 65 anos com 20 anos de contribuição com esse mesmo valor. Conforme a regra aprovada, ele terá direito a se aposentar e a receber 60% do salário de contribuição, ou R$ 3.000 por mês. Se contribuísse por mais um ano, e se aposentasse com 66 anos, seu benefício seria de 62% sobre os R$ 5.000, chegando a R$ 3.100. Se fossem 2 anos extras, a aposentadoria mensal chegaria a R$ 3.200, e assim por diante, sempre 2% a mais aplicados sobre o salário de contribuição.
O que dizemos aqui é que o adiamento da aposentadoria não valerá à pena. E principalmente (mas não só) porque a expectativa de vida é a mesma para quem pede para receber o benefício do INSS ou não (lembrando que no setor privado, ainda será possível acumular salário do emprego com a aposentadoria).
Atualmente, a sobrevida média de quem chega aos 65 anos é de mais 20 anos. Ou seja, essas pessoas morrerão, na média, perto dos 85 anos.
Para a pessoa do exemplo, um ano extra de trabalho vai gerar R$ 100 a mais por mês de benefício. Porém, essa pessoa receberá os R$ 3.100 mensais (mais o 13º) por 19 anos, e não por 20 anos, como fará aquele trabalhador que se aposentar assim que completar 65 anos.
Na prática, por trabalhar um ano a mais a pessoa ganha R$ 24.700 (R$ 100 x 19 anos x 13 pagamentos por ano). Mas abre mão de receber R$ 39.000 (R$ 3.000 x 13 pagamentos) no primeiro ano de aposentadoria. Fazendo a conta, a perda seria de R$ 14.300.
Esse cálculo acima é simplificado. Um dinheiro "não ganho" no primeiro ano vale mais do que um dinheiro extra que se ganharia ao longo de 19 anos, por causa do efeito dos juros.
A valor presente, ou seja, a dinheiro de hoje, considerando juros de 2% acima da inflação, a pessoa do exemplo perderia pouco mais de R$ 18 mil se adiasse a aposentadoria.
Ganhos e perdas ao se adiar a aposentadoria em um ano
Valor nominal(R$) Valor Presente (R$) **
Ganho com benefício maior* | 24.700 | 19.982 |
Deixa de ganhar no 1º ano | -39.000 | -38.235 |
Efeito líquido | -14.300 | -18.253 |
O lado bom
Se estamos dizendo que não valerá a pena postergar a aposentadoria após se atingir a idade mínima, fizemos as contas para saber se é um bom negócio contribuir mais do que o mínimo de anos necessários para ter direito a aposentadoria (15 anos para homens e mulheres), se o brasileiro ainda não tiver alcançado a idade mínima.
E a resposta para essa segunda pergunta é sim — contanto que a regra recém-aprovada não seja novamente alterada (piorada), hipótese que não é exatamente improvável.
Imagine um caso similar ao do exemplo acima. Um homem tem salário de R$ 5.000 e contribui com cerca de R$ 550 por mês para o INSS. Só que neste segundo caso os 20 anos de contribuição (sempre com o mesmo salário, para facilitar a conta) são atingidos com 45 anos de idade. Se seguir contribuindo por outros 20 anos, alcançando 40 anos de contribuição aos 65 anos de idade, essa pessoa terá direito a receber os mesmos R$ 5.000 (100% do salário de contribuição).
Se fosse um autônomo, ao menos em tese essa pessoa poderia deixar de contribuir para INSS aos 45 anos, e já teria direito a pedir um benefício de R$ 3.000 quando tivesse 65 anos de idade (todos os exemplos presumem correção pela inflação). Seriam R$ 2.000 a menos por mês, ante o cenário citado inicialmente.
Paralelamente, porém, esse indivíduo poderia economizar os R$ 550 que deixaria de pagar ao INSS por conta própria, e complementar sua aposentadoria oficial.
Ocorre que não será trivial, no Brasil de hoje, com taxa real de juros de curto prazo abaixo a 2% e de longo prazo inferior a 4%, conseguir rentabilidade que compense essa troca.
Ao se considerar 20 anos economizando 13 parcelas de R$ 550 por conta própria, até os 65 anos, e depois mais 20 anos recebendo o benefício (ao se considerar a morte aos 85 anos), seria preciso um juro real superior a 6% ao ano para assegurar os R$ 2.000 adicionais mensais que a nova regra do INSS prevê.
Não é impossível conseguir um retorno desses com uma carteira de investimentos diversificada, e com uma pitada de risco, no longo prazo. Mas tampouco é fácil como já foi no passado.
Por outro lado, a alternativa não é menos perigosa. Pensando no que ocorreu no Brasil nas últimas décadas em frequência de reformas da Previdência, é bem razoável trabalhar com a possibilidade de que ocorra pelo menos mais uma mudança de regras nos próximos 20 anos.
Fonte: Valor Investe (26/07/2019)
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