Ainda sem definição no Senado Federal, o projeto de lei 79/16, que atualiza o marco legal das telecomunicações e abre caminho para o fim do regime de concessão no setor, é alvo de uma carta aberta de entidades de defesa dos consumidores e do direito à comunicação. O documento é um contraponto à cartilha criada pela Anatel para defender o projeto e aponta motivos para que ele não seja aprovado ou sancionado.
“A cartilha da Anatel promove a desinformação em relação ao tema, pois (i) confunde rede fixa com o serviço de telefonia fixa; (ii) acaba com o regime público; (iii) diminui a arrecadação com outorgas; (iv) favorece a concentração do mercado de telecomunicações; (v) fere a lei 8.666 de licitações; (vi) incentiva a judicialização; e (vii) troca as obrigações de universalização das concessionárias por compromissos vagos que não beneficiarão os que mais necessitam de acesso às telecomunicações”, diz a carta aberta.
A crítica é assinada por três dezenas de entidades – 20 delas reunidas na Coalizão Direitos na Rede – como Clube de Engenharia, FNDC e Intervozes. Uma das principais queixas da tramitação é pela falta de números sobre o volume de investimentos que poderá eventualmente ser gerado com a transformação de concessões de telefonia em autorizações – medida que, para os defensores do PLC 79/16, geraria recursos para investimentos em redes de banda larga.
“Este projeto de lei é negligente em relação ao interesse público ao não estabelecer a metodologia ou tampouco os critérios de valoração associados à adaptação da concessão para autorização. Além disso, os tão discutidos bens reversíveis, estimados em dezenas de bilhões de reais, maculam o PL por não terem sua valoração estabelecida ex-ante, promovendo insegurança jurídica”, argumentam as entidades.
Outro ponto atacado é a possibilidade de renovações sucessivas das faixas de frequência, sem novas licitações. “Trata-se de um verdadeiro descalabro administrativo permitir, por lei, que a concentração de mercado se perpetue, impossibilitando o acesso a tal recurso por novos entrantes. Ademais, há o perigo de judicialização por parte das empresas que se sentirem prejudicadas. Além disso, nenhuma das exceções previstas na Lei de Licitações é compatível com a possibilidade de renovação de licenças previstas no PLC 79/16.”
Para as entidades, “trocar obrigações por compromissos enfraquece a posição do poder público ao não garantir os investimentos, principalmente nas áreas mais carentes”. Além disso, reclamam de temas que não tratam diretamente das telecomunicações, mas foram incluídos na tramitação, como a isenção de taxa de radiodifusores. “Isentar injustificadamente os radiodifusores do pagamento do FUST, assunto que nada tem a ver com reforma pretendida, mas incluída como um ‘puxadinho’ no projeto, resultará em prejuízo ao erário de cerca R$200 milhões de reais anuais.”
Carta aberta aos Senadores sobre a rejeição ao PLC 79/2016
Réplica à cartilha da Anatel
Na discussão de um novo marco regulatório para as telecomunicações nacionais, é crucial salientar o papel que os responsáveis pela elaboração, implementação e fiscalização das políticas públicas vêm desempenhando no cenário brasileiro. O antigo Ministério das Comunicações, e atualmente o Ministério da Ciência Tecnologia Inovação e Comunicações (MCTIC), não demonstrou compromisso com políticas e regulação de longo prazo, tampouco com medidas que propiciem o desenvolvimento do setor de comunicações, com a indústria, a pesquisa e o desenvolvimento. Tal postura levou o Tribunal de Contas da União (TCU) a posicionar-se no tema afirmando que "cada projeto do Ministério não vem acompanhado de meios que possibilitem o acompanhamento dos objetivos e finalidades que estabeleceu, tais como metas, estratégias ações, prazos, indicadores e mecanismos de monitoramento e avaliação que propiciem o alcance da universalização da banda larga" [2].
Por seu lado, a Anatel frequentemente é arrolada em importantes episódios de incompetência gerencial e administrativa, como foram os casos do controle dos bens reversíveis da telefonia fixa, da falta de acompanhamento da proibição de adoção de subsídio cruzado do serviço de telefonia fixa para outros serviços, da cobrança ineficaz de multas, da realização dos Termos de Ajustamento e Conduta com as concessionárias, entre outros. Sobre o gerenciamento dos bens reversíveis realizado pela Anatel, o mesmo TCU, em auditoria realizada declarou: “A regulamentação de controle elaborada pela Anatel não assegura a conformidade e a atualidade das informações sobre esses bens. O processo de apuração de irregularidades e de eventual aplicação de penalidades é ineficaz" [3]. Estas ações, ou precisamente a falta delas, criaram, na sociedade, uma indignação que aponta para uma evidente cooptação dos órgãos públicos pelas empresas prestadoras de serviço. Estranhamente, mesmo que não tenhamos nenhum indicador internacional que posicione o país adequadamente em propostas de maior liberdade regulatória, retirando possibilidades de maior autodeterminação dos caminhos para o setor que venham beneficiar a população. Estas inadequações e imprecisões impregnam a discussão de um novo marco regulatório de telecomunicações e dão um sentimento de irresponsabilidade e imediatismo, muito mais para solução de questões pontuais, do que para oferecer ao país mudanças duradouras de desenvolvimento.
Recentemente, a Anatel lançou uma cartilha [1] defendendo a aprovação do PLC 79/16. Ainda que esse projeto de lei não possa ser considerado um novo marco regulatório para as telecomunicações, a cartilha da Anatel promove a desinformação em relação ao tema, pois (i) confunde rede fixa com o serviço de telefonia fixa; (ii) acaba com o regime público; (iii) diminui a arrecadação com outorgas; (iv) favorece a concentração do mercado de telecomunicações; (v) fere a lei 8.666 de licitações; (vi) incentiva a judicialização; e (vii) troca as obrigações de universalização das concessionárias por compromissos vagos que não beneficiarão os que mais necessitam de acesso às telecomunicações.
Defendemos alterações jurídico-regulatórias para o setor de telecomunicações por meio das quais o Poder Público cumpra com os objetivos estabelecidos no artigo 2º da LGT [4], que além de destacar o papel regulador do Estado dentre os quais destacamos o acesso às telecomunicações e a competição entre os diferentes atores do setor. Nenhum destes pontos está garantido com o PLC 79/16. Pelo contrário, este projeto de lei é negligente em relação ao interesse público ao não estabelecer a metodologia ou tampouco os critérios de valoração associados à adaptação da concessão para autorização. Além disso, os tão discutidos bens reversíveis, estimados em dezenas de bilhões de reais, maculam o PL por não terem sua valoração estabelecida ex-ante, promovendo insegurança jurídica.
Na cartilha[1] a Anatel propositadamente induz o leitor a confundir a rede fixa com o serviço de telefonia fixa. Pela rede fixa passam dados, conteúdos dos mais diversos, voz. A telefonia fixa, por sua vez, é apenas um dos serviços oferecidos pela rede fixa. Esta rede é muito valiosa e foi potencializada pela tecnologia xDSL, garantindo grandes velocidades de transmissão. À Anatel cabe cobrar das operadoras a modernização destas redes, como vem sendo feito em diversos países. A agência nega a doação de bens públicos e chega a dizer que estes não são da União. De acordo com o que estabelece a Constituição Federal, no entanto, em função da reversibilidade dos bens, as empresas privadas em nenhum momento se tornaram proprietárias de tais bens.
O nível de universalização dos serviços de telecomunicações, mesmo muito aquém do que deveria, só ocorreu graças aos contratos de concessão. Sem eles, os cidadãos ficarão nas mãos do mercado. Como sabemos, o Brasil é um país grande e diverso e há muitas áreas que não interessam ao setor privado. Por esta razão, o artigo 65 § 1º da LGT estabelece que as modalidades de serviço de interesse coletivo que estejam sujeitas a deveres de universalização, não devem ser deixadas à exploração apenas em regime privado. Como se sabe a banda larga é atualmente um serviço que perpassa todas as atividades de nossa sociedade, sendo, portanto, necessária a garantia de sua universalização.
Hoje as concessionárias têm obrigações descritas nos contratos de concessão. Trocar obrigações por compromissos enfraquece a posição do poder público ao não garantir os investimentos, principalmente nas áreas mais carentes. Além disso, pelos atuais contratos, as concessionárias são obrigadas a levar banda larga gratuita às escolas públicas urbanas até 2025. Na cartilha[1], a Anatel omite essa informação.
O espectro de radiofrequências é um recurso público limitado administrado pela Anatel. No PLC 79/16 a Anatel poderá renovar o uso de radiofrequências sem nenhuma licitação. Tal previsão não existe em países desenvolvidos e não é apoiada por nenhuma organização regional ou internacional relacionada às telecomunicações. Trata-se de um verdadeiro descalabro administrativo permitir, por lei, que a concentração de mercado se perpetue, impossibilitando o acesso a tal recurso por novos entrantes. Ademais, há o perigo de judicialização por parte das empresas que se sentirem prejudicadas. As finanças públicas sairão prejudicadas uma vez que bilhões de reais são arrecadados por meio de licitações de frequência (por exemplo, por meio da licitação de frequências da telefonia celular já foram arrecadados cerca de 70 bilhões de reais). Além disso, nenhuma das exceções previstas na Lei de Licitações é compatível com a possibilidade de renovação de licenças previstas no PLC 79/16.
O PLC/79 chega às raias do absurdo, ao isentar injustificadamente os radiodifusores do pagamento do FUST, assunto que nada tem a ver com reforma pretendida, mas incluída como um "puxadinho" no projeto, que resultará em prejuízo ao erário de cerca R$200 milhões de reais anuais.
Conforme o artigo 19 da Lei Geral de Telecomunicações, compete à Anatel atuar com independência, e respeitar os princípios de “imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade". A cartilha da Anatel fere, no mínimo, os princípios da imparcialidade e da impessoalidade, ao advogar publicamente pela aprovação do PLC/79, aliando-se aos interesses das atuais concessionárias (Oi, Vivo e Claro).
Os motivos acima relacionados deixam claro que o PLC 79/16 não deve ser sancionado. Caso contrário, não apenas o interesse público será prejudicado, mas muitos atores privados estarão reféns de grandes operadoras que terão seu poder de mercado aumentado por meio dos mecanismos estabelecidos no referido PLC. A discussão acerca de um marco regulatório que coloque foco na universalização da banda larga ajustada aos interesses da sociedade brasileira é necessária, mas não nos moldes apresentados no PLC 79/16.
Clube de Engenharia
Coalizão Direitos da Rede
Instituto Telecom
Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC)
Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social
Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS)
Instituto Nupef
Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife - IP.rec
Laboratório de Pesquisa em Políticas Públicas e Internet – LAPIN
Fonte: Convergência Digital (02/07/2019)
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