O Supremo Tribunal Federal já agendou o julgamento do recurso com potencial de influenciar diretamente a vida e os benefícios de milhares de aposentados e pensionistas do INSS. A Corte marcou entre os dias 4 e 11 de junho o julgamento, no plenário virtual, da chamada "revisão da vida toda", que poderá validar o aumento nas aposentadorias e pensões de segurados. Discute-se a aplicação da regra mais vantajosa aos beneficiários da Previdência Social que tiveram contribuições anteriores a julho de 1994, período que coincide com o Plano Real.
Especialistas ouvidos pela ConJur consideram ser difícil, no momento, avaliar os efeitos financeiros de uma possível decisão do STF em favor dos aposentados, embora julguem que o mais importante é a fixação de tese de repercussão geral de um tema que vem sendo discutido pelo Judiciário há anos sem que seja consolidada uma posição definitiva de como corrigir as pensões. Hoje há milhares de pedidos de revisão de benefícios, incluídas aposentadorias e pensões, os quais aguardam por uma decisão.
A causa vem de longe. A Lei 9.876/99 reformou a Previdência e criou uma regra de transição que desconsiderou, para o cálculo da aposentadoria, os valores recebidos antes de julho de 1994. A revisão da vida toda permitiria que segurados que tiveram contribuições altas anteriores a esse período pudessem usar a média de todos os salários de contribuição para a revisão do benefício, com base no artigo 29 da Lei 8.213/1991.
Antes desta lei, todos os benefícios eram concedidos com base nas últimas 36 contribuições existentes nos últimos 48 meses antes do pedido de aposentadoria. Foram criadas, duas regras, a definitiva e a regra de transição. Na regra de transição criada, que deveria ser utilizada para o cálculo de todos os benefícios de quem já estava contribuindo com o INSS antes da nova regra, só deveriam ser considerados os salários de contribuição a partir de julho de 1994.
A regra de cálculo definitiva, por outro lado, previa a inclusão de todos os salários de contribuição, de toda a vida, para cálculo de benefícios. O INSS, desde então, sempre considerou somente as contribuições de julho de 1994 para a concessão de todos os benefícios. Acontece, que em alguns casos, mesmo sendo hipótese de utilização da regra de transição, o segurado tinha um benefício maior, caso fosse feito o cálculo pela regra definitiva, e começaram então a chover processos de revisão, solicitando a utilização da regra de cálculo definitiva e não de transição.
Marco Aurélio relator
A ação em debate foi ajuizada contra o Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS) por um contribuinte do Rio Grande do Sul afetado pelas regras. O pedido foi negado em primeira e segunda instâncias, mas aceito no Superior Tribunal de Justiça em 2019. O INSS interpôs recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, que aguarda julgamento. Segundo o governo, a não aplicação da regra da Lei 9.876/99 equivaleria à declaração da sua inconstitucionalidade, e a exclusão do período contributivo anterior teria sido opção legislativa.
O caso será relatado pelo ministro Marco Aurélio, que ainda não apresentou seu voto. A primeira manifestação oficial partiu do procurador-geral da República, Augusto Aras, que, em parecer enviado ao STF, opina pelo não provimento do recurso e pela possibilidade de revisão da vida toda aos segurados que ingressaram no regime geral da Previdência antes da publicação da lei de 1999. O próprio STF, segundo Aras, já firmou entendimento segundo o qual, em matéria previdenciária, deve ser assegurado o benefício mais vantajoso.
"Desconsiderar o efetivo recolhimento das contribuições realizado antes da competência de julho de 1994 vai de encontro ao direito ao melhor benefício e à expectativa do contribuinte, amparada no princípio da segurança jurídica, de ter consideradas na composição do salário de benefício as melhores contribuições de todo o seu período contributivo", sustenta.
O advogado especialista em Direito Previdenciário João Badari, sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, explica que a decisão beneficiará profissionais que estão no mercado de trabalho antes de julho de 1994 — aposentados ou não — que podem exigir a inclusão dessas contribuições na contagem. "Essa ação beneficia quem tinha bons salários antes de 1994 e, consequentemente, fazia contribuições maiores ao INSS e que, se computadas no cálculo para aposentadoria, farão a diferença no cálculo do valor".
O prazo para pedir a revisão é de até dez anos, ou seja, se o segurado se aposentou em 2011, ele expira este ano. Por isso é importante ingressar com a ação na Justiça o mais rápido possível para conseguir ter o seu direito julgado de acordo com a decisão do STF, orienta Badari, que atua como amicus curiae no caso.
O advogado Murilo Aith reforça que o objetivo da revisão é o de que prevaleça a regra definitiva quando o cálculo trouxer mais benefícios aos segurados. "Isso significa segurança jurídica. Qual a segurança que o segurado tem, mesmo contribuindo há vários anos, se que as regras podem ser mudadas a qualquer momento para prejudicá-lo?", questiona.
Além disso, diz Aith, isso violaria o inciso 36 do artigo 5º da Constituição, que trata justamente do princípio da segurança jurídica. "A tese de prevalência da melhor regra de cálculo já foi reconhecida pelo próprio STF em 2013, quando optou pela regra do melhor benefício", afirma.
Badari também destaca que a posição da decisão PGR reforça que o INSS não poderia aplicar uma regra de transição mais desfavorável que a permanente. "Afinal, regras de transição sempre devem beneficiar, jamais prejudicar. Enxergo a"revisão da vida toda" como a mais importante revisão de aposentadoria desde a negativa da desaposentação. Espero que o STF traga justiça aos aposentados que foram prejudicados", pontua o advogado.
Tanto Aith quanto Badari reforçam o sentido social de uma decisão desse porte e citam um estudo feito por Marcelo Borsio, presidente do Conselho de Recursos da Previdência Social, segundo o qual os recursos destinados à Previdência Social não podem ser considerados gastos e, sim, investimentos. Trazem como exemplo os programas desenvolvidos pelo presidente Franklin Roosevelt nos Estados Unidos após a Grande Depressão de 1930 e os programas desenvolvidos na Europa nos dois períodos posteriores às duas guerras mundiais, que proporcionaram crescimento e beneficiaram toda a população.
O vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), advogado Diego Churchill, alerta que nem todo mundo será beneficiado por uma eventual revisão. Segundo ele, a revisão seria aplicada para alguns casos específicos como, por exemplo, quem trabalhou contribuindo pelo teto até 1994, saiu desse emprego e acabou recolhendo pelo mínimo ou em valor menor.
"O IBDP entende que a revisão da vida toda é o ideal do princípio do equilíbrio atuarial, pois não é correto o INSS ganhar por conceder um benefício menor para segurados que contribuíram atuarialmente com mais, utilizando uma regra criada para beneficiar em desfavor daqueles que custearam um valor maior para suas aposentadorias", finaliza o vice-presidente do IBDP.
Clique aqui para ler o parecer de Aras
RE 1.276.977
Fonte: Conjur (29/05/2021)
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