O fundo de pensão dos funcionários dos Correios, o Postalis, que tem um déficit de cerca de R$ 1 bilhão, não deve ter um desempenho positivo de seus investimentos no curto prazo, mesmo com a mudança recente de sua diretoria financeira, responsável pelos investimentos da fundação. Isso porque 80% dos ativos de seu maior plano não têm liquidez, sendo de difícil venda num curto espaço de tempo sem prejuízo.
No começo do mês foi empossado um novo executivo para a diretoria financeira no lugar de Ricardo Oliveira Azevedo, que renunciou ao cargo no começo de outubro depois que vieram à tona, por meio da imprensa, penalidades impostas a ele e a ex-dirigentes do Postalis pela Previc, órgão regulador do setor, por causa de investimentos feitos em desacordo com as regras vigentes. Para o seu lugar foi escolhido André Luiz Carvalho da Motta e Silva, até então diretor de seguridade do Postalis.
Os Correios, patrocinador da fundação, estão fazendo contribuições extraordinárias junto com os participantes desde o começo do ano para cobrir o déficit. Procurada, a empresa informou por meio de sua assessoria de imprensa que promoveu a substituição do diretor da área de investimentos "e a expectativa é de que, apesar das dificuldades, o Postalis venha a alcançar melhores resultados com a implementação de novos controles operacionais e melhoria na política de investimentos".
Correios dizem que fundo de pensão está adotando novos controles e vai melhorar sua política de investimentos
Questionados sobre quais controles e melhorias seriam essas, os Correios pediram para procurar o Postalis. O fundo de pensão informou, também pela assessoria, que não poderia responder às perguntas enviadas até o fechamento desta reportagem porque o novo diretor financeiro ainda estava tomando conhecimento de sua nova área e precisaria de mais tempo.
O Valor teve acesso ao relatório da última fiscalização da Previc no fundo, no fim do ano passado, que menciona que em reunião feita com a diretoria da fundação na ocasião, o diretor financeiro (à época Azevedo) relatou planos de mudanças do perfil dos investimentos por conta do baixo retorno do portfólio de aplicações. O órgão regulador observou, porém, que seria difícil fazer isso sem perdas. "Aproximadamente 80% dos recursos garantidores do plano BD [de benefício definido] são ilíquidos, ou seja, de difícil alienação pelo menos num curto prazo sem incorrer em prejuízos", diz o relatório.
A Previc observou também que o Postalis "vem aumentando o nível de títulos ilíquidos [nos últimos anos]". São considerados ativos sem liquidez títulos privados, que têm um mercado secundário ainda com pouca negociação, cotas de fundos que compram participação em empresas (private equity), fundo de investimento em direitos creditórios (Fidc) e investimentos em imóveis. Segundo um consultor, a média do setor para investimentos ilíquidos é de 20% dos ativos.
A Previc trata o caso do Postalis como de "exceção" entre os fundos de pensão que têm déficits. Questionado sobre a situação do fundo e as penalidades que a autarquia vem aplicando a atuais e ex-dirigentes da fundação, José Maria Rabelo, superintendente da Previc, disse que o órgão não comenta casos específicos, mas que não via uma "ameça maior de liquidez do fundo", ou seja, de ele não conseguir pagar os benefícios.
O Postalis foi envolvido em alguns escândalos políticos (mensalão e CPI dos Correios) e voltou recentemente às páginas dos jornais por conta de perdas com aplicações em ações de empresas de Eike Batista e por aplicações em bancos que foram liquidados, como o BVA. A fundação também figura na lista de credores do Banco Santos.
O Postalis tem cerca de R$ 8 bilhões em recursos sob gestão e 132 mil participantes, dos quais pouco mais de 110 mil ainda são ativos, ou seja, estão no período de acumulação de recursos para receber seu benefício nos próximos anos. Os dois planos de benefícios da fundação não batem suas metas de retorno desde 2011, quando o déficit atual começou a ser formado.
Segundo dados da Abrapp, associação que reúne os fundos de pensão, o setor apresentou retorno abaixo de sua meta de rentabilidade (INPC mais 6%) em 2011. Mas no ano passado a situação foi diferente e o retorno médio dos fundos de pensão foi de 15,37%, acima da meta de 12,57% no ano. Com a grande volatilidade do mercado financeiro neste ano, o setor não vai bater suas metas de retorno, o que deve aumentar o déficit dos fundos que estão no vermelho.
Em 2011, o resultado negativo do Postalis foi de R$ 541,9 milhões, mas foi reduzido para R$ 405 milhões por causa do superávit de R$ 136,8 milhões produzido em 2010. Em 2012, o déficit subiu para R$ 985,7 milhões. Do saldo negativo total, cerca de 70% se deve à má performance dos investimentos e 30% a ajustes necessários na premissas dos planos, como o aumento da expectativa de vida dos participantes.
Tanto a fundação quanto os Correios, porém, atribuem o retorno das aplicações abaixo da meta ao cenário macroeconômico. "A ECT tem conhecimento das dificuldades que o Postalis vem enfrentando, mas também entende que a melhoria da conjuntura econômica felizmente permitiu a queda das taxas de juros, o que teve, como consequência, a queda da rentabilidade dos fundos de pensão em geral", diz os Correios em nota.
Quando se analisa os investimentos do Postalis, o que chama a atenção é o alto volume de recursos em papéis privados e em investimentos estruturados, em uma proporção bastante diferente da média do setor. Segundo dados da Abrapp, o setor investe em média 2,4% do patrimônio em investimentos estruturados, ante 26,3% do maior plano do Postalis. O setor aplica em média 4,4% em crédito privado, ante 20% dos planos do Postalis. Já a aplicação em títulos públicos, bastante popular no setor, tem pouco espaço na carteira própria do Postalis: 0,55% dos ativos, ante 12,5% do setor.
O relatório de fiscalização chama a atenção para o "histórico de situações de inadimplências do Postalis". Ele aponta, por exemplo, que na carteira de cédulas de crédito bancário (CCBs), que somavam R$ 864 milhões na época, 50% dos emissores apresentaram alguma dificuldade de pagamento.
Uma grande parte dos recursos (cerca de 60% do patrimônio) é administrada por fundos terceirizados, e uma parte deles não está trazendo retorno compatível com as metas da fundação. O documento chama atenção ainda para possíveis conflitos de interesse com o BNY Mellon, que é o agente fiduciário dos fundos de investimentos e da carteira própria da fundação e, ao mesmo tempo, administra e gere diversos fundos do Postalis.
A fiscalização ressalta que não está afirmando que os envolvidos estejam praticando atos ilícitos ou que gerem prejuízos, mas apenas indicando que "há potencial conflito de interesse para o Postalis". Recentemente, a alta cúpula da administração do BNY no Brasil foi afastada dentro de um processo de "revisão interna", informou a empresa outubro, sem dar detalhes.
A fiscalização também aponta potencial conflito de interesse com outro prestador de serviços, a Risk Office, que faz consultoria de investimentos e de riscos, mas também presta "serviços correlatos". Reportagem do Valor de setembro mostrou que recursos do Postalis capitalizaram a Risk Office.
Troca de executivos seria resultado de disputa política
O aumento na frequência das denúncias envolvendo o Postalis, fundo de pensão dos funcionários dos Correios, bem como dos autos de infração lavrados pela Previc não são mero resultado de maior fiscalização ou reflexo da pressão dos participantes. Segundo pessoas ligadas ao fundo e aos beneficiários tudo é um grande teatro político, conforme o Partido dos Trabalhadores (PT) tenta tomar a diretoria financeira do PMDB.
"Tudo lá é político. A diretoria financeira é do PMDB, só que o PT queria indicar o diretor. Por isso, o 'fogo amigo' para tentar tomar conta", diz uma pessoa de uma associação dos funcionários que pediu para não ser identificada.
O ex-diretor financeiro Ricardo Oliveira Azevedo, que pediu demissão, era ligado ao PMDB. O novo ocupante do cargo, André Luís Carvalho da Motta e Silva, que ocupava a diretoria de seguridade, é ligado ao mesmo partido. No entanto, a ordem agora seria de "trabalhar com mais seriedade".
O presidente dos Correios, Wagner Pinheiro, ligado ao PT, indicou para a presidência do conselho deliberativo do Postalis Ernani de Souza Coelho, e para a presidência executiva do fundo Antonio Carlos Conquista.
Questionado sobre um possível "aparelhamento político" do fundo, Pinheiro disse que ambos os executivos têm experiência na área de previdência complementar, assim como ele. Antonio Conquista foi seu chefe de gabinete na Petros, fundo de pensão dos funcionários da Petrobras que Pinheiro comandou até assumir os Correios. Já Souza Coelho, argumenta o executivo, é funcionário aposentado dos Correios e foi diretor de seguridade do Postalis há seis anos. "Nos conhecemos trabalhando com previdência complementar", disse.
Motta e Silva, o novo diretor financeiro que foi nomeado para a diretoria de seguridade em abril, é visto como um caso mais sério, apurou o Valor. Para o lugar dele, na diretoria de seguridade, assumiu Emmanuel Rego Alves Vilanova, que passou por outras áreas dentro do Postalis. Ele seria indicação do PT, mas recebeu a benção do PMDB. Já o diretor administrativo, Roberto Macedo de Siqueira Filho, tem história na casa e criou alguns desafetos por se recusar a assinar investimentos que julgava prejudiciais.
Segundo o representante de uma associação de participantes, a maioria dos beneficiários dos Postalis é de nível econômico muito baixo. Como o INSS paga a maior parte da aposentaria, que é complementada com uma parte pequena pelo fundo, o interesse com a gestão e o futuro do fundo é muito limitado.
Hoje, a Comissão de Assuntos Sociais do Senado realiza audiência pública sobre a situação dos fundos de pensão brasileiros, em que representantes dos participantes e dirigentes de fundações estatais foram convidados, inclusive o Postalis. A audiência foi solicitada pela senadora Ana Amélia (PP-RS) depois que ela se reuniu com o diretor superintendente da Previc, José Maria Rabelo, em agosto. "E uma vez que as notícias nos jornais eram de que os fundos estatais, incluindo o Postalis, tinham perdido recursos com investimentos, inclusive com as aplicações nas empresas X, foi aprovada a realização de nova audiência", informou a assessoria da senadora.
Fonte: Valor Online (21/11/2013)
quinta-feira, 21 de novembro de 2013
Fundos de Pensão: Apesar de mudança, Postalis (Correios) deve se manter no negativo
Postado por
Joseph Haim
às
11:30:00
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