segunda-feira, 16 de outubro de 2017

TIC: Tanure, um modo beligerante de fazer negócios desde a década passada e agora na Oi


Iniciada na década de 70 na pequena construtora do pai, a carreira empresarial de Nelson Tanure, 65 anos, ao longo das últimas três décadas aponta para duas características recorrentes no currículo do segundo maior acionista da Oi: a preferência por empresas em dificuldades financeiras, mas com marcas ou ativos ainda rentáveis, e a disposição para se envolver em disputas jurídicas ferozes pelo controle das companhias e para contestar débitos.


A trajetória beligerante de Tanure dentro da Oi - marcada por conflitos com acionistas e com a própria direção da companhia - repete um padrão já visto anteriormente em outros negócios nos quais o empresário se envolveu, como o Banco Boavista Interatlântico, a Intelig, a PetroRio (ex-HRT) e a GPC Participações (holding industrial do Grupo Peixoto de Castro, do Rio de Janeiro). Procurado para esta reportagem, Tanure não se manifestou até o fechamento desta edição.  

Foi a força de duas marcas tradicionais da mídia impressa - "Jornal do Brasil" e "Gazeta Mercantil" - que despertou a atenção do empresário no início da década passada, quando ambas as empresas já estavam sob intensa pressão financeira. Em 2001, a Companhia Brasileira de Multimídia, de Tanure, obteve o direito de exploração comercial da marca "Jornal do Brasil", arrendada da família Nascimento Brito.   

O mesmo modelo de negócios foi usado em 2003 para a "Gazeta Mercantil": um acordo com o empresário Luiz Fernando Levy previa o licenciamento da marca por 60 anos. O modelo adotado não evitou que a "Gazeta" deixasse de circular em 2009, sob o peso de uma avalanche de processos trabalhistas. No ano seguinte, o "Jornal do Brasil" passou a ter apenas versão on-line. 

Na PetroRio, a entrada de Tanure se deu no fim de 2013, quando o veículo de investimentos JG Petrochem adquiriu 2,74% do capital social da petroleira. Àquela altura, a empresa fundada em 2009 ainda não produzia petróleo, apesar de já ter perfurado 14 poços. Mas tinha R$ 427 milhões em caixa.  

Em janeiro de 2014, menos de um mês após anunciar ao mercado que era acionista da HRT, Tanure abriu uma arbitragem contra o fundo Discovery Capital Management, então dono de uma fatia de 17,7% da petroleira, acusando-o de ter uma participação maior do que a declarada oficialmente. O fundo também era acusado de ter comprado ações da HRT de forma irregular, a partir de informações privilegiadas.  

A disputa terminou com a venda, em abril de 2014, de quase toda a participação que o Discovery detinha na companhia. Atualmente, mesmo com uma participação menor que outros sócios, é Tanure quem dita os rumos da PetroRio. Três dos cinco membros do conselho de administração foram indicados por ele, incluindo o ex-ministro Hélio Costa, que também integra o colegiado da Oi.  

O processo de recuperação judicial da operadora de telecomunicações não é o primeiro do qual Tanure participa ativamente. Em outubro de 2005, o empresário apresentou uma proposta de plano de recuperação para a companhia aérea Varig. A empresa havia pedido recuperação judicial em 17 de junho daquele ano, transformando-se no primeiro grande teste da Lei de Falências e Recuperação de Empresas, promulgada dias antes.  

O plano de Tanure consistia numa receita semelhante à que viria a ser aplicada na PetroRio e na Oi. Com uma injeção de capital, pretendia ter uma porção minoritária, embora relevante, do capital total e, a partir de combinações com outros acionistas, controlaria a empresa de fato. Em uma apresentação para investidores na época, Tanure propôs investir US$ 90 milhões no Grupo Varig, além de liderar uma capitalização de outros US$ 270 milhões. Ao fim do processo, planejava ficar com 20% do capital total e 40% do capital votante da Varig.  

Personagens envolvidos na recuperação judicial da Varig consideram que a estratégia de Tanure para obter o controle da empresa estava calcada em explorar questões jurídicas. "Ele sempre recorria ao Judiciário para tentar barrar outros investidores [interessados na empresa]", diz uma fonte que pede para não ser identificada. "De diálogo, ele é ótimo. Mas um plano formal, por escrito, eu nunca vi", acrescenta.  

Depois de meses tentando sem sucesso convencer credores, investidores, trabalhadores e acionistas sobre a aprovação de seu plano, Tanure negociou diretamente com a Fundação Ruben Berta (FRB), controladora da companhia, e fechou um acordo que retirava a Varig da recuperação judicial e transferia o controle da própria FRB para a Docas S.A., pertencente a ele. Graças ao acordo, a Docas chegou a assumir o controle da Varig por um dia, em dezembro de 2015. Mas a combinação acabou suspensa pela Justiça, que não aceitou a retirada da Varig do processo de recuperação judicial. A partir daí, Tanure reduziu seu interesse pela companhia, que acabou adquirida em leilão em 20 de julho de 2007 pela VarigLog. 

Na Oi, o histórico belicoso de Tanure - que inclui conflitos com acionistas e com a própria direção - teve início em maio de 2016, algumas semanas antes de a Justiça deferir o pedido de recuperação judicial da operadora. Foi em maio do ano passado que as ações da Oi passaram a figurar na carteira do Société Mondiale, veículo de investimento de Tanure, segundo informou o fundo à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Ao fim daquele mês, o fundo acumulava 7,98 milhões de ações ordinárias da Oi, cotadas a R$ 7,10 milhões.  

Um mês depois, Tanure já detinha uma participação no capital votante muito próxima da atual: 42,9 milhões de papéis ordinários (hoje são 43,63 milhões). No fim de junho de 2016, essa participação era avaliada em R$ 83,66 milhões, ou seja, cada ação valia R$ 1,95. Na última sexta-feira, o papel fechou cotado a R$ 5,91, um avanço de 203% desde então. Com base nessa cotação, a fatia de Tanure na operadora vale mais de R$ 250 milhões.  

Nos registros da CVM referentes ao Société Mondiale, há nos meses de maio e junho do ano passado aquisições de ações ordinárias da Oi no valor total de R$ 52,1 milhões. Há, também, uma operação de venda de R$ 6,99 milhões destes mesmos papéis. No saldo geral, o fundo teria gasto algo em torno de R$ 45 milhões para montar uma posição acionária quase idêntica à atual. Procurado para comentar a estimativa, o Société Mondiale ressaltou por meio de sua assessoria que os planos de Tanure para a Oi são um "projeto de médio e longo prazo" e não como fonte para "obtenção de dividendos imediatos."  

Antes de investir na Oi, Nelson Tanure já havia se aventurado no ramo das telecomunicações. Em janeiro de 2008, a inglesa National Grid, a americana Sprint Nextel e a francesa France Telecom, na ocasião donas da Intelig, assinaram o contrato de venda da empresa para Tanure. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) demorou um ano e meio para aprovar a incorporação da Intelig pela Docas, de Tanure. Nesse ínterim, o empresário já havia se desfeito da operadora, revendendo-a à TIM por cerca de R$ 650 milhões, em abril de 2009.  

O pagamento foi feito em ações, numa operação que terminou por transformar Tanure em acionista da TIM. A relação entre as partes azedou depois de os italianos rescindirem o acordo de acionistas entre a TIM e a JVCO, veículo de investimentos de Tanure, em 2012. À época, fontes que acompanhavam o embate informaram que os italianos temiam que as dívidas de Tanure respingassem de alguma forma na operadora. De fato, em maio de 2011, a 26ª Vara do Trabalho havia bloqueado parte das ações da TIM que pertenciam à JVCO. O bloqueio foi mais uma tentativa dos ex-funcionários da "Gazeta Mercantil" de receberem suas dívidas trabalhistas.  

Descendente de libaneses, Tanure nasceu na Bahia, onde começou sua carreira empresarial ao lado do pai, nos anos 70, numa pequena construtora. A empresa saiu do mercado após acusações de não ter honrado financiamentos contraídos no Banco do Nordeste. Na década seguinte, começaria a alçar voos mais ambiciosos com a aquisição do estaleiro Emaq (atual Eisa), em 1986. Adquiriu outro estaleiro, o Verolme, no início dos anos 90 e, a partir da fusão com a japonesa Ishibrás, em 1994, chegou a controlar 82% do parque naval brasileiro.  

A aposta se mostrou infrutífera. Além da falta de crédito e da demanda fraca, a indústria naval brasileira sofria com a valorização do real frente ao dólar, que tirava a competitividade de suas exportações. O Emaq foi passado adiante em 1994. Já nos anos 2000 as instalações da Verolme Ishibrás foram arrendadas ao grupo de construção naval Keppel Fels, de Cingapura. "Tanure ficou mais conhecido como aquele que arrendava terrenos para que empresas [do setor] se instalassem", diz uma fonte.  

Os revezes no setor naval não impediram Tanure de comprar da tradicional família Paula Machado, em 2000, o controle acionário da operadora portuária Docas S.A. e de suas subsidiárias Boavista S.A. e Boavista Trading. Com isso, o empresário se tornou sócio minoritário do Banco Boavista Interatlântico. Em dificuldades financeiras, a instituição havia sido adquirida pelo grupo Interatlântico - formado por Banco Espírito Santo, Caisse Nationale de Crédit Agricole e o Grupo Monteiro Aranha - pelo valor simbólico de R$ 1. Tanure recorreu à Justiça alegando que a instituição financeira valia muito mais. Para conseguir desemperrar a venda do Boavista ao Bradesco, o Interatlântico aceitou pagar R$ 140 milhões (em dinheiro, obras de arte e créditos podres).  

Na Oi, a "estreia oficial" de Tanure como acionista foi pródiga em farpas contra o maior acionista individual da companhia, a Pharol (ex-Portugal Telecom). Quem participou da assembleia geral que ratificou o pedido de recuperação judicial da operadora, em 22 de julho de 2016, pôde assistir Tanure afirmando que a Oi "havia sido atacada por seus acionistas". 

A saída - defendia ele à época - estava na troca de membros do conselho, então dominado pela Pharol, por brasileiros "com trânsito em Brasília", capazes influir na modernização da Lei Geral de Telecomunicações.  Numa repetição do que já havia ocorrido em 2014 na GPC Participações, onde um acordo com a Família Peixoto de Castro lhe permitiu indicar dois dos cinco conselheiros no colegiado da holding, Tanure fechou em setembro do ano passado um trato com a Pharol. Pelo acordo, o Société Mondiale teria dois membros efetivos e quatro suplentes no colegiado da Oi.  

A prevalência de Tanure no conselho não impediu que o processo de aprovação do plano que será submetido à assembleia geral de credores, marcada para o dia 23, fosse conturbado, com fortes divergências entre conselheiros e a diretoria da operadora. A proposta foi finalmente protocolada na Justiça na semana passada, mas já está sendo contestada por parte dos credores.  

Na sexta-feira, dois dos principais grupo de "bondholders" da Oi divulgaram nota atacando a nova versão do plano, considerada por eles "uma ameaça à viabilidade da companhia no longo prazo" e como uma tentativa de "enriquecer abusivamente os atuais acionistas".  

Também em nota, Tanure classificou os detentores de títulos assessorados pelo banco Moelis e pela consultoria G5/Evercore como "fundos abutres", sem qualquer compromisso com países e empresas.  No sábado, foi a vez de Hélio Costa, conselheiro da Oi indicado por Tanure, se manifestar em resposta a mensagens que duas agências europeias de crédito à exportação - a Belgian Export Credit Agency e a Finnish Export Credit Agency - enviaram ao governo brasileiro. As instituições, que também são credoras da Oi, disseram temer que o plano de recuperação beneficie apenas os atuais acionistas. Costa enviou mensagem ao governo em repúdio às afirmações e chamou a ação das agências de "grosseiro terrorismo externo". Afirmou ainda que as instituições buscaram condicionar as negociações ao atendimento pleno de seus interesses.  

Pela temperatura do debate, seja qual for seu resultado, a assembleia de credores da Oi na próxima segunda-feira (23/10) promete ser tudo, menos tediosa.

Fonte: Valor (16/10/2017)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

"Este blog não se responsabiliza pelos comentários emitidos pelos leitores, mesmo anônimos, e DESTACAMOS que os IPs de origem dos possíveis comentários OFENSIVOS ficam disponíveis nos servidores do Google/ Blogger para eventuais demandas judiciais ou policiais".