sexta-feira, 28 de dezembro de 2018
Aposentadoria: Investidor em previdência privada aberta tem de guardar até 42% mais para compensar queda dos juros, ou diversificar com riscos
A queda dos juros no Brasil mexerá com os planos de aposentadoria de todos que aplicam em fundos de previdência privada. A situação é preocupante pois, hoje, mais de 90% dos cerca de R$ 800 bilhões aplicados em previdência privada aberta estão em renda fixa, e a maior parte está em papéis que seguem os juros de curto prazo, que acompanham a queda dos juros.
O rendimento menor obrigará muita gente a aumentar as contribuições ou a correr mais riscos nas aplicações. A alternativa a esses ajustes será adiar a aposentadoria por alguns anos ou aceitar um valor menor de resgate. Começar a guardar dinheiro o mais cedo possível também passará a ser obrigatório.
Hoje, os mercados futuros projetam juros nominais até 2025 de 9,20% ao ano, bem menos que os 14,25% ao ano de dois anos atrás. E a perspectiva é que, caso o novo governo de Jair Bolsonaro faça os ajustes necessários para equilibrar as contas públicas, os juros reais dos títulos públicos longos, hoje em torno de 5% ao ano mais inflação, caiam mais.
Diante disso, todas as empresas de previdência privada estão se preparando para uma maior diversificação dos investidores, com novas carteiras com renda variável e parcerias com gestores independentes de multimercados, ações e crédito. Mas o investidor precisa aceitar correr mais riscos.
Novos tempos
Há uma mudança de paradigma na renda fixa no Brasil, observa Humberto Vingnatti, gestor de Previdência da Porto Seguro Investimentos. Até pelo histórico de instabilidades, o investimento em renda fixa sempre teve um caráter muito conservador, o que era reforçado pelos juros reais elevados, que garantiam um retorno atrativo mesmo na segurança da renda fixa, que contava ainda com liquidez quase que diária. Mas, hoje, as taxas reais, descontada a inflação, que chegaram a 25% ao ano no começo dos anos 2000, estão em torno de 5% ao ano além da inflação, e vêm caindo gradualmente (ver gráfico abaixo).
Com a mudança no patamar de juros e o ajuste das contas públicas, a taxa básica Selic deve se manter em um dígito, mesmo considerando eventuais altas previstas no fim de 2019, afirma Vingnatti. “Não devemos ver taxas nominais voltando aos 14% ao ano como no passado, e isso deve causar uma revolução nos investimentos”, diz. Com isso, o juro real também deve cair. “Estamos dando um alerta, pois tem muita gente que investe em previdência há mais tempo e fez o planejamento contando com juros reais mais altos que não existem mais para garantir determinada retirada mensal”, diz.
Contribuição precisa crescer 42% com juro real menor
Com juros menores, muitos que fizerem as contas para a aposentadoria vão perceber que já estão desatualizados e precisam elevar o valor das contribuições, diz Vingnatti. “Não é mais R$ 600 por mês para garantir R$ 5 mil em 30 anos, como era quando o juro estava em 8% reais ao ano, mas o dobro”, alerta. No caso de uma taxa de juros de 6% ao ano, para obter uma renda vitalícia de R$ 5 mil após 30 anos, a contribuição precisaria ser de R$ 868 por mês. Com juros de 4%, como parece ser a tendência das taxas atuais, essa contribuição saltaria para R$ 1.234,40, ou 42% mais (ver tabela abaixo).
Fonte: Porto Seguro Investimentos. Considerando uma renda vitalícia de R$ 5 mil mensais após 30 anos de contribuição.
A pergunta, diz Vingnatti, é se as pessoas estão cientes disso e estão se preparando. “Há duas alternativas, ou aumenta a contribuição hoje, o que nem sempre dá, ou aumenta o risco da carteira, com renda variável ou renda fixa mais arrojada”, diz. Ou então será preciso mudar o plano, adiando a aposentadoria e prolongando as contribuições.
Diversificação já começou
Vingnatti diz que já tem percebido uma movimentação no sentido da diversificação. A captação líquida dos fundos de previdência mostra que, apesar de o estoque ainda ser muito concentrado em renda fixa, nos últimos 12 a 23 meses, multimercados e ações ganharam relevância na captação de novos recursos. “A ficha começou a cair para muito gente, mas é tema que pode ser muito explorado”, diz.
Os gestores de previdência privada perceberam isso e passaram a buscar mais opções de diversificação para suas carteiras. Segundo Roberto Vidal, responsável pela área de Vendas e Relações com Investidores da Porto Seguro Investimentos, a seguradora deve abrir sua plataforma de investimentos para terceiros no ano que vem. “É um projeto que deve se viabilizar em 2019, de termos gestores independentes, com dois ou três muito bons de multimercados, crédito e ações”, diz. O grande canal de vendas da Porto ainda são os corretores de seguros, mas as corretoras de valores também estão crescendo em importância, explica.
Longevidade e juros menores são desafios
A maior longevidade dos brasileiros e a queda dos juros trazem questões novas para o setor de previdência privada, tanto para quem está guardando para a aposentadoria quanto para quem está se aposentando, afirma Claudio Leão, da Bradesco Vida e Previdência. No Brasil de hoje, e no mundo inteiro também, ter dinheiro se tornou mais trabalhoso. “Antes, com juros mais altos, tínhamos expectativas de rentabilidade mais confortáveis, você podia confiar na orientação das instituições e fazer as aplicações e ficaria tranquilo, pois, mesmo que desse tudo errado, ainda teria um bom retorno”, lembra. Hoje é diferente, dar errado é perder recursos, e as pessoas precisam se informar mais sobre como proteger suas aplicações e de que forma investir e ganhar mais.
Cautela maior na projeção e mais diversificação
A questão hoje é como conciliar a rentabilidade menor associada à perspectiva de sobrevida maior, diz Leão. “Vou precisar de mais dinheiro por mais tempo e o meu dinheiro rende menos”, afirma. Por isso, o setor de previdência privada se ajustou. “Os compromissos são cada vez mais baseados em possibilidades efetivas de proteção”, diz. As seguradoras sugerem ao poupador trabalhar com taxas de juros mais reduzidas nas simulações, e a alternativa é talvez admitir um pouco mais de apetite ao risco. “Mas, para isso, precisamos entender que tipo de aplicação o investidor busca e em que momento da trajetória de vida ele está”, alerta.
Renda variável tem o momento certo
A renda variável, por exemplo, é uma boa aposta de longo prazo, uma vez que esses ativos no Brasil ainda estão baratos, observa Leão. Há a perspectiva de crescimento da economia e de valorização das ações, acima da inflação ou de outros investimentos. “Mas isso não é recomendável para quem está às vésperas de se aposentar e começar a receber sua renda”, diz.
Novos fundos da Bradesco Previdência
Por conta desse novo cenário, a Bradesco Vida e Previdência está fazendo uma revisão de toda sua grade de fundos de previdência que deve ser concluída no começo do ano que vem. “Vamos divulgar a revisão, mas ela não pára, vai continuar acompanhando a necessidade do cliente de aceitar um pouco mais de risco em busca de rentabilidade”, diz. Segundo ele, o setor de previdência privada tem de oferecer a possibilidade aos investidores de aproveitar as oportunidades dos mercados, sem ter de se tornar um especialista.
Ele diz que a Bradesco Seguros está considerando a hipótese de ter gestores independentes entre suas opções de fundos na nova grade. “O cliente manda, mas essa opção tem de estar adequada a nossa política, não pode ser um apadrinhamento irresponsável”, diz.
Cenário melhor para previdência em 2019
Para 2019, Marcelo Mello, vice-presidente de Investimentos da SulAmérica, vê um cenário bem promissor para a previdência complementar pela reforma da previdência, pelos juros comportados e o crescimento de renda das classes mais propensas a investir nesses fundos, que são as classes A e B. Ao contrário deste ano, em que houve retração das aplicações, o setor espera aumento. “A arrecadação foi menor este ano, mas projetamos um aumento em 2019 e nossa grade de opções de fundos está bem preparada”, afirma Mello. “Pretendemos lançar fundos no conceito de arquitetura aberta para 2019”, diz.
Segundo Mello, a SulAmérica fechou o ano passado com uma captação no ano inteiro de R$ 700 milhões e, neste ano, até setembro, já chegava a R$ 1 bilhão. “Devemos fechar o ano com R$ 1,1 bilhão, é um crescimento significativo, e não tem por que não esperar que 2019 será melhor”, diz.
Alta concentração em renda fixa
Além da reforma da Previdência, Mello acha que os juros mais baixos acabam também estimulando essa percepção de necessidade de renda complementar no futuro e de busca por diversificação. Ele lembra que, dos R$ 817 bilhões aplicados em PGBL e VGBL, 90% estão em renda fixa. Mas grande parte do recurso novo que entrou nos últimos 18 meses está indo para multimercado. “Em 2013, 97% dos recursos estavam em renda fixa, agora estamos chegando a 90% e isso está começando a influir no estoque do setor”, diz. “Já é reflexo da queda da taxa Selic”, diz. O cliente que quer fazer uma reserva sabe que tem de correr mais risco e escolher uma carteira mais diversificada.
Ele diz que a SulAmérica já tem parcerias com vários independentes especializados em multimercados, como JGP, Constelation, Ibiuna, Brasil Plural e, mais recentemente, com a gestora de fundos quantitativos Trilha Investimentos. E deve lançar pelo menos mais três independentes em 2019.
Brasilprev vê Segunda Onda na previdência privada
Na Brasilprev, do Banco do Brasil, a expectativa é com a entrada de novos investidores no mercado de previdência, ou a “Segunda Onda”, conforme define Marco Barros, presidente da empresa. A primeira onda para a previdência privada veio de recursos já existentes no mercado, investidos em outras formas de poupança, e que foram transferidos para os planos, especialmente das classes de renda mais alta, A e B. A segunda onda seria formada por recursos novos, vindos das economias mensais dos poupadores e da conscientização da necessidade de guardar parte do orçamento para a aposentadoria, e incluiria as classes C e D. Para isso, a empresa criou um fundo de previdência popular, o Brasilprev Fácil, com aplicação a partir de R$ 100, e que aplica em papéis públicos e privados de prazo mais longo, a fim de compensar a queda dos juros com uma rentabilidade em renda fixa um pouco maior. A taxa de administração inicial do fundo é de 2% ao ano, com possibilidade de redução à medida que o valor aplicado vai aumentando e o investidor pode trocar para fundos mais baratos. Segundo a Brasilprev, as taxas de administração dos fundos varia de 1,25% ao ano a 2% ao ano.
Cuidado com independentes e vantagens de planos antigos
A Brasilprev teve um crescimento de 10% em ativos este ano até outubro. O banco está estudando ter fundos de gestores independentes, mas ainda não decidiu se vai ter parcerias. “Precisamos ter muito cuidado, pois se o gestor não for bem amanhã, nossa marca estará vinculada a ele, e somos uma casa de investimentos de longo prazo”, diz Flávio Luciano Manzoni, diretor de Investimentos da Brasilprev.
Ele chama a atenção para o fato de muitas pessoas estarem migrando seus planos de previdência para outras instituições em busca de maior rentabilidade ou taxas de administração mais baixas, sem prestar muita atenção para as tábuas atuariais dos planos antigos. “O investidor às vezes vai atrás de um resultado temporário de um gestor e não leva em conta as tábuas, que podem garantir benefícios maiores para quem está perto de se aposentar”, diz Manzoni. Ele destaca que a situação é mais delicada para quem está mais próximo de receber os benefícios. Como as tábuas antigas tinham uma expectativa de vida menor, os valores pagos de renda vitalícia, por exemplo, são maiores.
Fonte: Arena do Pavini (27/12/2018)
Postado por
Joseph Haim
às
14:45:00
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