quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Fundos de Pensão estatais enfrentam entraves jurídicos em ações de ressarcimento aos participantes


Fundações que buscam reparações de danos na Justiça contra ex-dirigentes – caso da Petros, dos funcionários da Petrobras, e da Prece, da Cedae, companhia de água e esgoto do Rio de Janeiro, – têm se deparado com entraves jurídicos ao longo do processo que dificultam o ressarcimento aos participantes. Além da dificuldade de comprovar que houve de fato um malfeito – e não um investimento com um desempenho ruim, por exemplo -, o prazo atual de prescrição dos processos é considerado inviável.

Gestores de fundos de pensão que verificam a existência de infrações cometidas por diretorias anteriores têm obrigação legal de tentar reaver os valores perdidos. O decreto 4.942 determina que as ações indenizatórias devem ser iniciadas em até três anos, mas não especifica quando o prazo começa a valer. O entendimento mais recente da Justiça é que o prazo seja contado a partir da compra do ativo, o que na visão da assessora jurídica da Prece, Luciana Nunziante, é inviável.

Primeiramente é necessário constatar que houve de fato um desvio, malfeito ou ato de corrupção, o que na maioria das vezes não é simples de se comprovar. Também deve ser feita uma avaliação da viabilidade financeira de se abrir uma ação. Se a fundação perde a causa, tem que arcar com os custos, que podem chegar a 20% do valor do processo.

"Todas as entidades se deparam com o mesmo desafio. A Prece acabou sendo pioneira porque os fatos aconteceram antes e as medidas legais, adotadas anteriormente", afirma a advogada. Mais recentemente alguns ex-gestores de outros fundos de pensão tiveram seus nomes envolvidos – alguns foram até mesmo presos – em operações da Polícia Federal, como a Greenfield, iniciada em 2016 e que investiga desvios de recursos de fundos de pensão, e a própria Lava-Jato, o que em tese poderia facilitar este ressarcimento. Numa das fases mais recentes, no fim de novembro, o ex-presidente da Petros, Wagner Pinheiro, foi alvos de busca e apreensão.

"Às vezes acontece um possível dano, mas ele não é identificado imediatamente. Se contarmos o prazo prescricional de três anos a contar da compra do ativo, como o judiciário entendeu em alguns casos, nos mandatos de quatro anos a própria diretoria teria que se ‘autoprocessar’, o que não vai acontecer", pondera. Recentemente, a fundação conseguiu que a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) atuasse como "amigo da corte" com o objetivo de tentar rever essa questão da prescrição em um dos processos. A atuação da autarquia é inédita.

O objetivo é que o prazo comece a contar quando encerrarem os processos administrativos ligados aos casos, no âmbito da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Previc, Tribunais de Contas estaduais e municipais ou até mesmo a polícia. A conclusão de órgão especializado oferece mais subsídios para a fundação ter sucesso na busca do ressarcimento, na avaliação de Luciana. Em parceria com a gerente jurídica e de relações institucionais do Infraprev (fundação de funcionários de aeroportos), Renata Tamara, Luciana desenvolveu a tese jurídica "Ato de Gestão Valorizado", que trata da questão.

A Prece tem um total de oito processos contra ex-gestores e estima que possa recuperar pelo menos R$ 145 milhões. Três deles já tiveram problemas em primeira instância com a prescrição, e a fundação está trabalhando para reverter essas decisões. A maioria é referente ao período de 2003 a 2006, segundo a advogada. Em agosto deste ano, a CVM julgou um caso de desvio de recursos na Prece justamente referente a esse período. O colegiado aplicou multas de R$ 183 milhões, inclusive ao ex-deputado Eduardo Cunha, preso em Curitiba desde outubro de 2016 pela Operação Lava-Jato, e ao doleiro Lúcio Bolonha Funaro. Outros 14 acusados também foram multados. Os acusados ainda podem recorrer ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), mas não há prazo para um eventual julgamento.

Não há uma estimativa oficial sobre o número de processos movidos pelas fundações. A Petros, uma das maiores fundações do país, é outra que tenta reaver prejuízos. Desde que assumiu a fundação, em 2016, o então presidente Walter Mendes falava que iria tentar reaver os valores desviados na Justiça e mencionava as dificuldades de comprovar os ilícitos. Ele deixou a fundação em outubro deste ano com pelo menos um processo já aberto, revelado pelo Valor em junho.

O fundo de pensão pediu na Justiça uma indenização de R$ 584 milhões de ex-dirigentes e conselheiros pelos prejuízos e danos referentes à aquisição de uma participação na Itaúsa comprada em 2010 da Camargo Corrêa com ágio em relação ao valor de mercado. A entidade processa dez pessoas, incluindo os ex-presidentes Luis Carlos Afonso e Wagner Pinheiro. Procurada, a Petros não comentou o andamento do caso ou sobre a abertura de novas ações.

Fonte: Valor (19/12/2018)

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