quarta-feira, 28 de maio de 2025

Idosos: Você é curioso? Se a resposta é sim, pode estar no caminho certo para envelhecer bem; entenda

 


Estudo realizado pela Universidade da Califórnia sugere que, embora intrínseca aos seres humanos, a curiosidade sofre transformações ao longo da vida

Qual é o segredo para envelhecer bem? Se você está interessado em saber a resposta, talvez já esteja no caminho certo. É o que sugere uma pesquisa da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, que reforça a ideia de que se manter curioso ao longo da vida pode trazer benefícios reais para o cérebro. Mais do que isso, o estudo sugere que a curiosidade, apesar de ser algo natural, não é uma característica fixa nem igual para todo mundo.

Para investigar o assunto, os pesquisadores analisaram dados de mais de 2 mil pessoas, de 20 a 84 anos, recrutadas online. Além de responderem a um questionário padrão, os participantes foram convidados a reagir a perguntas no estilo trivia — aqueles conhecimentos não essenciais, mas instigantes —, como “quantos corações tem um polvo?” ou “o que é adicionado ao açúcar branco para fazer o mascavo?”.

O que os pesquisadores perceberam foi que, no caso das pessoas mais jovens, a curiosidade como traço, ligada a interesses constantes e à personalidade, tende a falar mais alto. Já a partir da meia-idade (entre 40 e 50 anos), esse tipo de curiosidade costuma diminuir. Mas, em compensação, cresce a curiosidade momentânea, aquela vontade de saber a resposta para algo específico, mesmo que o assunto nunca tenha sido de interesse prévio.

“Grande parte das pesquisas anteriores sugerem que a curiosidade diminui com a idade”, comenta o psicólogo Alan Castel, líder da pesquisa. “Mas isso nos pareceu simplista. Queríamos saber se certos tipos de curiosidade poderiam ser preservados, ou até estimulados, com o passar do tempo.”

Embora o estudo não tenha investigado diretamente os efeitos da curiosidade sobre a cognição, os autores lembram que há uma associação conhecida entre essa característica e maior engajamento mental. Entre os estudos previamente realizados e mencionados na pesquisa, um deles mostra, por exemplo, que idosos mais curiosos viveram cinco anos a mais do que os menos curiosos.

Além disso, eles destacam que alimentar a curiosidade — mesmo em tópicos aparentemente banais — pode ser uma estratégia acessível para manter o cérebro ativo. Ou seja, aprender algo novo, ainda que seja o nome da maior constelação do céu (é hidra, aliás), pode render mais benefícios do que parece.

Mas por que essa mudança na curiosidade acontece?

Segundo os pesquisadores, uma possível explicação tem a ver com o momento de vida. Na juventude, a curiosidade ajuda a formar a identidade: é quando estamos descobrindo do que gostamos, quais são nossos interesses e como o conhecimento pode ser útil na prática. Nessa fase, a curiosidade como traço tem papel no desenvolvimento da personalidade e das habilidades cognitivas de cada um.

Já na vida adulta, com interesses mais consolidados, o foco muda. O que passa a despertar a atenção são temas específicos, como uma palestra interessante, um novo hobby, um episódio de podcast que aborda algum assunto inesperado e por aí vai.

“O aprendizado nessa fase não é mais motivado por obrigações escolares ou profissionais. Ele passa a ser impulsionado pelo prazer, pelo desejo e pelo significado que o conhecimento tem para a pessoa”, complementa o neurologista Cesar Castello Branco, assistente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

Além disso, segundo o especialista, que não participou da pesquisa, o contexto social tem impacto nessa história. Afinal, a forma como a sociedade enxerga o envelhecimento pode influenciar diretamente o quanto as pessoas mais velhas se sentem encorajadas a manter seus interesses. “Se o idoso é visto como alguém passivo ou sem relevância, isso pode inibir sua curiosidade mais profunda”, observa.

Aplicabilidade e limitações

Na opinião de Felipe Aydar Sandoval, neurologista do Hospital Sírio-Libanês, um dos pontos que chama atenção na metodologia do estudo é o tamanho da amostra: mais de 1.200 pessoas participaram. Além disso, os autores tiveram o cuidado de adotar medidas para tentar eliminar respostas inconsistentes. Mas, como todo trabalho científico, ele tem limitações. “Essas plataformas online são ótimas para alcançar muita gente, mas é muito difícil ter segurança sobre quem e o que a pessoa está respondendo, mesmo tentando eliminar possíveis inconsistências.”

No fim das contas, a amostra acabou sendo bem homogênea: a maioria das pessoas eram brancas e tinham ensino superior completo e alta renda. Ou seja, em geral, norte-americanos familiarizados com tecnologia. “Isso gera um viés importante”, avalia Sandoval.

Outro ponto levantado por ele é a forma como foi avaliado o chamado “estado de curiosidade”, um conceito naturalmente subjetivo e difícil de mensurar. Os pesquisadores usaram perguntas de conhecimento geral — algo que a pessoa teoricamente não saberia — e depois aplicaram um questionário para medir se aquele tema despertou ou não interesse. “É uma ideia interessante, mas simplificada demais para dar conta de algo tão complexo. Inclusive, há estudos anteriores com resultados bem diferentes. É um tema que ainda precisa ser mais explorado.”

O que faz o cérebro guardar as memórias por mais tempo

Além disso, conforme apontado por Castello Branco, o estudo é transversal. Ou seja, ele mostra um retrato de diferentes faixas etárias naquele momento específico, quando o ideal seria acompanhar as mesmas pessoas ao longo da vida para ver como a curiosidade evolui com o tempo.

O autor da pesquisa concorda que mais estudos são necessários. Apesar disso, ele aponta que os achados podem ter implicações práticas. “Se o tema interessa, o idoso tende a se engajar. Pode ser um curso de idiomas, uma palestra, um podcast... Isso pode reacender o gosto por aprender e contribuir para a vitalidade cognitiva. Então, ao invés de questionar aquela pessoa sobre seus interesses, pode ser interessante trazer ideias novas para que ela pense: ‘uau, gostei, nunca havia pensado sobre isso antes’”, avalia Castel.

Afinal, vale a pena se manter curioso?

Sim – e muito. Independentemente de qual tipo de curiosidade prevaleça com a idade, o hábito de buscar novos conhecimentos instiga áreas importantes do cérebro. Entre elas, o circuito de recompensa, que envolve o neurotransmissor dopamina. “A curiosidade funciona como um gatilho: ela gera motivação, e o conhecimento se torna a recompensa. Esse processo ativa o hipocampo, região chave para a memória, e deixa o cérebro mais permeável à retenção de novas informações”, explica Castello Branco.

Na prática, essa curiosidade pode se manifestar de formas muito simples, como resolver palavras cruzadas. Em uma reportagem recente sobre a importância dos hobbies na vida adulta, o Estadão contou a história de Constanza Zarpellon, que herdou da avó o hábito de decifrar os enigmas das revistinhas da Coquetel. Para ela, a atividade é mais do que passatempo. “É como se eu desligasse meu cérebro dos problemas do mundo”, contou. Estudos indicam que esse tipo de engajamento pode mesmo proteger o cérebro, ao estimular a atenção, a memória e a concentração.

Ou seja, se manter curioso pode ser tão acessível (e benéfico) quanto folhear uma revista em busca da resposta para “tempero usado em pizza com sete letras”.

Fonte: Estadão (23/05/2025)

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