Educação financeira em pausa
Conteúdos desenvolvidos por especialistas em educação financeira empacotados em livros coloridos e modernos. Faltou apenas um detalhe: imprimi-los. Discutir dinheiro em sala de aula é a linha de frente da Estratégia Nacional de Educação Financeira (Enef), que tornou o tema formalmente uma política de Estado no último mês do governo Lula e foi implementada durante a gestão Dilma. Alunos de 439 escolas de Ensino Médio de seis unidades da federação chegaram a participar de um projeto-piloto com o material impresso, avaliado e aprovado pelo Banco Mundial em maio de 2011. Mas, na hora de dar escala ao programa em maio último, ou seja, três anos depois do piloto, a solução foi colocar os livros na internet para serem baixados gratuitamente."Será que os professores vão baixar o livro? Qual escola vai topar gastar papel com isso?", questiona Cássia D'Aquino, especialista em educação financeira. "O material é lindo e, por isso mesmo, muito caro, um problema que tinha que ter sido pensado desde o início", afirma a representante brasileira da International Association for Citizenship, Social and Economics Education (IACSEE), organização global com sede na Inglaterra.
Especialistas em educação financeira reconhecem o empenho dos membros de alguns órgãos e autarquias - caso da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), do Banco Central e da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) - como fomentadores de iniciativas, mas sentem falta do destino de recursos públicos para o programa. "Colocar dinheiro ou não fala muito da disposição do governo", afirma Cássia.
"Suponho que os atores iniciais, movidos pelo entusiasmo, julgassem que fossem atrair muito dinheiro. Não aconteceu", diz a educadora. Os bancos em geral têm iniciativas próprias, afirma, que muitas vezes fazem parte de estratégias de marketing que competem entre si.
Foi a disputa pela presidência que impediu a impressão do material, segundo Patrícia Cerqueira, assessora especial da Previc, entidade que preside no momento o Comitê Nacional de Educação Financeira (Conef), que coordena o Enef. "Não podemos fazer nenhum movimento de entrega e impressão porque o processo eleitoral impede o governo, por questões legais", diz.
De acordo com Patrícia, os livros de Ensino Médio vão ser impressos e chegar a 3 mil escolas em 2015. E o protótipo dos livros para o Ensino Fundamental foi aprovado há 15 dias, e passará também por um projeto-piloto, que vai envolver 30 mil alunos.
A ideia, segundo Patrícia, não é que as escolas tomem a decisão sozinhas de baixar o material. Haverá, diz, uma sensibilização das secretarias de Educação e capacitação dos professores. Os livros estão disponíveis na internet, segundo a integrante do Conef, para quem não tem acesso ao material didático, como escolas particulares.
Quanto ao financiamento dos programas envolvidos no Enef, Patrícia diz que a ideia é que todos funcionem como parcerias público-privadas, ou seja, com recursos tanto do governo quanto das empresas.
O ensino da educação financeira não se tornou obrigatório nem parte do currículo do Ensino Fundamental e Médio. "A grade já é muito carregada", diz Vera Rita de Mello Ferreira, consultora independente de psicologia econômica e integrante do Núcleo de Estudos Comportamentais (NEC) da CVM. A pesquisadora prestou consultoria na elaboração do material didático. O programa é transversal, pode ser incluído em qualquer disciplina, mas depende da iniciativa do professor ou da escola.
Para Vera Rita, a educação financeira deve ser uma construção coletiva, da qual o governo não pode abrir mão de fazer parte. Ela defende a formação do que chama de quarteto fantástico: educação financeira, defesa do consumidor, regulação e psicologia econômica, essa última responsável por dar subsídio a todas as outras áreas.
"Gostaria muito de ver todo o incentivo ao crédito vir acompanhado de uma aprofundada educação financeira. Acho que toda parte de inclusão financeira precisaria receber uma carga muito maior e permanente de educação. Não adianta bancarizar só", defende Vera Rita. O momento em que a pessoa está comprando a casa própria, exemplifica, é um ótimo contexto para aprender a tomar decisões da melhor forma.
Para o próximo mandato presidencial, Vera Rita espera que o programa de educação financeira chegue ao Ensino Fundamental. "Se conseguissem implementar o que já está pronto, já ficaríamos muito felizes", diz. O programa também prevê que os adultos sejam contemplados, afirma, como por meio do Núcleo Museológico Interativo de Psicologia Econômica e Educação Financeira (Numip), a ser estruturado dentro do Museu de Valores do Banco Central, em Brasília. O projeto, que contou com a consultoria de Vera Rita, já está pronto, diz, mas ainda sem data para ser implementado.
O impacto do programa de educação financeira nas escolas foi avaliado pelo Banco Mundial ao longo de 2010 e os resultados foram divulgados em maio de 2011. Os 13.236 estudantes que tiveram aulas de educação financeira foram comparados aos 13.745 sem acesso ao material didático.
O Banco Mundial calculou um indicador de alfabetização financeira, com nota de 0 a 100. Os alunos que receberam as aulas ficaram com nota média 60,4, enquanto o grupo de controle ficou com 56,1. Os que poupam uma parte da renda todos os meses são 50% no grupo que recebeu educação financeira e 44% no outro.
Para William Eid, coordenador do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV), os resultados estatísticos não são muito fortes, com alguns empates ao se comparar o grupo que recebeu a educação financeira ao que não recebeu quando se considera a margem de erro.
Patrícia Cerqueira, do Conef, diz que também se decepcionou com os números em um primeiro olhar, mas que o entusiasmo do Banco Mundial com os resultados veio do fato de eles em geral não terem conseguido verificar diferenças percentuais efetivas no caso dos programas de outros países. "Para os estudiosos, qualquer 1% de diferença em comportamento é muita coisa", diz.
Eid coordena um estudo na FGV para avaliar a melhor forma de ensinar educação financeira na escola. O grupo tem mapeado iniciativas bem-sucedidas nos países que têm se destacado nas avaliações de educação financeira da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), como Bélgica, Estônia, Austrália e Nova Zelândia.
As primeiras pistas apontam que o segredo não está necessariamente nos livros. "O problema está na forma de se comunicar com esse jovem. Ele não está habituado à educação mais formal, de conteúdo tenso", diz Eid. "É a geração dos 140 caracteres", brinca, em referência ao tamanho máximo de texto da rede social on-line Twitter.
Para o professor da FGV, há um problema de meio que ainda precisa ser resolvido. O estudo ainda está em curso, mas a impressão até agora é a de que é necessário trabalhar com comunicações mais rápidas, usando principalmente as redes sociais. O principal desafio ao lidar com jovens de 15 e 16 anos, diz, é a falta de pensamento de longo prazo. "Para eles, o futuro é a balada de sábado", diz.
Fonte: Valor (22/10/2014)
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