É curioso que queiram converter em herói o mesmo Estado que antes era tratado como vilão cada vez que intervinha (mal) na PT ou usava a empresa para seu benefício.
Há uma Portugal Telecom (PT) que já deu motivos de orgulho ao país. Era uma PT boa, a empresa que lançou inovações mundiais como o cartão pré-pago nos telemóveis, que inovou nas redes e na televisão por cabo, que abriu espaços de investigação e desenvolvimento nas universidades, que fixou lanças em África e no Brasil e numa série de mercados onde tantos tentavam entrar e falhavam, que assinou uma estratégia de internacionalização que o próprio país usou como bandeira.Essa PT, que um dia foi grande, é hoje uma enorme sombra - não apenas do seu passado, mas sobretudo sobre o seu futuro. A maior operadora portuguesa, exemplo de vanguarda e inovação, hoje parece mais um castelo de cartas, arruinado por batotas de gestão e jogadas de alto risco que deitaram a perder (quase) tudo o que era bom.
Mas é isso razão suficiente para que venham agora reclamar a sua nacionalização? Ou que venham partidos exigir que o Governo intervenha na salvação do que dizem ser uma empresa estratégica para o país? Convém recordar duas coisas importantes. Primeiro, a PT é uma empresa privada. Tem acionistas e tem administradores e, se foi a estes que se confiou a gestão e as decisões da empresa, é também sobre eles que deve pender a responsabilidade do que é bem ou mal gerido - sejam os 900 milhões de euros aplicados na Rioforte, seja outra medida qualquer.
Segundo, é curioso que queiram converter em herói o mesmo Estado que antes era tratado como vilão cada vez que intervinha na PT ou usava a empresa para seu benefício - e não foi apenas uma vez. Aconteceu em 2002 quando o governo precisou de receita extra e a PT comprou a rede fixa de telecomunicações. Aconteceu de novo em 2010 quando se transferiu o fundo de pensões da PT para a alçada do Estado para dar uma ajuda ao cumprimento das metas do déficit público.
Aconteceu sempre que foi preciso catapultar políticas governamentais, como quando a PT ajudou a financiar a Fundação Magalhães. Foram muitos os momentos e decisões tomadas pelas piores razões e contestadas pelos melhores motivos. E foram também elas, juntamente com atos de má gestão que agora se vêem a descoberto, que converteram uma PT boa numa PT má. Mas é esta PT, que acabou minada por interesses privados, más decisões ou atos mal explicados, que queremos ver salva pelo Governo?
É seguro dizer que nem tudo se perdeu - ainda. Mesmo que o projeto industrial e de inovação esteja comprometido ou que as próprias ambições em mercados como o Brasil tenham de ser revistos, ainda há muito para salvar: há Meo e Sapo e projetos de inovação e milhares de trabalhadores. E há uma visão (ou será apenas uma miragem?) de um novo líder que quer manter a PT no lado bom da equação. Resta saber para que lado seguirá o futuro da operadora - mas, seja ele qual for, que seja por iniciativa dos privados que investem e gerem, e não por intervenção forçada de um Estado que, como já se viu, também ajudou a esvaziar o que havia de bom na empresa. Se há coisa que o passado ensina é que os erros não se devem repetir no futuro.
Fonte: O Econômico -Portugal (22/10/2014)
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