sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Fundos de Pensão: Ex secretária da SPC (atual Previc) defende conselheiros independentes e diretores profissionais e fala sobre a maturidade na Sistel (mais assistidos que ativos)


A atual presidente da Fapes, que já foi secretária da Previdência Complementar, defende a criação de uma agência única para fiscalizar abertas e fechadas

A economista Solange Paiva Vieira é um nome bastante conhecido do sistema de fundos de pensão. Ela dirigiu a Secretaria de Previdência Complementar (SPC), o órgão que deu origem à Previc, entre os anos de 2000 e 2001. Comprou uma briga com o Ministério da Previdência, então comandado por Roberto Brandt, ao defender o fim da ingerência política nos fundos de pensão e ao divulgar uma lista com o nome das fundações com déficit atuarial.


Brandt não gostou e demitiu-a. Depois teve uma curta passagem pela Telos, o fundo de pensão da Embratel, de onde saiu no final de 2003 após envolver-se em um imbróglio no qual sua fundação tentava formar um consórcio para comprar a patrocinadora Embratel.
Chamada de musa da previdência, a bela morena afastou-se do setor e voltou ao trabalho no BNDES, seu empregador de origem. Mas no final de 2007 o ministro da Defesa, Nelson Jobim, convidou-a para chefiar a Anac, a agência reguladora da aviação, com a incumbência de resolver o “caos aéreo”, como ficou conhecida a época em que todos os aeroportos funcionavam irregularmente, todos os voos atrasavam e todos os passageiros estavam insatisfeitos. Briguenta, ela foi à luta e conseguiu trazer a normalidade de volta ao setor, ficando na Anac até março de 2011 quando terminou seu mandato. Voltou novamente ao BNDEs e agora assume a presidência da Fapes, a fundação do banco. Abaixo publicamos os principais trechos de uma entrevista que deu com exclusividade para Investidor Institucional:


Investidor Institucional – Como você avalia hoje o sistema de previdência complementar? Porque ele não cresceu?
Solange Paiva Vieira – Eu diria que o sistema evoluiu um pouco, não cresceu em números mas evoluiu na parte de governança, tanto para os fundos de pensão quanto para o setor. Quando fui secretária da Previdência Complementar, era uma Secretaria dentro de um Ministério, agora a Previc ganhou um status de superintendência, com uma certa autonomia em relação ao seu Ministério. Mas ainda tem uma questão para evoluir em termos institucionais, que seria pensar a Previc como uma agência, e acho que há que se pensar a questão de reunir a previdência aberta e fechada numa mesma agência.

II – Você defenda a unificação dos dois órgãos reguladores numa agência?
SVP – Eu acho que tem espaço para avançar para a estrutura de uma agência que regulasse a previdência aberta e a fechada. Acho que há sinergia boas e ganhos de escala e também haveria um marco normativo mais equânime para os dois.

II – Que ganhos haveria com isso?
SPV – Acho que a transformação de SPC em superintendência, com autonomia, foi uma evolução importante em termos de fiscalização. Mas eu diria que ainda temos insegurança jurídica, a ponto de empresas optarem mais pela previdência aberta do que pela fechada, e a criação de uma agência ajudaria a sanar essa distorção.

II – Você acha que as empresas optam pela previdência aberta apenas por uma questão jurídica? Ou é também por medo da burocracia?
SPV – Eu acho que é uma questão jurídica, porque a burocracia se transforma em perda de dinheiro. Então, é por uma questão de custos, e acho que talvez a unificação da aberta e da fechada numa agência pudesse trazer uma simplificação.

II – Mas continuariam existindo dois modelos, a aberta e a fechada?
SPV – Sim, mas poderia simplificar um pouco. Eu diria que a gente precisa evoluir em termos de simplificação para reduzir os custos, além de termos que melhorar o sistema regulatório, para ser mais independente, mais autônomo. Também temos que trabalhar a jurisprudência, a estabilidade jurídica dos processos, nosso marco regulatório avançou muito mas ainda não foi vivenciado pelas instituições, pelo judiciário e pelo órgão regulador. Têm que solidificar um pouco mais isso.

II – Como assim, poderia explicar?
SPV – Vou dar um exemplo, eu fui discutir com a Previc a possibilidade de um equacionamento de déficit na Fapes usando a redução de benefícios ao invés de aporte de recursos, e isso é uma novidade que ninguém fez ainda.

II – E qual foi a resposta da Previc?
SPV – Foi o que está na Lei, tem possibilidade e vamos avançar, mas vamos ter que construir.

II – Quais as principais dificuldades enfrentadas pela previdência fechada hoje?
SPV – Do lado do patrocinador, apesar das vantagens que ela tem, ela enfrenta dois problemas: as inseguranças legais com o marco regulatório, que cria muita dificuldade para o patrocinador que resolve mudar de ideia no meio do caminho, seja para ir para uma outra coisa ou mesmo para fazer uma retirada de patrocínio, e também a questão do custo, pois a fechada tem uma estrutura de custo muito pesada que inibe o ingresso de novos patrocinadores. E do lado do participante a dificuldade é a renda média da população brasileira. Andei olhando uns dados do IBGE e em 2016 nós tínhamos 84% da população com renda familiar abaixo de 5.200 reais, que é o teto da previdência. Isso significa que 84% da população, das famílias, não têm porque entrar na previdência complementar se já estão cobertos pelo INSS.

II – Eventualmente essas pessoas poderiam se interessar pela previdência aberta?
SPV – Acho que nem por previdência aberta, porque querer que um cara com uma renda familiar abaixo de 5.200 reais, coberto pelo teto INSS, ainda faça uma contribuição marginal para obter uma renda maior não é muito racional. Normalmente, as pessoas que optam por previdência complementar são as que querem aumentar sua renda futura para não ficarem limitadas ao teto do INSS, mas se você está abaixo do teto não tem incentivo para fazer um esforço extra de poupança. Então, eu te diria que o mercado de previdência complementar é um mercado de pessoas de renda mais elevada.

II – Qual percentual da população se interessaria por previdência complementar?
SPV – Se eu fosse pensar no que seria um corte para as pessoas pensarem em previdência complementar hoje, diria que seria acima de 16 mil reais de renda familiar. Mas então nós teríamos só 3% da população com capacidade de previdência complementar, o que daria um número de 6 milhões de pessoas. A previdência complementar hoje já cobre 3 milhões.

II – Se 84% da população tem renda familiar abaixo do teto do INSS, significa que 16% tem renda familiar acima. São eles que estão sustentando o crescimento da previdência aberta?
SPV – Não sei se a previdência aberta tem crescido tanto. Eu não saberia qualificar bem se uma parte das pessoas que poupam na aberta não são as mesmas que já tem previdência fechada e estão poupando só por incentivo tributário. A gente teria que depurar um pouco os números, eu não tenho essa informação. Mas usando um exemplo de aviação, por exemplo, a gente tinha um número na casa de 10 milhões de pessoas em embarque e desembarque no Brasil, só que o número de pessoas que voava era de 1 milhão. É porque as pessoas pegam o avião várias vezes, a mesma pessoa.

II – Como você analisa esses novos planos que estão surgindo e que estão sustentando o crescimento da previdência complementar, como os instituídos e a previdência dos funcionários públicos?
SPV – A figura do instituidor por associações de classe tem sido uma grata surpresa. Hoje já temos 7% de entidades patrocinadoras sendo de instituidores, e isso foi instituído na Lei quando eu estava como secretaria de Previdência Complementar. Esses 7% são basicamente associados à OAB, que é uma instituição de classe muito forte. Em relação à previdência complementar de funcionários públicos eu acho que esse é um grande mercado, a Fumpresp foi a primeira a ser montada e ela tem potencial para ser uma nova Previ daqui a alguns anos.

II – Tem se falado muito sobre a maturidade dos planos de previdência, principalmente dos planos de patrocinadoras estatais, muitos pagando mais do que recebem. Isso é uma coisa que deve preocupar?
SPV – Bem, depende. Os planos das estatais, ao longo do governo Fernando Henrique, encolheram, foi um período de redução do quadro do funcionalismo público. Mas houve uma reversão grande durante a administração do PT, tanto do governo Lula quanto Dilma. Eu vou citar o nosso próprio exemplo, a FAPES hoje tem mais ativos do que aposentados. Hoje a gente está com 3 mil ativos e 2.100 mil aposentados. Estou aqui com o número da Previ na minha frente e ela está meio a meio, a Petros está com quase 30% a 40% a mais de ativos do que assistidos, a Funcef tem quase o dobro de ativos em relação aos assistidos. Então, se a gente olhar os números do que foi a administração PT, eu acho que não caracteriza tanto uma maturidade do setor quanto a gente via alguns anos atrás. Tem a Sistel com uma maturidade talvez assim, é um fundo maduro até onde eu sei, mas com superávit.

II –Na época em que você foi secretária, uma das questões que a preocupava era o déficit que o sistema como um todo tinha. Nos últimos anos, por conta de resultados ruins, alguns fundos de pensão também não atingiram a meta atuarial. Como você vê a questão da solvência dos planos?
SPV – Eu vou separar em dois momentos. Vou voltar lá atrás, no início dos anos 2000 quando eu fui secretária de Previdência Complementar, onde a gente tinha um cenário um pouco parecido com o atual. O governo estava numa crise fiscal muito grande, com déficit público, e surgiu ali a Lei 108/109 com um foco em criar a cultura de que o seu benefício é proporcional ao que você contribui. E ali foi estabelecida a paridade contributiva entre participantes e empresa. Isso fez com que surgissem inúmeros fundos com problemas, que tiveram que buscar aumentos de alíquota e fazer planos de custeio. Então, ali teve um problema atuarial grande e eu estava à frente disso, tivemos intervenções em alguns fundos de pensão. Hoje, a gente vê, de novo, o governo federal preocupado com contas públicas, a reforma da previdência está pressionando nesse contexto, as contas públicas não estão bem, os resultados dos últimos anos não são bons e a gente está vendo de novo problemas nos fundos públicos.

II – Acha que a pressão por resultados levará as fundações a agregar mais risco nas carteiras?
SPV – Eu queria chamar a atenção para um ponto importante, que é a evolução dos fundos para uma posição muito grande de renda fixa em detrimento de renda variável. Na média, quando eu fui secretária, o sistema tinha uns 40% alocados em renda variável, hoje está indo para 20% mas estava em 18% em 2016. Então, o foco em uma renda fixa que garantia o atuarial, numa posição de muito conforto, isso está mudando completamente. Eu te diria que muito dos déficits atuariais que a gente está vendo hoje é fruto de investimentos que não performaram como deveriam e a partir de agora a gente vai ver os fundos tomando mais risco e aumentando posições de renda variável.

II – Qual é a posição da FAPES em relação à carteira de investimentos? Quanto está em renda variável e qual é a evolução prevista para 2018?
SPV – Nossa posição é de 17,5% em renda variável, mas a gente está implantando uma nova metodologia de controle de risco, um modelo de ALM que procura uma taxa de rentabilidade em torno de 6%, e certamente a busca de uma rentabilidade nesse patamar vai nos pedir uma posição de renda variável maior.

II – A Fapes está solvente?
SPV – Sim. A gente não tem nenhum problema de liquidez, a gente tem 9,6 bilhões de reais em operações de renda fixa e a posição em renda variável é de bastante liquidez. A gente tem déficit de 953 milhões de reais, que a patrocinadora e os participantes estão pagando, e 1,2 bilhão de reais de déficit a equacionar, mas é um déficit administrável e está dentro da margem que a Previc autoriza e que representa próximo de 10% do nosso patrimônio. Qualquer performance muito boa de Bolsa, a gente conseguiria superar isso.

II – Esse ano vocês conseguem bater a meta atuarial?
SPV – Esse ano provavelmente a gente vai superar e bastante a meta atuarial.

II – Quanto é a meta atuarial de vocês?
SPV – É de 5,72% mais IPCA, prá efeito de cálculo.

II – Como “prá efeito de cálculo”?
SPV – É que a gente não tem um índice de preço de referência, porque temos um plano BD cujo benefício é atrelado à variação salarial do BNDES. Mas vamos fechar esse plano, e esse é um dos meus desafios aqui na Fapes. A gente já iniciou esse processo, ele agora deve ir para a Previc, e depois vamos abrir um novo plano.

II – O setor está convivendo com acusações de corrupção, investigadas pela operação Greenfield, por exemplo. Que tipo de mudança seria necessário fazer no sistema para melhorar a governança dos fundos de pensão?
SPV – Primeiro, eu queria frisar que aqui na Fapes não tivemos esse tipo de problema, de corrupção, nem de alterações, vamos dizer assim, estranhas que a gente tenha que estar abrindo processos para averiguar. Mas para o setor, de modo geral, é muito ruim esse histórico de problemas de corrupção e isso é um dos fatores que influenciam patrocinadores a preferirem não ter fundo de previdência fechado. A corrupção é um ônus em qualquer setor que ela se instala, mas eu acho que a gente também a partir do marco regulatório poderia fazer alguns avanços.

II – Como?
SPV – Acho que com a profissionalização do sistema, e eu comparo muito os fundos de pensão com empresas. Acho que as empresas S/A já passaram por um processo de transformação de uma estrutura familiar, onde a família começa a se afastar tanto do conselho quanto da diretoria, para uma gestão mais profissional. Com isso surgiram as figuras dos conselheiros independentes, dos diretores profissionais, e eu acho que os fundos de pensão ainda têm esse caminho para fazer. Acho que é super válido ter o conselheiro eleito, mas eu acho importante que se comece a pensar também em conselheiro profissional, diretoria profissional, contratada para entregar uma meta, e se não entregou tem que ser trocada.

II – Qual sua opinião sobre a reforma da previdência?
SPV – A reforma da previdência nasce porque estamos com déficit público aumentando e a previdência é o principal problema a corrigir. A idade mínima proposta, quando entrar em vigor plenamente daqui a vinte anos, já não vai servir. Então, apesar dessa reforma nascer muito preocupada com contas públicas, mesmo assim eu diria que ela vai influenciar a previdência complementar na medida que vai estabelecer um padrão de aposentadoria, uma idade de aposentadoria para a população economicamente ativa mais alta, mesmo nos fundos de previdência que não são atrelados à previdência social.

Fonte: Revista Investidor Institucional (07/12/2017)

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