quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

TIC: Portaria para abrir leilão do 5G pode prejudicar a Huawei



No entender de integrantes do governo de Jair Bolsonaro, as operadoras que vencerem a disputa pelas licenças da faixa de 3,5 GHz não poderão comprar equipamentos da chinesa

O ministro das Comunicações, Fábio Faria, reforçou ontem, que a rede privativa de uso exclusivo da administração federal - a ser bancada pelos vencedores do leilão de licenças de 3,5 GHz da tecnologia de quinta geração (5G) - somente contará com a participação de empresas privadas que respeitem as regras de governança adotadas pelo mercado de capitais no Brasil.  

Isso significa, no entender de integrantes do governo de Jair Bolsonaro, que as operadoras que vencerem a disputa pelas licenças da faixa de 3,5 GHz não poderão comprar equipamentos da chinesa Huawei. Serão leiloadas quatro licenças nacionais e oito regionais nessa faixa - a mais cobiçada do leilão.   

Os vencedores das demais faixas estão liberados para comprar equipamentos da Huawei. A barreira aos chineses foi defendida abertamente pelo filho do presidente Jair Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), inspirado na decisão do governo do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump de bloquear os fornecedores chineses para se proteger de suposta prática de espionagem comandada por Pequim.  

“Atendendo a diretrizes do governo Bolsonaro nós criamos essa rede que deve ter requisitos de governança corporativa exigidos no mercado acionário brasileiro", disse Faria, ontem no Palácio do Planalto.  

A possibilidade de recorrer às regras impostas às empresas de capital aberto, reguladas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), já havia sido considerada quando o governo cogitou publicar um decreto para impedir a compra de equipamentos da Huawei. Na avaliação de integrantes do governo, a companhia chinesa é a única entre as concorrentes diretas - Ericsson e Nokia - que não atende aos requisitos de transparência e compliance já cumpridos por grandes grupos com ações em bolsa.   

A exigência mencionada pelo ministro foi publicada na última sexta-feira, com a Portaria 1.924/20 assinada por ele mesmo. O texto indica que, para cumprir os “requisitos mínimos de segurança”, a rede privativa deve contar com funcionalidades de criptografia e utilizar “equipamentos projetados, desenvolvidos, fabricados ou fornecidos por empresas que observem padrões de governança corporativa compatíveis com os exigidos no mercado acionário brasileiro”.  

A portaria ministerial foi bem recebida pelo comando da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que temia os efeitos da ampla restrição à Huawei. Integrantes da agência, ouvidos pelo Valor, consideram que o mercado brasileiro poderia ter sua imagem arranhada por um gesto de intervenção estatal que resultaria em perdas financeiras para as teles e aumento de custo para os usuários finais, além do risco de investimentos serem prejudicados por contestações na Justiça.  

Para Faria, o apoio da Anatel à solução proposta pelo ministério ficou claro na discussão de ontem sobre o edital, quando três diretores manifestaram voto pela inclusão dessa obrigação nas regras do leilão. Segundo o ministro, o presidente da agência, Leonardo Euler de Morais, apesar de não ter votado, já teria declarado apoio à iniciativa.  

Resolvida a questão em torno da Huawei, Faria ainda precisou dar explicações sobre quem vai assumir a operação da rede privativa do governo. Desde a publicação da portaria, o ministério é criticado por trazer a Telebras novamente para o jogo. Isso porque a estatal figura na lista de bens a serem transferidos à iniciativa privada e, mesmo assim, continuaria como responsável por operar toda a infraestrutura de rede do governo federal - a regra foi criada em decreto do ex-presidente Michel Temer.  

Ontem, Faria chegou a dizer, por meio de nota oficial, que o ministério está “alinhado com a política econômica do governo”. Parte do recado foi reiterada hoje: “A escolha do operador da rede privativa será feita com base em critérios de técnica e preço. Se houver necessidade, nós, governo federal, faremos até a alteração no decreto, porque quem vai administrar, vai operar, pode ser uma rede privada que atenda a todos os requisitos”.   

Embora a discussão sobre a vulnerabilidade das redes 5G tenha sido incorporada pelo governo Bolsonaro em busca de alinhamento com a gestão Trump, as respostas mais contundentes contra ameaças de espionagem surgiram ironicamente para proteger as autoridades brasileiras de investidas do serviço secreto americano.  

Em 2013, ao saber que foi alvo de espionagem feita pela Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA), conforme denúncia do ex-agente Edward Snowden, a então presidente Dilma Rousseff deu o aval a uma série de medidas para aumentar a segurança na comunicação de governo. Na época, surgiu, por exemplo, a ideia de lançar o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), operado atualmente pelo Exército e pela Telebras.

Fonte: Valor (03/02/2021)

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