Representante das operadoras diz que limpeza de faixa de 3,5 GHz (hoje acomoda transmissão de TV via antenas parabólica) pode levar até dois anos. Limpeza de faixa também ocorreu no 4G, quando desativaram a TV analógica no espectro de 700 MHz
O leilão de 5G deve ocorrer ainda no primeiro semestre deste ano, mas as teles estão preocupadas que uma exigência da minuta do edital atrase o processo. Para elas, a necessidade de limpar a faixa de 3,5 GHz (uma das "avenidas" que estarão disponíveis para leilão), pode fazer com que leve mais dois anos para os brasileiros terem acesso à nova tecnologia.
Esta tal limpeza consiste em fazer uma migração das pessoas que usam TV via antena parabólica, que atualmente viaja na faixa de 3,5 GHz, para uma banda superior. Isso, segundo a Conexis (entidade que representa as operadoras), encareceria o processo em R$ 3 bilhões.
Já vimos esse filme antes. Quando a "avenida" de 700 MHz foi direcionada para o 4G, o sinal analógico de TV aberta passava por esta frequência. Na época, foi preciso mudar a TV analógica para a TV digital, para desocupar este "espaço" no ar e garantir o 4G. Isso levou dois anos.
"Existem duas soluções: uma é mitigar [reduzir] a interferência e a outra é migrar a população [que usa parabólica] para outra banda. O edital adotou a migração, e isso pode atrasar a implantação do 5G em até dois anos", disse Marcos Ferrari, presidente executivo da Conexis, em pronunciamento no grupo de trabalho da Câmara dos Deputados para a implantação do 5G no Brasil, realizado há algumas semanas.
Na prática, a tal mitigação de interferência consiste na distribuição de filtros para clientes de TV parabólica, enquanto a migração envolveria uma mudança de dispositivos para que estas pessoas possam ver TV nesta nova frequência da banda Ku (entre 15,35 GHz até 17,25 GHz).
Outras fontes ligadas ao setor de telecomunicações apontam para a complexidade desse processo de "limpeza" de faixa. Segundo elas, é necessário criar uma rede de fornecedores, treinar pessoal e enfrentar a burocracia nos 26 estados brasileiros mais o Distrito Federal para negociar a isenção do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) —o produto a ser distribuído pelas teles vai ser doado aos consumidores.
Apesar dessa reclamação, Ari Lopes, analista da consultoria em telecomunicações Omdia, crê que a questão não seja tanto de atraso, mas de preço mesmo. "A Anatel já considera o prazo para isso [limpeza da faixa] no edital. O problema deve ser mais os custos envolvidos", disse.
Pelo edital, a operadora tem até 300 dias após a autorização de uso da frequência para limpar a faixa de 3,5 GHz em capitais e no Distrito Federal, e até 30 de junho de 2023 em cidades com até 200 mil habitantes. Ao mesmo tempo, a última versão da minuta diz que a partir de 31 de dezembro de 2022 as teles têm a obrigação de ter redes de quinta geração.
A migração é uma vitória para a Abratel (Associação Brasileira de Rádio de Televisão), entidade que representa emissoras e rádios, que considera a limpeza "a única alternativa que concilia fatores técnicos, econômicos e de planejamento de espectro", pois libera de vez a faixa dos 3,5 GHz.
Não custa lembrar que o edital do 5G ainda está em aberto. Foi apresentada uma minuta em 1º de fevereiro e dois conselheiros pediram vista para analisarem a proposta com mais tempo. Portanto, tudo pode mudar. O próximo posicionamento da Anatel sobre o tema deve ser feito em 25 de fevereiro.
Release 16: que diabos é isso?
A limpeza de faixa não é a única polêmica envolvendo o leilão. Outra exigência que deve encarecer a implementação do 5G é o tal release 16, escolhido pela Anatel para a faixa dos 3,5 GHz. Além da alta velocidade para downloads (20 vezes superior que a do 4G), essa tecnologia permite uma latência (atraso entre um comando executado via internet e sua ação) ainda menor.
"Não podemos frustrar a sociedade só com um 4G mais rápido. Todo esse futuro do 5G só pode ser entregue com release 16", disse o conselheiro da Anatel Carlos Baigorri, no início de fevereiro, ao comentar a minuta do edital. Esta é uma padronização de ponta, mas as operadoras esperavam um processo de transição mais suave do 4G para o 5G —não são todas que conseguem adaptar facilmente sua infraestrutura atual.
Segundo Wilson Cardoso, chefe de soluções da Nokia para a América Latina, a companhia tem 12 mil estações de rádio que estão preparadas para o release 16 no Brasil. Por aqui, a fornecedora trabalha majoritariamente com a TIM. Huawei e Ericsson, outras duas fornecedoras de soluções 5G, não quiseram se pronunciar sobre o assunto.
Para Francisco Soares, vice-presidente de relações governamentais para América Latina da Qualcomm, a escolha do release 16 faz sentido, pois é possível que até o final de 2022 esta versão já esteja desatualizada. Portanto, começar já nele já traria uma vantagem para o Brasil.
Rede do governo emperra
Existem ainda questões sobre uma portaria do governo que define algumas obrigações para as operadoras. Quem se interessar pela faixa de 3,5 GHz deverá construir uma rede específica e mais segura para o governo, além do programa Amazônia integrada para ajudar a conectar o Norte do país.
A construção dessa rede para o governo foi uma forma de não tirar explicitamente a Huawei do leilão 5G —a companhia chinesa poderá ter equipamentos na rede de modo geral, mas não nesta do governo. Uma das condições para a "Rede Privativa de Comunicação da Administração Pública Federal" é que as empresas atendam requisitos de governança corporativa exigidos no mercado acionário brasileiro. A Huawei não tem capital aberto, o que, para padrões internacionais, demonstra um grau de transparência inferior ao exigido no Brasil.
Pelo menos por parte das operadoras, a questão é que há ainda pouca especificação de como vai ser a construção dessa rede do governo e o programa Amazônia Integrada, para ajudar a conectar com fibra óptica o Norte do país. A portaria que definia as obrigações para as operadoras foi editada numa sexta-feira, 29 de janeiro, e a minuta do edital do leilão do 5G foi apresentada na segunda-feira seguinte, 1º de fevereiro.
Logo, não houve grande detalhamento, por exemplo, de quem vai construir a rede para o governo ou quem vai operar. Segundo fontes do setor, o problema da incerteza é "não ter obrigações fechadas e bem definidas". Mesmo assim, tem havido interlocução entre as operadoras e o ministro das comunicações, Fabio Faria, para tentar chegar a um objetivo comum.
Fonte: UOL (24/02/2021)
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