sexta-feira, 10 de maio de 2024

Idosos: Intercâmbio para idosos foca em idioma e aquisição de ‘soft skills’



Quando se fala em intercâmbio, logo se imagina uma pessoa jovem indo estudar no exterior - e esse perfil é, de fato, a maioria dos que arrumam as malas rumo a outro país. No entanto, a parcela de pessoas com mais de 50 anos em busca de uma experiência fora do Brasil está aumentando, segundo as três das principais empresas do setor ouvidas pelo Valor.

Na EF Education First, o público 50+ representa atualmente 10% do volume total de intercâmbios, contra 5% antes da pandemia. No STB - Student Travel Bureau, esse perfil já representa 13% do total de viagens, contra 3% antes da covid. E na CI Intercâmbio a demanda do público 50+ cresce 30% ao ano no pós-pandemia.

O STB tem, inclusive, uma divisão especial para o público 50+, chamado pela empresa de “silver foxes”. “Nossos programas são desenvolvidos especialmente para essa faixa etária e são focados em quem deseja aprender um novo idioma e viver experiências internacionais de uma forma diferente, junto a pessoas que têm a mesma faixa etária”, explica Christina Bicalho, vice-presidente do STB.

A maior parte das pessoas vai mesmo em busca de aprimorar um idioma estrangeiro, mas os programas podem combinar o ensino da língua com outros cursos ou atividades complementares, como passeios, degustação de queijos e vinhos, estudo de música, história, literatura e esportes.

Há, ainda, oportunidade de fazer programas mesclados com pessoas de outras idades, focados em negócios, comunicação ou em áreas específicas do mercado de trabalho. “O intercâmbio é uma oportunidade de crescimento profissional, seja através do aprendizado de um novo idioma, da imersão em ambientes de trabalho internacionais ou do desenvolvimento de habilidades específicas relacionadas à carreira”, comenta Cristiane Bianco, country manager da EF Education First. “Ele abre portas para novas oportunidades de emprego, networking e desenvolvimento de uma mentalidade global, aspectos valorizados no mercado de trabalho atual.”

Gerson Backrany, de 54 anos, já fez dois intercâmbios para aprimorar o inglês. Gerente de vendas nacional na Meritor do Brasil, divisão de uma fabricante americana de peças para veículos comerciais pesados, ele diz não usar o idioma estrangeiro na sua rotina de trabalho na multinacional, mas, eventualmente, precisa participar de uma ou outra reunião em inglês e não se sente confortável para expressar suas opiniões. Ele conta que, depois do primeiro intercâmbio, em Dublin, na Irlanda, em 2022, onde ficou quatro semanas, conseguiu “treinar melhor o ouvido” para entender o inglês e “perder um pouco da vergonha” de se expressar no idioma. Agora, em 2024, foi para o Canadá, de onde concedeu a entrevista ao Valor, para passar 20 dias. “Sempre achei legal as pessoas saírem do país para estudar, mas antes era muito mais difícil, e nunca tive a oportunidade”, comenta.

Nas duas viagens, que fez em períodos de férias, ele optou por se hospedar em casa de família, “porque acabo vivendo um pouco do dia a dia da família, conversando com eles, experimentando as comidas que eles comem”.

Em relação à hospedagem, o público 50+ escolhe ficar em casa de família, residência estudantil ou um Airbnb - que oferece mais privacidade. “Com a melhora da qualidade de vida e maior permanência no mercado de trabalho, podemos observar o interesse de pessoas com mais de 40 anos em programas de intercâmbio”, comenta Bicalho, do STB. “Entre as buscas, existe a necessidade de se adequar ao mercado de trabalho e lidar com as diferentes gerações, desenvolver habilidades de comunicação em outros idiomas e fazer networking, ou ainda, vivenciar uma nova cultura com pessoas da mesma faixa etária.”

Adriana Gattermayr, que atua como coach de executivos, diz que fazer um intercâmbio é um bom investimento na carreira. “Além de aperfeiçoar o idioma escolhido, exercita uma série de ‘soft skills’ necessárias no ambiente de trabalho como flexibilidade, adaptabilidade, agilidade, networking, que nada mais é do que construir novas relações, ter traquejo social com diferentes culturas e abertura ao novo”, detalha. “Sabemos que o ambiente profissional é um mix de culturas de vários países. Entender e navegar bem essas diferenças é fundamental para criar colaboração, que é o que mais as empresas exigem hoje.”

Maria Carolina Krobath, gerente de programas de educação internacional da CI, comenta que, além da necessidade de aprimorar o idioma - no caso de pessoas ainda atuantes no mercado de trabalho -, o crescimento do público 50+ nas viagens de intercâmbio têm relação com o acesso a informações e maior divulgação desses programas. “Isso permite que muitas pessoas que antes buscavam apenas viagens a turismo possam rever os conceitos e unificar o aprendizado de um novo idioma com passeios no exterior.”

Bianco, da EF, acredita que o aumento da participação desse público se deve a uma combinação de diversas razões “que envolvem tanto um maior movimento da população, que vive mais tempo e busca novas experiências, quanto de nós, do mercado, que começamos a dar a devida atenção e a corresponder às expectativas do público maduro”.

Atenta à demanda desse perfil, a EF também lançou um curso voltado especificamente para o público 50+, em 2023, e revisitou o formato para incluir a faixa desde os 40+, que também estava bastante interessada nesse recorte diferenciado, explica Bianco. “Um dos pontos centrais é que a fluência em uma língua estrangeira, principalmente no inglês, ainda é uma das principais exigências para contratações e promoções em cargos seniores.”

Segundo ela, a oportunidade agrega também uma “experiência de grande valor que é a intergeracionalidade”. “Por mais que o curso seja focado no público com mais de 40 anos, existem diversos pontos de contato com pessoas de diferentes idades e nacionalidades, que enriquecem a experiência como um todo.”

Mauro Wainstock, de 55 anos, que é consultor especializado em intergeracionalidade para organizações e mentor de executivos, teve esse contato com pessoas de outras faixas etárias no intercâmbio de duas semanas que fez em Nova York (Estados Unidos). Para ele, a experiência da viagem acaba sendo “incorporada em projetos pessoais e profissionais”.

Bianco, da EF, diz que, no geral, os programas de três a seis semanas são os mais buscados pelo público com mais de 40 anos, mas ela destaca que as pessoas na faixa 40+ não formam um perfil homogêneo. “Existe uma diversidade de filosofias de vida, condições de saúde e atitudes em relação à maturidade”, afirma. E até por isso o programa da EF Adultos 40+ trabalha com diversos locais de destino, como Londres e Manchester (Inglaterra); Malta; Nova York e Santa Bárbara (Estados Unidos); Cidade do Cabo (África do Sul); Roma (Itália); Málaga (Espanha); Nice (França) e Berlim (Alemanha). Em cada destino há uma combinação de excursões e experiências culturais, juntamente com o aprendizado do idioma.

Promotora de Justiça do Ministério Público de Goiás, Silvia Maria Apostólico Alves Reis, de 52 anos, viajou com o STB duas vezes já com a carreira consolidada em busca de experiências culturais. Primeiro foi para a Itália, estudar história da arte, e em 2023 foi para a França, estudar moda. Ao longo de duas semanas, teve aulas de francês pela manhã e aulas do curso de moda à tarde. “Os intercâmbios não têm relação com a minha profissão, não foram para agregar à carreira, eram mais de desenvolvimento pessoal”, explica.

Para conseguir viabilizá-los, Reis faz as viagens em períodos de férias ou licença. “Quando já estamos com a carreira mais consolidada, temos mais disponibilidade financeira e, portanto, de escolhas, diferente de quando somos mais jovens”, diz.

Aos 17 anos, Reis fez um intercâmbio para os Estados Unidos, onde ficou um ano em casa de família. “A experiência mudou a minha visão de mundo”, conta. “Você absorve aspectos culturais diversos, pois convive com outros intercambistas”. Nos dois intercâmbios mais recentes, Reis optou por outros formatos de hospedagem: em um apartamento onde ficou sozinha na Itália e um dormitório estudantil na França.

“As pessoas são motivadas a fazer intercâmbio por uma variedade de razões”, diz Bianco. “Alguns buscam novas experiências e aventuras, desejam explorar o mundo de maneira mais profunda e significativa. Outros veem o intercâmbio como uma oportunidade de crescimento pessoal.”

Para o médico militar aposentado Leobaldo Silveira Nascimento, de 56 anos, o intercâmbio veio em um momento de virada de sua vida. Quando parou de trabalhar, ao mesmo tempo que saiu de um casamento de 33 anos, decidiu viajar para se conhecer melhor. “A gente sempre faz tudo em função da família, da sociedade. Você tem que ser médico, ganhar dinheiro. Após os 50 chegou a hora de reavaliar tudo isso, com os filhos já criados”, conta. “Eu precisava olhar mais para mim. Fui para fora buscando um autoconhecimento, sem um olhar da família, saindo da zona de conforto.”

Assim, em 2017 ele fez seu primeiro intercâmbio, de seis semanas, na Inglaterra, onde ficou hospedado em uma residência estudantil. “Como eu não dominava o inglês, ter toda essa estrutura de escola, o passo a passo organizado por uma empresa, facilitou muito”, diz. Na segunda experiência, em Santa Bárbara, na Califórnia (Estados Unidos), onde ficou oito meses, escolheu conviver com uma família americana, se hospedando na casa deles. “Eu não tinha ideia do que seria estar na casa de outra família”, diz Nascimento, que é sergipano e nem quando vai a Sergipe fica na casa dos pais. “Fico em hotel, gosto da minha privacidade”, diz. “Mas como eu queria exatamente um choque, saber como iria me comportar saindo da minha zona de conforto, obedecendo novas regras, vivendo uma nova cultura, aprendendo a cuidar de mim, optei pela casa de família.”

Nascimento diz que nunca tinha cozinhado um ovo e não sabia lavar a própria roupa. “A nossa sociedade é machista. Primeiro é a nossa mãe que faz, depois a esposa administra a casa com uma funcionária. Eu buscava viver uma realidade diferente.”

No começo, Nascimento conta que teve dificuldade para socializar, porque era o único “maduro” da turma. “A escola era muito jovem”, afirma. Diante disso, procurou uma ONG onde pudesse atuar como voluntário, e diz que isso ajudou a encontrar companhia para alguns passeios. Em breve, Nascimento fará mais um intercâmbio - agora para São Francisco, também na Califórnia. “Ainda não aprendi inglês o suficiente”, justifica.

Fonte: Valor (29/04/2024)

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