Um pequeno exemplo de todos os desmandos em estatais
Da muito bem-sucedida privatização da telefonia, que abriu caminho para o avanço do país na era da internet, sobrou um resíduo estatal. Vinte e seis anos depois, o dinheiro público ainda sustenta uma empresa denominada Telebras, cuja existência —e mais ainda, sua serventia— é decerto desconhecida pela maioria dos contribuintes brasileiros.
Mas eis que o fantasma reapareceu no noticiário dos últimos dias, por um motivo dos menos nobres. Revelou-se que a Telebras, hoje abrigada no organograma do Ministério das Comunicações, recorreu a uma manobra de contabilidade com o objetivo de empurrar para este 2024 despesas que deveriam ter sido executadas no ano passado.
Detalhes técnicos não são o mais importante no caso —basta compreender que os gastos da dita companhia não couberam nos limites autorizados por lei, e isso pode criar problemas legais para o Executivo federal. Mais interessante é como aí estão reunidos quase todos os exemplos de desmandos possíveis em estatais.
Começa-se pela espantosa sobrevivência da empresa controlada pelo Tesouro Nacional, que após a privatização de 1998 havia sido mantida apenas para pagar dívidas e fornecer pessoal à Anatel, agência reguladora do setor. Em 2010, ela foi reativada pelo segundo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com a missão de ampliar o acesso à internet no país.
Incluída no programa de desestatização sob Jair Bolsonaro (PL), não teve sua venda concretizada, provavelmente por despertar o interesse dos militares. No ano passado, mais uma vez sob Lula, foi retirada do programa.
Uma de suas utilidades para o Planalto é o loteamento político. Segundo o UOL, que trouxe à tona a pedalada orçamentária, a companhia se encontra hoje sob influência de Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), ora candidato mais forte ao comando do Senado e aliado do ministro Juscelino Filho, que por diversas vezes teve sua saída do posto cogitada por suspeitas de irregularidades.
Na gigantesca máquina federal, a Telebras é uma estrutura modesta —emprega cerca de 400 funcionários e dispõe de R$ 864 milhões em gastos autorizados neste ano. Um déficit de R$ 184 milhões é projetado para 2025.
Ela está há quase cinco anos entre as 17 estatais classificadas como dependentes do Orçamento da União, por não gerar receitas suficientes para bancar suas operações. Nesse rol também se encontram exemplos funestos como a Codevasf, desaguadouro de emendas parlamentares, e a EBC, que não alcança audiência para a propaganda oficial.
Os danos potenciais se multiplicam nas 27 empresas não dependentes e suas 79 subsidiárias, grupo no qual se destacam gigantes como Petrobras, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Assim se tem noção de quanto ainda resta a fazer no processo de reorientação do Estado brasileiro, pelo bem da ação social e da eficiência econômica.
Fonte: Editorial da Folha de SP (05/11/2024)
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