Para Scripilliti, da Bradesco, “vai cair a ficha que a previdência pública será insuficiente para a maior parte da população”
Com quase R$ 32 bilhões líquidos captados pelos fundos de previdência privada neste ano, até 21 de novembro, o setor caminha para registrar o melhor ano desde 2020, quando R$ 35,5 bilhões ingressaram na categoria. Os dados são da Anbima, que representa o mercado de investimentos, e fornecem uma foto parcial da indústria pela ótica dos veículos que acolhem as reservas dos planos ofertados pelas seguradoras.
Novembro e dezembro costumam concentrar o fluxo do contribuinte que privilegia aportes no plano gerador de benefício livre (PGBL), em que pode reduzir na declaração anual completa a base de renda tributável em até 12%, ampliando o valor da restituição de imposto à pessoa física.
Mas os últimos dois meses foram marcados por uma inflação mais carregada e pela alta de juros, que corroem a renda da população e a capacidade de guardar dinheiro, e, assim, houve alguma perda de tração, observa Estevão Scripilliti, diretor da Bradesco Vida e Previdência. “Dezembro é um mês sazonalmente favorável, mas não deve ser a euforia que podia-se imaginar, de captações espetaculares, o ritmo é menor do que se vislumbrava em agosto e setembro”, diz. “De qualquer forma, está voltando para patamares de vendas e captação líquida próximos aos recordes anteriores à pandemia.”
A reação vem num momento de mudança de regras, que preparam o terreno para uma nova abordagem para a construção da poupança de longo prazo no país. No tempo, a expectativa de executivos do setor é que o conceito de acumulação típico da previdência dê lugar à efetiva conversão de renda em diferentes ciclos da vida do participante.
“Existe um esforço do regulador para criar condições para que as pessoas cada vez mais usem o benefício da renda, mas tem um macro que impacta isso”, diz Marcelo Flora, sócio do BTG Pactual responsável por canais digitais e principal executivo (CEO) da seguradora do grupo. “Com os juros altos, o investidor se sente mais confiante em receber a reserva e fazer a gestão ele mesmo.”
No começo do ano, o segmento ganhou empurrão das mudanças tributárias nos fundos fechados exclusivos e restritos, que passaram a ter o “come-cotas”, o imposto semestral já existente em carteiras de renda fixa, multimercados e cambiais abertas ao público geral. Algumas estruturas começavam a ser desmontadas para migrar para o diferimento tributário ainda permitido na previdência, mas o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) tratou de proibir a criação de portfólios com patrimônio individual a partir de R$ 5 milhões.
Independentemente disso, o setor voltou a mostrar vigor. Mas a diversificação que se via para fundos de previdência mais apimentados, observada durante os tempos de juros baixos, perdeu apelo com a taxa básica da economia, a Selic, agora em 11,25% ao ano, e em pleno ciclo de alta. Também na previdência, as carteiras de renda fixa é que têm sido beneficiadas. “Com o cenário de juros mais altos, o diferencial passou a ser o serviço, há pouca diferenciação em termos de produto, com o mercado inteiro na renda fixa”, diz Roberto Teixeira, sócio da XP que lidera a vertical de seguros.
Para 2025, sob o novo marco legal, Scripilliti, da Bradesco, diz que algumas decisões tomadas nos últimos meses vão ser colocadas em prática. A mudança mais automática e que já simplifica a venda de novos planos é a escolha do regime tributário só na hora da conversão em renda ou no primeiro resgate. Isso adia uma decisão que o investidor tinha que fazer já na largada e sem muita informação de como seria sua composição de renda ao longo da vida profissional.
A abordagem de ciclos de renda na fase de desacumulação tende a ganhar relevância, especialmente para competidores ligados aos grandes grupos financeiros, que têm carteiras mais maduras, com uma faixa de clientes entrando na fase de aposentadoria. A Bradesco Seguros já vinha se estruturando nos últimos 18 meses para ter uma equipe dedicada a ofertas de renda de forma mais ativa, conta Scripilliti. O setor tem que se adaptar, sistemicamente, para a flexibilidade trazida pela regulação.
Será possível fazer conversões de renda parciais e eventualmente a reversão se o investidor voltar a trabalhar e tiver capacidade de novos aportes, exemplifica o executivo. São medidas que auxiliam as seguradoras a medir de forma mais assertiva o seu risco, lidar com o aumento da longevidade da população. A consequência, diz, deve ser uma renda melhor para quem construiu reservas para aposentadoria ou outra finalidade.
[Crescimento] depende da economia, da renda e do emprego, mas há fatores que contribuem para expansão do mercado” — Rogerio Calabria
São mudanças que podem contribuir no tempo para um melhor alcance da previdência privada. Segundo dados da Fenaprevi, só 8% da população brasileira tem alguma cobertura, enquanto países desenvolvidos têm entre 40% e 50%, diz Scripilliti. “Cada economia tem a sua realidade, mas dá para imaginar que [o Brasil] saia de 8% para 15% ou 20% em uma década. Faz muito sentido, até porque vai cair a ficha de que a previdência pública será insuficiente para a maior parte da população, ainda mais num momento em que se discute mais aperto fiscal, é uma realidade que já está conosco.”
Se na fase de acumulação o Brasil tem ainda muito o que avançar, mais ainda na conversão de renda, em que só 1% a 2% das reservas da previdência privada são transformadas em benefício. Em geral, para não disputar com a seguradora quando “vai morrer”, o mais comum é o investidor resgatar tudo o que poupou. Na hipótese de falecer meses depois que optasse, por exemplo, por uma renda vitalícia, os recursos acumulados não seriam transferidos aos herdeiros. Agora, dá para fazer um planejamento mais diverso.
Para Teixeira, da XP, a regulação da Susep foi muito feliz em normatizar os diversos ciclos de renda. O cliente vai poder programar o recebimento do benefício durante a fase de acumulação em diferentes formatos e períodos.
Além da escolha da tributação no primeiro resgate representar uma mudança de jogo para a previdência privada, outra inovação trazida pela regulação é o uso da estrutura a termo da taxa de juros nos contratos. Embora seja um conceito técnico, é algo caro às seguradoras e que pode afetar o uso de renda no futuro, diz Rogerio Calabria, superintendente de produtos de investimentos do Itaú Unibanco.
“As seguradoras não conseguem prever daqui a 30 anos qual vai ser a taxa de juros instituída e essa foi uma solução que o novo arcabouço trouxe”, diz Calabria, acrescentando que será possível colocar um percentual das taxas de juros negociadas no mercado futuro na hora da adesão do cliente.
A prática era colocar uma taxa mínima pequena ou zero, com um excedente de 50% no fim porque a renda é corrigida pelo IPCA, mas o brasileiro sabe que não é difícil conseguir retorno sobre investimentos acima do indexador, diz Calabria. “Isso evita muito cliente se aposentar numa condição ruim porque o juro nunca é zero, é raríssimo.” Para o executivo, tal mudança vai trazer segurança, simplificação e tornar os planos de previdência mais comparáveis. Faz diferença na hora da aposentadoria, não no período de acumulação.
Essa era uma deficiência do modelo, continua o executivo do Itaú, porque o cliente decidia se queria aplicar em planos atrelados a fundos de ações, renda fixa e multimercados e as seguradoras tinham que garantir 30 anos à frente, havia um descasamento temporal entre passivos futuros previdenciários e os ativos. Agora, a sua expectativa é que o mercado se ajuste no tempo e migre para esse desenho. Ele cita que, dentro do Itaú, já havia o cuidado de mudar o cliente de plano na fase de desacumulação, para que ele seja remunerado numa taxa mais justa.
Calabria espera que, com o novo marco regulatório, a previdência privada ganhe relevância pela oferta de produtos mais flexíveis para os clientes, traga mais segurança para o sistema e tenha taxas de crescimento mais significativas. “Depende da economia, da disponibilidade de renda e do emprego, mas isoladamente há fatores que contribuem para a expansão do mercado.”
Flora, do BTG Pactual, afirma que a revisão regulatória vem casada com outra inovação, o “open insurance”, de compartilhamento de dados financeiros pelo cliente, que vai permitir uma oferta mais aderente e estimular a concorrência.
Fonte: Valor (27/11/2024)
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