sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Meu Bolso: Nenhum fundo de varejo de grandes bancos bate a inflação com nova Selic



Taxa de administração faz com que rendimentos de fundos de varejo com aporte de R$ 1 mil percam para o IPCA

O Valor Investe procurou, mas não encontrou, na prateleira virtual dos grandes bancos do país, nenhum fundo conservador de renda fixa ou DI com potencial para dar rentabilidade acima da inflação para seus cotistas do segmento de varejo nos próximos 12 meses.

Depois da redução da taxa básica Selic na noite de quarta-feira para 5,5% ao ano, nossa equipe procurou nos sites de Banco do Brasil, Itaú, Bradesco, Caixa e Santander por todos os fundos DI e renda fixa conservadores com aplicação mínima de até R$ 1 mil, que são aqueles acessíveis para o público de varejo, presumindo que o investidor queira e consiga ter um portfólio diversificado.

Não encontramos, dentro desse perfil, nenhum produto com taxa de administração inferior a 1% ao ano. BB, Caixa, Santander e Bradesco ainda oferecem, cada um, pelo menos dois fundos com taxa de administração igual ou superior a 2% ao ano, custo suficiente para "comer" 36% do retorno bruto de uma aplicação que siga a Selic (é quase como ter um sócio). Dos cinco bancos, o Itaú é o que possui as taxas menos salgadas. Os fundos conservadores com taxas mais altas à venda no site do Itaú cobram 1,3% ao ano.

-Vale dizer que não estamos tratando aqui de fundos do tipo "raspa-conta". E nem de carteiras antigas (que ainda possuem bilhões de reais aplicados, sujeitas a taxas ainda mais altas, mas que não são mais oferecidas aos clientes). Para ter mais dados sobre esses outros fundos DI com taxas altas, clique aqui.

Com a nova taxa básica de juros a 5,5%, fundos com taxas de administração acima de 1% têm rendimento líquido tão baixo que perdem até para a poupança, considerando os descontos de imposto de renda. Para esses fundos conservadores e sem gestão ativa, a regra é: quanto maior a taxa de administração, pior a rentabilidade.

A conta é simples. Com a meta Selic em 5,5%, um fundo que rende o equivalente ao CDI e tem taxa de 1% terá retorno limitado a cerca de 4,4% (lembrando que a Selic e o CDI efetivos ficam um pouco abaixo da meta). Considerando que a tributação de um investimento de renda fixa de um ano é de 17,5%, que incidiria sobre os 4,4%, temos um retorno líquido próximo de 3,6% no período. Se você retirar o dinheiro do fundo antes de 12 meses, com mordida maior de IR, a perda de rentabilidade é ainda maior.

A meta de inflação do ano que vem é de 4%, enquanto a projeção de inflação do Banco Central é de 3,6% e a previsão do Boletim Focus aponta para IPCA de 3,8%. Ou seja, a chance de o retorno líquido do aplicador desses fundos no máximo igualar a inflação é bastante grande, na melhor das hipóteses.

E isso sem falar na probabilidade, quase certa, aliás, de a Selic cair para 5% já na próxima reunião, ou para um nível ainda menor, o que deixará o quadro mais complicado.

Quem tem dinheiro aplicado nesses fundos só tem esperança de ter retorno real para seu investimento em três cenários: se os bancões baixarem as taxas, se eles mudarem a gestão para aumentar a rentabilidade (mexendo na composição da carteira) ou se a Selic voltar a subir.

Caso você não acredite que nada disso acontecerá, é melhor colocar a grana em outro lugar, se quiser rentabilidade minimamente aceitável (retorno acima da inflação).

Lista de fundos conservadores DI e renda fixa disponíveis nos sites dos maiores bancos
BancoFundoAplicação inicial - R$Taxa de administraçãoPatrimônio líquido - R$ milhões
SantanderSantander FIC Extra Plus Renda Fixa Referenciado DI1.0002,00%193,3
SantanderSantander FIC Renda Fixa Simples1002,20%41,3
CaixaCaixa FI Renda Fixa Simples LP501,50%8.389,8
CaixaCaixa FIC Fácil Renda Fixa Simples502,00%539,5
CaixaCaixa FIC Desenvolver RF Longo Prazo5001,30%13,3
CaixaCaixa FIC Empreender RF Longo Prazo501,50%58,0
CaixaCaixa FIC Beta RF Ref DI Longo Prazo501,50%419,6
CaixaCaixa FIC Ideal RF Longo Prazo501,50%1.409,2
CaixaCaixa FIC Liquidez RF Curto Prazo503,10%461,3
CaixaCaixa FIC Soberano RF Longo Prazo501,50%680,7
CaixaCaixa FIC Clássico RF Longo Prazo1001,40%101,1
BradescoÔnix Simples RF - Bradesco502,00%2.491,4
BradescoHiperfundo DI - Bradesco1002,90%2.221,3
BBBB Renda Fixa Simples501,95%9.332,5
BBBB Renda Fixa Referenciado DI 500502,00%1.892,1
BBBB Renda Fixa Curto Prazo 30 mil1.0001,00%11.350,0
BBBB Renda Fixa Referenciado DI Social 50502,60%461,4
BBBB Renda Fixa 500502,00%15.034,4
BBBB Renda Fixa LP 30 mil1.0001,00%7.793,6
BBBB Renda Fixa Referenciado DI LP 30 mil1.0001,00%4.004,7
BBBB Renda Fixa LP Prefixado00,8% a 1,3%3.366,6
ItaúItaú Renda Fixa Simples FICFI11,20%367,9
ItaúItaú RF Referenciado DI Maxime FICFI1.0001,00%7.143,9
ItaúItaú Renda Fixa Maxime FICFI1.0001,00%3.880,3
ItaúItaú Personnalite Ecomudança RF REF DI FICFI1001,30%39,4
ItaúItaú RF Referenciado DI Futura FICFI1001,25%91,7
ItaúItaú Renda Fixa Ecomudança FIC1001,30%44,7


O Valor Investe levantou também quanto os cinco maiores bancos do país possuem de receita atribuída ao serviço de administração de fundos (incluindo as carteiras de clientes institucionais, de clientes pessoa física de alta renda etc). No total, BB, Itaú, Bradesco, Caixa e Santander receberam R$ 8,72 bilhões dos clientes pelos serviços prestados no primeiro semestre, ante R$ 8,33 bilhões no mesmo período do ano passado.

Receita com administração de fundos - em R$ milhões
BancosÚltimos 12 meses1S192S181S18Ano 2018Ano 2017
BB6.1803.1373.0432.9806.0235.397
Itaú3.8881.9881.9001.7993.6992.941
Bradesco3.8761.8941.9822.0013.9833.731
Caixa2.2951.1811.1141.0452.1591.826
Santander1.01051649450910031008
Soma17.2498.7168.5338.33416.86714.903


O que os bancos dizem?
Procurado pelo Valor Investe, o Bradesco afirmou que tem ajustado, ao longo do tempo, as taxas de administração de seus fundos de investimento em movimento de adequação de mercado.

"A Bram (gestora de fundos) oferece uma plataforma completa de investimentos, composta por produtos variados em tipos de taxa, rentabilidade e graus de risco. Adicionalmente, o banco monitora constantemente a oferta de custos de seus produtos para assegurar que os clientes tenham as melhores oportunidades de investimentos", diz, em comunicado.

O Banco do Brasil também disse estar fazendo revisões periódicas nas taxas e valores de aplicações iniciais para aumentar a rentabilidade dos cotistas. A instituição lembrou que tem fundos com taxas a partir de 0,35%. O exemplo citado, do BB Renda Fixa High, a aplicação mínima é de R$ 200 mil — muito acima dos R$ 1 mil que usamos como corte para varejo.

"Além do valor de aplicação inicial, o banco observa também o que chama de "Visão Integral". Trata-se de atributo que considera o valor total aplicado pelo cliente em diversos produtos de investimento, para compor o valor mínimo de aplicação, e possibilitar o acesso aos fundos com taxas mais competitivas", afirma o BB em nota.

Para o superintendente de portfólios de investimento do Itaú Unibanco, Victor Vietti, o cenário novo de Selic tão baixa, inédito no Brasil, exige mudanças e adequações que o banco está disposto a encarar. Ele informa que, desde que o Copom ventilou mais cortes na Selic, a instituição estuda modos de melhorar a rentabilidade desses fundos. Há expectativa de mudanças na carteira nos próximos meses. “A gente não é tão competitivo para essa faixa [de até R$ 1 mil]. Mas é isso que a gente está revisando. Provavelmente deveremos ter uma revisão no próximo mês. Talvez a Selic caindo para esses patamares traga uma urgência para nossa revisão”, admite.

Segundo ele, uma das estratégias para o atual cenário será apostar na educação financeira e conversar com os clientes para ter carteiras mais agressivas, com alocação na renda variável.

“Para mim, precisa trabalhar muito forte a questão de diversificação para renda variável e sair da renda fixa. A gente não precisava tomava risco até uns anos atrás, mesmo com desconto da inflação, tínhamos um retorno bastante alto. [A nova Selic] é um cenário que veio para ficar por algum tempo", afirma.

A Caixa e o Santander não se manifestaram até o fechamento desta matéria.

O que fazer agora?
Opções melhores na renda fixa:
  • Carteira digitais com 100% do CDI
  • LCI, LCA, CRI, CRA a partir de 80% do CDI
  • Fundos de renda fixa conservador ou DI com taxas menores que 0,80% ao ano
  • CDBs que paguem mais de 100% do CDI e tenham boa liquidez
  • Tesouro IPCA+ de curto prazo
  • ETFs de renda fixa
Fazendo as contas com a nova Selic, alguém poderia dizer até que a poupança passa a ser uma alternativa para o investidor guardar a reserva de emergência. Mas seria uma opção tão ruim quanto um fundo com taxa de 1%, o que não significa que é uma boa saída.

A poupança rende cerca de 70% do CDI, mas tem isenção de imposto de renda e IOF (imposto sobre operações financeiras), este último só incide sobre os rendimentos de aplicações com resgate feito até 30 dias depois do depósito. Mas a poupança também deve perder para a inflação. E existem opções tão seguras e práticas quanto a caderneta rendendo mais.

Em vez de ficar em fundos com taxa igual ou superior a 1% ou na poupança, o investidor conservador (que tem aversão ao risco) pode migrar, por exemplo, para carteiras virtuais que pagam 100% do CDI, como Nubank, PicPay e PagSeguro. E sem taxa de administração.

Nesses casos, o único desconto é o imposto de renda regressivo sobre os rendimentos, mas o retorno líquido é maior. Essas plataformas têm liquidez diária (você põe e tira o dinheiro a qualquer momento), mas quanto mais tempo o dinheiro ficar por lá, menor o imposto.

Compare rendimentos de aplicação de R$ 1 mil em 12 meses - valores em R$
Meta Selic 5,50%Fundo DIFundo DILCI/LCA 80%CDB 105%Tesouro SelicPoupança nova
Taxa efetiva ano5,40%5,40%4,32%5,67%5,40%3,78%
Taxa administração/Custódia ao ano1,00%1,50%IsentoIsento0,25%Isento
Valor investido1.000,001.000,001.000,001.000,001.000,001.000,00
Valor após 1 ano1.043,561.038,421.043,201.056,701.051,371.037,80
IR Fonte - 17,5% (12 meses)-7,62-6,72-9,92-8,99
Valor líquido1.035,941.031,701.043,201.046,781.042,381.037,80
Rendimento líquido3,59%3,17%4,32%4,68%4,24%3,78%
Inflação projetada* (Focus)3,80%3,80%3,80%3,80%3,80%3,80%
Rendimento real-0,20%-0,61%0,50%0,85%0,42%-0,02%


Outra opção é buscar fundos de renda fixa ou DI com taxas mais baixas. Eles existem. Só não nos grandes bancos, ao menos por enquanto. Mas procure por plataformas independentes que têm até taxa zero para essas aplicações, como é o caso da Órama e do BTG Digital. Se a taxa for de 0,5% ao ano, já há um espaço para alguma rentabilidade acima do IPCA. Um respiro. Mas fique atento porque, se a Selic continuar em queda, esse cenário pode mudar.

Os CDBs, que são os títulos de bancos, que oferecem 100% ou mais do CDI, como o do banco Inter, trarão resultados similares às das carteiras digitais. Só fique atento à liquidez desses produtos.

Para seguir na renda fixa, na zona de pouco risco, há ainda a alternativa de aplicações isentas de imposto de renda. Procure por LCIs e LCAs com promessa de remuneração de pelo menos 80% do CDI. Assim como os CDBs, elas possuem a proteção do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) para aplicações de até R$ 250 mil (incluindo o rendimento previsto).

Numa opção um pouco mais arriscada, especialistas apostam no Tesouro Direto IPCA+ 2024, que acompanha a inflação. Esse título do Tesouro Nacional está rendendo hoje 2,6% ao ano acima do IPCA pelos próximos cinco anos e é uma das recomendações da Eleven Financial, empresa especializada em análises de investimento. O único risco é ficar sujeito a oscilação de preço do título entre hoje e o vencimento em agosto de 2024. Mas quem ficar até o prazo final terá assegurado um ganho real para seu patrimônio.

Buscar alternativas como fundos negociados em bolsa (ETFs) de renda fixa que seguem o IMA-B ou outro índice de renda fixa trazem para o investidor riscos semelhantes aos da aplicação no Tesouro IPCA. Em geral, eles possuem rentabilidade maior que os fundos que seguem o CDI, mas oferecem um risco maior de oscilação da cota no curto e médio prazo.

Os próprios bancões possuem opções melhores de investimento, seja para aplicações mínimas mais altas, ou em fundos multimercado ou de renda fixa de longo prazo (de maior volatilidade na cota), que recheiam a carteira com títulos prefixados ou atrelados a inflação de vencimento mais longo.

Para mais alternativas de como melhorar os ganhos em aplicações financeiras após o corte da taxa básica de juros, leia nossa matéria sobre o que fazer com seus investimentos com Selic a 5,5%.

Fonte: Valor Investe (20/09/2019)

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