sábado, 30 de maio de 2020

Fundos de Pensão: Empresas patrocinadoras de planos começam a suspender aportes



Patrocinadoras da Previsc (Fiesc) e da MB Prev (Mercedes-Benz) foram as primeiras a suspender as contribuições, mas a tendência é que outras sigam nessa direção

Depois de causar perdas às carteiras de investimentos das entidades fechadas de previdência complementar (EFPCs), em razão, sobretudo, da forte desvalorização das ações no primeiro trimestre, a crise econômica global provocada pela pandemia da Covid-19 começa a fazer estragos no fluxo de caixa do setor. A retração das atividades econômicas, traduzida em uma queda de 13,7% nas vendas do varejo ampliado em março segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), vem motivando várias empresas a considerarem e, em alguns casos, a suspenderem temporariamente as contribuições a seus fundos de pensão.“Temo que os cortes de contribuições possam evoluir para uma onda de retiradas de patrocínio após a crise”, diz José Roberto Ferreira
“Temo que os cortes de contribuições possam evoluir para uma onda de retiradas de patrocínio após a crise”, diz José Roberto Ferreira

“A prioridade absoluta dos patrocinadores, no momento, é correr atrás das receitas perdidas. Mas é claro que cortes de despesas, incluindo aportes em fundações de previdência, também estão em pauta, razão pela qual as suspensões poderão ganhar escala”, comenta José Roberto Ferreira, sócio-diretor da consultoria Rodarte, Nogueira e Ferreira e ex-titular da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc). “Ainda é cedo para fazer previsões, mas temo que esse movimento possa evoluir para uma onda de retiradas de patrocínio após a crise.”

Criada em 2003, a Mercedes-Benz Previdência Complementar (MBPrev) foi uma das primeiras entidades a sentir na pele os efeitos da nova tendência do sistema. Às voltas com quedas expressivas nas vendas de caminhões e ônibus – que apresentaram em março recuos por volta de 18% e 44% em relação a janeiro, a Mercedes-Benz, anunciou férias coletivas em março e começou a negociar um acordo com seus funcionários e o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que entre outros pontos incluiu a interrupção a partir de abril das injeções de recursos da montadora e dos demais sete mantenedores no plano de contribuição variável (CV) da MBPrev, por nove meses, exceto aportes destinados à cobertura de gastos administrativos e compromissos com o benefício mínimo. As contribuições serão retomadas em janeiro próximo e as parcelas em atraso começarão a ser saldadas dois meses depois.

Com patrimônio líquido por volta de R$ 1 bilhão, a MBPrev contará, até o fim do ano, somente com aportes facultativos de seus 9,8 mil participantes ativos. Como, no entanto, este grupo supera em oito vezes o contingente de assistidos, que recebem benefícios, a entidade tem condições de sobra para superar, sem problemas, a recém-iniciada estiagem de recursos. O ideal, contudo, é que EFPCs não tenham de lidar com situações do gênero. “Suspensões de contribuições sempre geram desequilíbrios. Os danos são maiores aos planos de benefício definido, mas os de contribuições definida e variável também são afetados”, assinala Ferreira.

A Previsc, fundo de pensão multipatrocinado vinculado à Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc), começa a enfrentar tais desafios neste mês. No último dia 7, o seu conselho deliberativo aprovou as interrupções, por três meses, de aportes dos patrocinadores de cinco dos 19 planos da casa, cujos ativos somam cerca de R$ 500 milhões (35,71% do total). “As justificativas apresentadas pelos patrocinadores e aceitas pelo conselho foram fortes quedas em suas receitas causadas pela pandemia da Covid-19. Sofreremos um corte de ingressos da ordem de R$ 8 milhões mensais”, informa o diretor de seguridade da entidade, Didier de Andrade de Albuquerque Júnior.

Segundo ele, dos cinco planos planos da entidade, três estão em situação mais confortável - Previsc-Fiesc (BD), Previsc-Sistema Fiep (CV) e FiemtPrev (CD) - e demandarão apenas alguns ajustes contábeis para seguirem operando normalmente. As lacunas das contribuições serão preenchidas com recursos mantidos em fundos de reversão de saldos, constituídos por aportes das patrocinadoras aos quais ex-participantes que se desligaram antes de se tornarem elegíveis aos benefícios não tiveram acesso. “Graças a esses fundos, participantes e patrocinadores desses dois planos não terão de fazer quaisquer desembolsos durante 90 dias e nem tampouco arcar com reposições futuras”, assinala Albuquerque.

Nos dois restantes, contudo, as suspensões terão efeitos concretos sobre as poupanças previdenciárias dos participantes. No FiescPrev, um plano CV que foi transformado em CD, a Previsc utilizará cerca de R$ 70 mil de um fundo de reversão de saldos para cobrir as parcelas de benefício definido do produto. Sem dispor dessa opção, o CD LunelliPrev, constituído no segundo semestre de 2018, foi o que deu mais trabalho nos processos de ajuste, pois o seu regulamento não permite a interrupção dos aportes do patrocinador. A solução encontrada pela equipe da fundação foi zerar as contribuições do mantenedor no plano de custeio, aproveitando-se do fato de que o regulamento não estabelece valores a respeito.

“Os participantes poderão continuar contribuindo com esses planos durante a suspensão dos aportes dos patrocinadores. Estes, no entanto, talvez não venham a cobrir essa diferença mais à frente e nada impede que solicitem prorrogações das suspensões de suas contribuições”, observa o diretor de seguridade. “Outros patrocinadores, vários dos quais promoveram reduções de salários e jornadas, demonstraram grande interesse pela ideia na recente reunião do nosso conselho deliberativo”, diz.

O quadro atual vem merecendo total atenção da Previsc, que praticamente dobrou, para cerca de R$ 400 milhões, as aplicações em fundos de altíssima liquidez. É pouco provável, contudo, que tenha de lançar mão desses recursos, já que os aportes dos seus 17,1 mil participantes ativos superam por larga margem os R$ 5 milhões em benefícios pagos mensalmente aos 1,3 mil assistidos. “Como a população é jovem, embora a entidade já acumule 33 anos de trajetória, o fluxo de caixa é fortemente positivo”, comenta o diretor de investimentos Ricardo José Machado da Costa Esch. “Mesmo assim, julgamos mais adequado elevar os nossos níveis de liquidez.”

Na Metrus, fundo de pensão dos funcionários do Metrô paulistano, a suspensão das contribuições contemplou, inicialmente, os participantes ativos do Plano II, de contribuição variável. Entre 22 de abril e 15 de maio a fundação ofereceu-lhes a oportunidade de reduzir ou sustar os aportes básicos e suplementares por quatro meses. A medida teve como objetivo atenuar os efeitos de cortes em mecanismos de remuneração suplementar, como o pagamento de adicional noturno e a “compra” de férias pelo empregador, que opera no momento com uma receita equivalente a 20% do padrão normal, devido às restrições impostas pelos governos estadual e municipal à circulação da população na capital paulista.Depois de conceder a participantes a opção de suspender contribuições, o Metrus, da diretora-presidente Alexandra Leonello Granado, aguarda solicitação nesse sentido do patrocinador
Depois de conceder a participantes a opção de suspender contribuições, o Metrus, da diretora-presidente Alexandra Leonello Granado, aguarda solicitação nesse sentido do patrocinador

Nessa situação, o patrocinador solicitou ao Metrus estudos para avaliar os impactos de uma eventual interrupção das suas contribuições por três meses. O trabalho vem sendo executado, à espera de um posicionamento do Metrô. “Até o momento, nada está decidido, mas seguimos elaborando estudos atuariais a respeito”, diz a diretora-presidente Alexandra Leonello Granado. “Se o patrocinador formalizar o pedido, vamos comunicar a demanda à Previc e estabelecer como exigência uma confissão de dívida, com prazo de pagamento de até dois anos.

”Com um patrimônio líquido de cerca de R$ 2,7 bilhões, a EFPC dispõe de boa massa de manobra para superar cortes temporários no abastecimento do seu caixa. O arsenal inclui, entre outros itens, cerca de R$ 215 milhões aplicados em fundos de altíssima liquidez, além dos valores a serem resgatados com os vencimentos de títulos nos próximos meses. “Não nos desfizemos de quaisquer posições, até porque não é recomendável vender ativos em meio a uma crise, e temos condições de superar o pior cenário possível por no mínimo seis meses”, observa Alexandra.

Investimento em papéis de patrocinadoras é controverso
Os apuros enfrentados por patrocinadores em razão da crise causada pelo novo coronavírus, que já começam a respingar em suas EFPCs, deu margem a uma proposta de permitir, novamente, investimentos em papéis dos patrocinadores. Proibida desde março de 2000, a prática, na avaliação do consultor José Roberto Ferreira, ex-titular da Previc, deveria ser considerada, ainda que em caráter pontual, pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), a quem caberia a palavra final.

“Seria uma boa opção para os fundos de pensão, que se livrariam do risco de cortes de contribuições patronais, e também para os patrocinadores, que teriam acesso a recursos bem mais em conta do que os oferecidos pelo mercado financeiro”, observa Ferreira. “Com a adoção de critérios consistentes para a concessão de crédito, essas operações teriam condições de ser tão bem-sucedidas e vantajosas paras os envolvidos quanto os empréstimos aos participantes.

”Na página da Investidor Institucional no Linkedin, onde há uma referência à matéria publicada em nosso site onde Ferreira tratou pela primeira vez do tema, o gerente de aplicações da Fundação Centrus, Flávio Guimarães, publicou o seguinte comentário: “me permito discordar da sugestão do ex-superintendente. Expor-se ao risco de crédito do próprio patrocinador não é razoável nem desejável aos participantes. Caso esse patrocinador venha a experimentar qualquer dificuldade financeira, falta de liquidez ou até entrar em processo de recuperação judicial, os participantes perdem duplamente, tanto o salário e emprego quanto por uma redução nos benefícios previdenciários. Além disso, as fundações poderiam ser mal utilizadas (induzidas) a adquirir títulos e valores mobiliários de seu patrocinador para impulsionar uma oferta pública, através de uma demanda artificial para seus papéis”, disse.

Ainda segundo Guimarães, “a história já demonstrou que tal prática não é salutar. A estrondosa quebra da Enron, nos Estados Unidos, levou consigo os planos de previdência de seus empregados junto para o fosso”. O fundo de pensão da Enron tinha 1/3 de seus recursos aplicados na patrocinadora, em ações e papéis de dívida, quando quebrou, produzindo impactos negativos nas reservas dos participantes.

A tese de Ferreira, no entanto, é endossada pela Associação dos Fundos de Pensão e Patrocinadores do Setor Privado (APEP). A organização encaminhou proposta nesse sentido, no início deste mês, ao Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC) por meio de Antônio Fernando Gazzoni, membro de seu conselho consultivo e representante titular dos patrocinadores no CNPC.

A APEP defende a concessão de empréstimos de EFPCs à mantenedores mediante compromisso de pagamento em prazos pré determinados, com juros, correção e as garantias necessárias para que os recursos não sejam usados em tentativas de salvamento de empresas. “Com as salvaguardas adequadas, essas operações podem ser feitas com grande segurança pelas entidades”, comenta o presidente da entidade, Herbert de Souza Andrade.

Fonte: Investidor Institucional (28/05/2020)

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