Responsabilidade civil e administrativa dos gestores das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (“EFPC”) deve agora ser redobrada
Se antes da pandemia da COVID-19, a qual resultou na grave crise de ordem sanitária, financeira e econômica a nível global que estamos vivenciando, a responsabilidade civil e administrativa dos gestores das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (“EFPC”) já era motivo de preocupação, agora deve ser levada ainda mais a sério.
Embora caiba ao Regulamento da EFPC definir as competências e atribuições de cada órgão estatutário, nos termos do artigo 35 da Lei Complementar (“LC”) n° 109/2001, na prática geralmente compete ao Conselho Deliberativo a definição da gestão de investimentos e do plano de aplicação de recursos, cabendo ao Conselho Fiscal, por sua vez, analisar a aderência da gestão dos recursos garantidores do plano de benefícios à legislação e à política de investimentos, conforme o artigo 19 da Resolução CGPC n° 13/2004.
Ademais, a referida Resolução determina, em seu artigo 12, que todo e qualquer risco que possa eventualmente impactar os objetivos da EFPC deve necessariamente ser identificado, avaliado, controlado e monitorado, conforme os princípios do conservadorismo e prudência.
É importante destacar que os gestores – incluindo dirigentes, procuradores com poderes de gestão e membros de conselhos estatutários – têm o dever fiduciário de proteger os direitos e interesses da EFPC, respondendo civilmente pelos danos ou prejuízos que causarem, por ação ou omissão, nos exatos termos do artigo 63 da LC n° 109/2001.
Apesar de ainda ser objeto de intenso debate na doutrina e na jurisprudência, entendemos que a responsabilidade prevista na lei não é objetiva, mas sim subjetiva, exigindo a comprovação de dolo ou culpa, bem como o nexo causal entre a conduta praticada e o prejuízo verificado.
Além de a responsabilização no âmbito civil gerar o dever de reparar o dano ou prejuízo causado na sua extensão, conforme artigo 927 do Código Civil, ainda há a responsabilidade administrativa. A esse respeito, segundo o artigo 65 da LC n° 109/2001, os gestores que infringirem a legislação estão sujeitos a diversas penalidades, tais como advertência, suspensão do exercício de atividades em EFPC, inabilitação para o exercício de cargo ou função em EFPC e similares e multa de até R$ 1 milhão.
A lógica por trás da responsabilização, tanto civil como administrativa, é proteger o interesse coletivo dos participantes e assistidos. Isso porque, a despeito de sua natureza privada, o objeto do contrato de Previdência Privada possui relevante caráter social, na medida em que propicia às pessoas que, de forma facultativa aderirem a esse regime, a complementação dos benefícios concedidos pela previdência social, nos termos do artigo 202 da Constituição Federal.
O dever fiduciário dos gestores encontra ainda detalhada regulamentação na Resolução CMN n° 4.661/2018, que atualmente traz as diretrizes de aplicação dos recursos dos planos. O artigo 4º da mencionada Resolução prevê que todos os indivíduos que participam do processo de análise, de assessoramento e decisório sobre a aplicação dos recursos dos planos da EFPC devem observar os princípios de segurança, rentabilidade, solvência, liquidez, bem como exercer suas atividades com boa fé, lealdade e diligência, levando em conta, especialmente, a política de investimentos da EFPC, respeitando as modalidades, segmentos, limites e demais critérios estabelecidos na própria Resolução.
Diante disso, é certo que a prática de atos, por ação ou omissão, dos gestores das EFPC, no que tange à decisão, avaliação e revisão de investimentos, que não seja compatível com o equilíbrio atuarial e a preservação do plano de benefícios, pode implicar violação do dever fiduciário e gerar eventual responsabilização civil e administrativa dos indivíduos.
Especialmente em momentos de crise, a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro e atuarial, necessário à execução futura do contrato de previdência, é tarefa árdua à administração da EFPC, quando variáveis econômicas são atingidas por alto grau de instabilidade, fazendo com que a gestão tenha que reequilibrar os investimentos para assegurar a concessão do benefício futuro.
Conforme recente pesquisa realizada pela MERCER, no âmbito da Previdência Privada, mais de 80% dos gestores já realizam mudanças nos portfólios das aplicações dos recursos após revisitar as políticas de investimentos dos planos de benefícios [1]. Inclusive, vale mencionar que o próprio Conselho Nacional de Previdência Complementar (“CNPC”) tem enviado ofícios a várias EFPC buscando informações sobre as providências tomadas para enfrentar esse período de crise, em especial a revisão de políticas de investimentos.
Embora no atual momento o Brasil, assim como os demais países, esteja mergulhado em um cenário de insegurança, sendo difícil prever, a curto e médio prazo, como e quando a economia vai reagir, é evidente que os gestores devem se preocupar em adotar todas as medidas possíveis para tentar garantir o equilíbrio atuarial das EFPC.
Para tanto, os gestores têm o dever de rever e reavaliar as políticas de investimentos, buscando, ao máximo, preservar a rentabilidade, a solvência e a liquidez dos recursos garantidores do plano de benefícios, informando, inclusive, os órgãos de fiscalização que já estão monitorando de perto a sua atuação. Caso assim não o façam, poderão ser responsabilizados, como visto acima.
Diante disso, todo cuidado é pouco para os gestores das EFPC, que tem diante de si a difícil missão de zelar pela saúde financeira da Previdência Complementar em um momento tão delicado quanto o atual.
Fonte: Ed Roncarati (04/05/2020)
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