terça-feira, 12 de maio de 2020

TIC: Venda de ativos da Oi define leilão de 5G



Operação envolve a posse de radiofrequências que abrigarão redes e serviço 4G e 5G

O leilão das faixas de radiofrequência para a quinta geração de serviços móveis (5G) encontra cada vez mais resistência para ser realizado no Brasil até o começo de 2021. Uma lista considerável de condicionantes apresentados pelas operadoras de telecomunicações, para que sejam resolvidos antes do leilão, foi engrossada após a crise provocada pela covid-19. Mas apenas um item não mencionado pelas teles pode ser o mais relevante para fazer o fiel da balança pender contra ou a favor de nova prorrogação da data do certame: a venda da operação móvel da Oi.  

Telefônica, dona da Vivo, e TIM Brasil fizeram uma aliança para negociar a compra dessa unidade da Oi. Embora isolada, a Claro, do bilionário mexicano Carlos Slim, não está descartada entre os pretendentes. Toda a operação em torno da Oi envolve o conjunto de radiofrequências das companhias interessadas, ativos considerados valiosos e com limites para posse estabelecidos pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). É aí que se define onde serão colocadas as redes de serviços, como 4G e 5G.   

No fim de março, Rodrigo Abreu, diretor-presidente da Oi, confirmou que estuda propostas não vinculantes de interessados em comprar as operações móveis da companhia. O Bank of America Merril Lynch, contratado pela Oi, tem trocado informações com os interessados.   

As teles devem fazer as contas de quanto espectro adicionariam ao seu próprio conjunto se fecharem negócio para levar as operações móveis da rival. Quem fica com o que e quanto isso acrescenta ao seu “spectrum caps”, o limite de espectro, são cálculos essenciais. Depois de tudo isso resolvido, dizem fontes próximas às operadoras, o cenário deverá ficar mais desanuviado para uma volta dos investidores ao mercado, cientes de quanto mais poderão incluir no carrinho de compras.  

“Se for verdade que para acontecer o leilão [...] de 5G estariam alguns dos interessados a querer resolver primeiro quem compraria a Oi, então, que legisladores e reguladores nos acudam”, diz o consultor Juarez Quadros, ex-presidente da Anatel. “Antes de eventualmente tudo se concretizar, vários questionamentos poderiam ser feitos, pois na exploração de serviços de interesse público não é permitida a realização de negócios firmes com base em expectativa de mudança do arcabouço regulatório. Para a suposta venda, faltam avaliações de ordem regulatória, societária e concorrencial.”  

As redes 5G se inserem no contexto tecnológico por também poderem associar suporte à pandemia, afirma Quadros, ao refutar o eventual viés arrecadatório por parte do governo. “Que prevaleça o bem-estar social.” O consultor acrescenta que embora se trate de uma disputa estratégica no campo privado, deve se pensar no consumidor. Nesse sentido, diz ser fundamental o papel de órgãos de Estado para que ocorra uma competição saudável que atenda ao interesse público.  

Embora imune a argumentos, a covid-19 contribuiu para empurrar o leilão para fora do foco das empresas e complicar ainda mais o cronograma da Anatel. No fim de março, a agência suspendeu os testes de campo que fazia no Centro de Referência Tecnológica da Claro, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, para garantir que o sinal de 5G não interfira na recepção de canais de TV aberta por satélite na banda C que chegam às residências via antenas parabólicas (TVRO, do inglês Television receive-only). A suspensão foi para cumprir medidas sanitárias adotadas no combate à disseminação da doença. Os testes só serão retomado quando a pandemia passar.   

Segundo Leonardo Euler de Morais, presidente da Anatel, os testes de convivência dos dois serviços, na faixa de 3,5 gigahertz (GHz), mostram que os filtros testados não funcionam ainda para mitigar as interferências. O principal problema, diz ele, é que o sinal das parabólicas é precário e recebe o sinal irradiado nas bandas adjacentes. “Parabólica não é nem serviço de radiodifusão. São sistemas usados por pessoas simples para captar o satélite”, explica Morais. “Temos o desafio de colocar a porta de 3,5 GHz, principal no mundo, mas a realidade impõe um desafio maior.”  

O presidente da agência destaca que embora a indústria saiba o que deve mitigar, os filtros para cumprir essa finalidade não apareceram com a robustez que se espera para garantir a política pública.  

Apesar do cenário desfavorável, o presidente da Anatel não se entrega e diz que trabalha “intensamente” para realizar a licitação ainda em 2020. Mas reconhece que os desafios associados ao curso do cronograma ganharam contornos maiores a partir da pandemia. Para as grandes operadoras, que antes da pandemia já não queriam o leilão neste ano, o adiamento é bem-vindo.  

Os testes não concluídos são apenas um dos itens do gargalo para o edital de 5G, diz Marcos Ferrari, presidente do SindiTelebrasil, o sindicato que representa as grandes operadoras. Antes da pandemia já havia outros fatores impeditivos ao certame, na avaliação do setor. Ferrari destaca que ainda precisa ser resolvida a questão da regulamentação municipal para implantação das antenas, um embate que já dura anos (há 4 mil pedidos parados e 5G vai exigir cerca de sete vezes mais antenas); a queda da tributação para internet das coisas, o direito de passagem da infraestrutura em locais como rodovias, e a regulamentação da Lei Geral de Proteção de Dados, pois os modelos de negócios em 5G ainda não são conhecidos.   

“No meio disso tudo, o principal é a crise da covid-19, que tornou a visão turva”, diz Ferrari. “É difícil fazer investimento de longo prazo em momento de incerteza, de queda do PIB.” Somado a isso, sem os testes não há como precificar, acrescenta o executivo. “Defendemos a resolução desses pontos para dar previsibilidade física e financeiro e toda a rentabilidade do investimento.”  

Mas o consultor Quadros contra-argumenta. Se a tecnologia 5G já estivesse em uso no Brasil, poderia viabilizar a telemedicina, o ensino a distância, a internet das coisas, entre outros serviços, diz ele.  

Não se pode usar o argumento de que 5G vai gerar investimentos para o país, rebate o presidente do SindiTelebrasil, ao revelar que o setor investiu R$ 33 bilhões em 2019 e R$ 32,2 bilhões em 2018. Para 2020, o montante deverá estar nessa mesma faixa, diz Ferrari. Ele destaca que a crise jogou a recuperação dois anos para frente e que os balanços do primeiro trimestre já mostram como 15 dias de pandemia impactaram os resultados das empresas. Isso ficou evidente nos relatórios de Telefônica e TIM, divulgados semana passada.  

“Quem vai querer se comprometer com novos investimentos em um cenário econômico tão opaco?”, diz o economista Arthur Barrionuevo, da FGV /Escola de Administração de Empresas. “A situação econômica vai piorar e aumentar as incertezas. É uma discussão que os principais economistas também fazem fora do Brasil.” Barrionuevo concorda que o atraso na implantação de 5G colocará o Brasil atrás de outros países que saíram na frente, mas diz que esses também vão sofrer com a crise.  

O economista lembra que a pressão dos EUA contra a chinesa Huawei, para que não seja fornecedora de 5G, também cria mais um ponto para o Brasil resolver, bem como a participação dos pequenos provedores de acesso no leilão.   

Entre as operadoras regionais, conhecidas como competitivas, está claro que após a pandemia a demanda por mais e melhores serviços será muito maior, diz João Moura, presidente da TelComp, que representa o segmento. “Agora mesmo é que todos querem entrar no jogo”, diz Moura, referindo-se ao leilão de 5G e à possibilidade de ser reservado bloco para lance das operadoras regionais, algo que as grandes do setor não querem.  

Obviamente, não se sabe como será a realidade de negócios depois da fase aguda da crise. Mas o presidente da TelComp avisa que há apetite para investir, inclusive por fundos e empresas que não estão no mercado hoje mas que percebem que as oportunidades serão muito expressivas.  

“As competitivas não pediram postergação [do leilão], mas também não têm urgência,” diz Moura. “Final de 2020 ou início de 2021 não é problema.”  Na verdade, para as operadoras nacionais que estão no jogo há muito tempo, a data está no centro da polêmica.

Fonte: Valor (12/05/2020)

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